Frans Hals pintava retratos; nada, nada, nada além disso. Mas isso vale tanto quanto o Paraíso de Dante, os Michelangelos, os Raphaels e até mesmo os gregos.
(Vincent van Gogh para Emile Bernard Arles, 30 de julho de 1888)
Entre seus contemporâneos, a habilidade de Frans Hals (1582/84–1666) com o pincel só era igualada por artistas como Rembrandt, nos Países Baixos, ou Velázquez, na Espanha. Ele pintava com tanta confiança que, aparentemente, nunca fazia desenhos preliminares. Em vez disso, trabalhava principalmente de primeira, aplicando a tinta sobre camadas anteriores ainda úmidas em uma única sessão.
Em vida, Hals foi elogiado por sua caracterização excepcionalmente vívida das pessoas, tanto retratando clientes pagantes quanto inventando personagens baseados em uma combinação de observação e imaginação. Conseguia representar pessoas sorrindo, um desafio evitado pela maioria de seus contemporâneos. No entanto, sua estrela perdeu brilho até a segunda metade do século 18, quando seu trabalho foi redescoberto pelo crítico de arte e colecionador francês Théophile Thoré (que também redescobriu Vermeer), passando a ser admirado inclusive por pintores como Manet e Van Gogh.
Hals nasceu em Antuérpia, na Bélgica, no início dos anos 1580. Pouco depois da queda da cidade para os espanhóis, em 1585, a família Hals se mudou para Haarlem, no norte dos Países Baixos. Em 1610, Hals se matriculou na Guilda de São Lucas de Haarlem para estabelecer seu ateliê como pintor. Sua habilidade como retratista lhe rendeu muitas encomendas de pessoas ricas, casais, famílias e companhias de militares. Apesar de seu sucesso, Hals e sua numerosa família enfrentavam problemas financeiros. Nos últimos anos de sua vida, a cidade de Haarlem reconheceu as realizações ilustres, fornecendo-lhe uma pensão. Ele faleceu em 1666, com mais de 80 anos de idade.
PRIMEIROS TRABALHOS
A carreira inicial de Frans Hals permanece envolta em mistério. Seus retratos mais antigos sobreviventes são do início da década de 1610. Quando os pintou, já estava perto dos 30 anos, não mais um artista iniciante. Eles são habilidosos demais para serem suas primeiras tentativas de retratos. O que os precedeu é desconhecido para nós. Suas obras iniciais também têm influência de seu aprendizado com o artista de Haarlem, Karel van Mander (1548-1606), que pintava principalmente temas bíblicos.
Há um traço distintamente flamengo nas pinturas de Hals, em sua dignidade e gosto pela vida. Seus tons luminosos de pele têm uma qualidade semelhante à de Rubens, especialmente em seus primeiros trabalhos. No entanto, o que o diferencia é sua habilidade incomparável em destacar o caráter de uma pessoa.
RETRATOS COMO ARTE
Na época de Hals, os retratos tinham uma função dinástica. Eles preservavam o lugar do retratado na linha familiar para a posteridade. Os retratos também expressavam status e riqueza, frequentemente derivados do império colonial da República Holandesa.
Para o professor de Hals, Karel van Mander, a arte do retrato era inferior à representação de figuras humanas em histórias bíblicas ou mitológicas. Ele a desprezava como um “caminho lateral da arte”, exigindo apenas uma imitação desprovida de imaginação. No entanto, com Hals, a arte do retrato toma um rumo definido em direção ao caminho principal.
Reconhecemos instantaneamente as pessoas que conhecemos por meio de uma compreensão inata de sua expressão, postura e comportamento. É diabolicamente difícil converter essa sensibilidade em tinta que flui de um pincel. Mas Hals realizou o feito de criar no espectador um momento visceral de reconhecimento, mesmo que não tenhamos como conhecer o retratado. Sua pincelada solta o ajudava, assim como sua habilidade em captar a atitude de uma pessoa. Isso encontra sua manifestação mais brilhante e complexa em seus retratos de grupo de companhias militares.
