DASARTES 103 /

MAXWELL ALEXANDRE

AOS 30 ANOS, MAXWELL ALEXANDRE RETRATA EM SUA OBRA UMA POÉTICA QUE PASSA PELA CONSTRUÇÃO DE NARRATIVAS E CENAS ESTRUTURADAS A PARTIR DA VIVÊNCIA COTIDIANA PELA CIDADE E NA ROCINHA, ONDE NASCEU, TRABALHA E RESIDE. AQUI, O ARTISTA FALA À DASARTES SOBRE O PROCESSO DE INSPIRAÇÃO E CRIAÇÃO DE 5 OBRAS DE SUA JOVEM CARREIRA   Wallride […]

AOS 30 ANOS, MAXWELL ALEXANDRE RETRATA EM SUA OBRA UMA POÉTICA QUE PASSA PELA CONSTRUÇÃO DE NARRATIVAS E CENAS ESTRUTURADAS A PARTIR DA VIVÊNCIA COTIDIANA PELA CIDADE E NA ROCINHA, ONDE NASCEU, TRABALHA E RESIDE. AQUI, O ARTISTA FALA À DASARTES SOBRE O PROCESSO DE INSPIRAÇÃO E CRIAÇÃO DE 5 OBRAS DE SUA JOVEM CARREIRA

 

Wallride Painting

No início de 2015, tive a chance de trabalhar em um edifício abandonado na Estrada das Canoas, no Rio: o Gávea Tourist Hotel, mais conhecido como Esqueleto. Nessa experiência de imersão e isolamento, alcancei uma nova postura em minha prática com Patins Street, pois, pela primeira vez, usei uma manobra com outro fim, o de não ser manobra, mas se autorregistrar, marcar seu impacto e efemeridade no espaço. Assim surgiu a prática do wallride painting: uma performance que começa com a tinta no chão e, ao passar por cima com patins, carrego pigmentos que registram meu trajeto sobre o canvas preso à parede, enquanto executo a manobra chamada wallride.

Esse trabalho é muito importante pra mim, pois acredito que ele simboliza a junção entre minha prática antiga como patinador de street e minha prática atual como artista plástico.

Cerimônia de Batismo Coletivo

A obra consiste em uma instalação composta de cinco telas pintadas com padrões de piscina Capri, sendo três delas suspensas formando uma sala, e duas como forro de chão. No centro fica um tanque batismal com água. A organização desses elementos constrói um templo para a passagem dos fiéis nas águas em um ritual de batismo. A instalação foi ativada pela primeira vez em 19 de setembro de 2019, para batizar 21 artistas em uma cerimônia de batismo coletivo pela Igreja do Reino da Arte (A Noiva), em um estande durante a feira ArtRio, na Marina da Glória.


Peregrinação

O ritual de Peregrinação na Igreja do Reino da Arte é o trabalho de fé pela caminhada. Escolhe-se um ponto de partida e chegada, e, normalmente, os fiéis carregam obras durante o trajeto. É muito comum que sejam feitas paradas específicas em alguns pontos da cidade, durante o caminho, para a realização de pequenos cultos.

No dia 24 de julho de 2018, foi realizada uma das caminhadas mais longas da Noiva.
A ocasião foi minha primeira exposição individual, na galeria A Gentil Carioca. Eu havia pintado quatro grandes painéis para o show. Eu me reuni com a Igreja em meu ateliê, na Rocinha, e caminhamos com os rolos de pinturas nos ombros até o espaço expositivo, no centro do Rio, em um trajeto de aproximadamente 20 km, em aproximadamente quatro horas.


Pardo é Papel, performance: Bk’ e Baco Exu do Blues

A exposição itinerante de Pardo é Papel passou em 2019 pelo Museu de Arte do Rio (MAR), e foi nesse momento que eu tive a chance de apresentar pela primeira vez uma performance da série, com Bk’ e Baco Exu do Blues. Foi montado um palco nos pilotis do Museu para os poetas performarem seis faixas, com uma pintura ao fundo, de padrões de piscina Capri dourados, feita especialmente para a ocasião. A performance foi também uma maneira de desafiar as estruturas já estabelecidas da formatação de Pardo é Papel. Apresentar a série em formato de performance foi um dos caminhos que encontrei para colocar isso à prova. A articulação dessas crônicas não podia estar presa a um único suporte. Foi navegando por essa ideia
que entendi que minha busca era pela valorização e pelo reconhecimento do conteúdo da série: pretos empoderados, marrentos, ostentando, vencendo…

Como Baco falou em entrevista para o museu, “foi uma noite importante de
ocupação de um espaço de perspectiva branca, um encontro de arte preta, algo que vai ser histórico daqui a um tempo”. A performance aconteceu na inauguração da mostra e a divulgação causou alvoroço nas redes sociais, lotando o museu. A plenitude da série se deu ali, com toda a comunidade preta empoderada cantando “Minha vez de ganhar!”, refrão da faixa Vivos de Bk’, com participação de Baco Exu do Blues.


anjo Maxwell

No dia primeiro de abril de 2019, eu me casei dentro da Igreja do Reino da Arte, e eu nunca tinha namorado antes. Eu ainda não tinha formalizado um pedido de namoro à minha parceira e a gente já foi direto para o casamento, que foi nessa data considerada o dia da mentira. A partir desse gesto, a data ficou marcada para mim como um momento em que eu me jogo em um lugar novo.

Então, no dia primeiro de abril de 2020, a fim de repetir esse processo de me atirar em outra área que não  domino, eu lancei um álbum musical. Embora eu já tivesse planejado esse lançamento, só consegui começar a trabalhar no disco nas duas semanas finais de março. Por não entender nada de música, a premissa era trabalhar sozinho, pois eu queria um resultado honesto de minha relação inicial com a música​. Comecei o processo visitando anotações antigas, já que essa é uma prática constante que carrego, a de escrever. Depois, comecei a elaborar as letras e fazer o download de alguns beats livres na internet, e editei no Final Cut, porque era um programa de edição de vídeo familiar para mim, considerando que trabalhei com filmes no passado. O álbum é meu 4º Dízimo (culto de entrega individual do artista) pela Noiva. Por ter trabalhado em um prazo de duas semanas apenas, o processo acabou sendo muito intenso, ainda mais com todos os desafios que eu não podia prever. Eu tive que ficar completamente focado nesse período, já que na Igreja a gente tem esse compromisso de marcar a data e entregar. Isso é um dogma. A partir do momento que agendei para o dia primeiro de abril, eu já não poderia mais voltar atrás. Se eu tivesse conseguido desenvolver apenas duas faixas, seria esse o lançamento.

A obra anjo Maxwell é um álbum para edificar fé de artista. Gosto dessa conotação porque é precisa quando penso que o trabalho é marcado pelo início da quarentena, onde o isolamento social trouxe ansiedade e um futuro incerto para nós. São dez faixas reunidas que o público pode acessar nas plataformas digitais.

Como artista, penso que é poderoso buscar outras mídias para me manifestar, inclusive alimentar e complementar minhas outras práticas. Então, o álbum acaba sendo uma peça interessante para entender toda essa mitologia que eu venho criando. É mais uma parte do meu evangelho.

MAXWELL ALEXANDRE: PARDO É PAPEL •
FUNDAÇÃO IBERE CAMARGO • PORTO ALEGRE • 17/10/2020 A 14/2//2020

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