O riso também é uma das expressões mais difíceis de serem capturadas por um pintor. Hals obteve sucesso ao transmitir uma sensação de movimento espontâneo por meio de sua pincelada solta. Ele capturou suas personagens no meio da risada, nunca presos em uma careta. Alguns de seus retratados até mostram os dentes enquanto sorriem, o que os espectadores da época perceberiam como sinal de falta de delicadeza e frivolidade, ampliando seu efeito cômico.
PERSONAGENS INVENTADAS
As encomendas de retratos para pessoas abastadas exigiam certo decoro. Nas cenas que retratam pessoas comuns das décadas de 1620 e 1630, Hals se permitia mais liberdade. Aqui, ele aplicava sua pincelada solta de maneira ainda mais vigorosa.
Hals representava “tipos” sociais com características individualizadas, mesclando elementos de retratos, tronies (estudos expressivos de cabeça) e temas “gênero” do cotidiano. Suas personagens incluem músicos alegres, tolos risonhos e bêbados barulhentos. Ele baseava essas personagens em pessoas reais, possivelmente até em seus próprios filhos, além de personagens convencionais de peças satíricas. Hals era membro de uma sociedade de dramaturgia que encenava tais performances.
LAÇOS FAMILIARES
A sensibilidade de Hals para capturar a personalidade e a presença fez dele um observador brilhante das relações humanas. Uma grande parte de sua obra consiste em retratos individuais – ou em pares – de casais. Muitos foram separados ao longo do tempo. Mas os individuais são melhor compreendidos e apreciados como uma única obra de arte. Apenas um retrato duplo de Hals sobrevive. Essa obra calorosa e íntima provavelmente representa Isaac Abrahamsz Massa e sua esposa Beatrix van der Laen. Hals e Massa eram amigos. Ele é visto em mais duas pinturas.
Ocasionalmente, Hals pintava uma família inteira. Assim como nos retratos em grupo, ele coordenava coreografias complexas com aparente facilidade. O cuidado que ele tinha ao organizar os retratados é disfarçado por uma impressão geral de simplicidade.
DE PERTO
Mais conhecido por suas obras em tela em grande escala, Hals também pintava em uma escala muito menor ao longo de sua carreira. Ele preferia pintar essas obras de dimensões reduzidas em uma superfície lisa, geralmente uma placa de madeira. Usando pincéis menores, Hals empregava a mesma técnica livre e expressiva de suas obras maiores.
Esses retratos proporcionam uma experiência de visualização mais íntima. Alguns devem ter sido destinados aos aposentos privados da residência do retratado, para serem vistos apenas pela família e amigos mais próximos. Outros, principalmente de estudiosos e clérigos, foram copiados em escala pelos mais proeminentes gravadores de Haarlem. As gravuras resultantes seriam usadas para ilustrar livros ou circular a semelhança do retratado. Nem sempre sabemos se Hals criou as pinturas como modelos para o gravador ou se foram concebidas como obras independentes que foram posteriormente gravadas.
ÚLTIMAS OBRAS
Nessa fase final de sua carreira, a técnica de pintura de Frans Hals entrou em sua fase mais audaciosa. Ele tinha cerca de 80 anos quando pintou algumas dessas obras. Nessa idade, o olho humano raramente vê tão claramente como antes, mas não devemos atribuir o estilo tardio de Hals à diminuição da visão. Sua tendência para uma aplicação cada vez mais ousada de tinta foi uma escolha artística deliberada.
No final do século 17, houve uma tendência geral em direção a um estilo suave na pintura holandesa. No entanto, Hals decidiu se apegar aos seus próprios métodos. Havia patronos que preferiam sua pincelada dinâmica e caracterização poderosa ao que estava na moda.
Assim como Ticiano, antes dele, e Rembrandt, por volta da mesma época, Hals deve ter decidido que um estilo de pintura audacioso, até mesmo áspero, era uma culminação adequada de sua prática ao longo da vida.
FRANS HALS
• THE NATIONAL GALLERY • LONDON • 30/9/2023 A 21/1/2024
• THE RIJKSMUSEUM • AMSTERDAM • 16/2 A 9/6/2024
• GEMÄLDEGALERIE •BERLIN • 12/7 A 3/11/2024