
Ena and Betty, Daughters of Asher and Mrs Wertheimer, 1901. Tate. Photo © Tate (Joe Humphrys).
John Singer Sargent foi, segundo o escultor francês Auguste Rodin, “o van Dyck de nosso tempo”, creditando-lhe a habilidade e o estilo do muito admirado mestre flamengo do século 17. Homens e mulheres procuravam Sargent não apenas para um retrato, mas por uma obra de arte, algo atemporal que se tornaria – como observou um crítico – “uma relíquia para passar adiante”.
Sargent fazia com que seus retratados fossem apresentáveis, mas ele não estava à mercê deles. Uma de suas ferramentas era a vestimenta. Ao observarmos seu trabalho no contexto da moda, descobrimos seu poder sobre os retratados. Sargent frequentemente lhes ditava o que vestir, com escolhas que revelavam aspectos da personalidade, gênero ou posição social. Após selecionar o traje, às vezes o manipulava na pintura, deixando de fora detalhes decorativos, posicionava as mulheres de forma que um elegante babado fosse revelado, drapeava e prendia tecidos para criar efeitos pictóricos interessantes.
Aqui temos a oportunidade de ver os retratos formais de Sargent e suas pinturas tardias de familiares e amigos ao lado de exemplos de moda da época, algumas roupas realmente usadas pelos retratados de Sargent. O que é igual e o que é diferente? Em nossa era de redes sociais, videoconferências e selfies, essa exposição nos faz pensar sobre a criação de imagem e se uma representação é verdadeira, aspiracional ou imaginativa. Quem cria e quem controla sua imagem?
O ESTÚDIO EM PRETO E BRANCO

Madame X, 1883-84. © The Metropolitan Museum of Art/Art Resource/Scala, Florence.
Quando as pessoas posavam para Sargent, geralmente o faziam em seu estúdio, primeiro em Paris e depois em Londres. Às vezes, ele pintava os retratados em suas casas ou em estúdios improvisados em ambientes domésticos. Onde quer que a ação ocorresse, Sargent a dirigia, dizendo a seus clientes onde ficar ou como se sentar, decidindo quais objetos deveriam ser incluídos na imagem e, frequentemente, o eles deveriam vestir. Ele era um observador perspicaz e tinha preferências distintas para roupas: quase dois terços de seus retratados masculinos vestiam ternos escuros simples, e a maioria de suas retratadas femininas, apesar da vasta gama de cores e estampas disponíveis, usava preto ou branco.
A vestimenta branca era tradicionalmente associada a imagens de inocência, mas, também, representava luxo. Cada estágio de sua produção e manutenção era custoso, desde as origens dos tecidos (seda, linho e algodão) até o alvejamento, acabamento, construção e lavagem contínua que exigia, muitas vezes, mão de obra mal remunerada. Roupas pretas também podiam ser caras. Novos corantes anilínicos desenvolvidos na década de 1860 produziram não apenas cores vibrantes, mas também um preto puro e intenso que rapidamente infiltrou a moda. Vestidos pretos eram estilosos para mulheres de todas as idades e não se limitavam a roupas de luto.

Lady Sassoon, 1907. Private Collection. Image © Houghton Hall.

Opera cloak worn by Lady Sassoon, c.1895. Private Collection. Image © Houghton Hall.
Preto e branco também são neutros e atemporais. Permitem que um retratista destaque a cabeça e as mãos, os elementos mais distintivos de um retrato. Pintar preto sobre preto ou branco sobre branco é difícil, oferecendo um desafio artístico que Sargent particularmente apreciava. O artista incorporava muitas cores em seus pretos e brancos, fazendo com que suas superfícies planas e monocromáticas saltassem para as três dimensões e vibrassem com intensidade.
A ARTE DO VESTIR

Portrait of Ena Wertheimer: A Vele Gonfie, 1904. Tate. Photo © Tate (Oliver Cowling).
Para as mulheres abastadas nas Américas e na Europa, vestir-se envolvia navegar por um campo minado de etiqueta para usar a coisa certa na hora certa para a ocasião certa. Havia vestidos para a manhã, vestidos para o chá, vestidos para passeios, roupas especiais para andar a cavalo ou jogar tênis, vestidos adequados para uma matinê à tarde e diferentes para a noite. Havia chapéus e luvas, leques para coordenar e o design certo a escolher. Paris era o epicentro da moda, onde várias casas de moda ofereciam alta-costura personalizada. Entre elas, estava a Casa Worth, uma das maiores e mais populares, que empregava mais de mil pessoas até a década de 1870. Seu fundador, Charles Worth, descrevia-se não como um alfaiate, mas como um artista, afirmando: “Eu tenho o senso de cor de Delacroix e componho. Uma toilette [um conjunto completo, da palavra francesa toile, tecido] pode ser tão boa quanto uma pintura.”
Se a vestimenta era fundamental para a forma como uma mulher construía sua persona pública, o que acontecia quando ela tinha seu retrato pintado por Sargent? Era o artista quem decidia o que suas retratadas vestiam. Ele podia registrá-las em suas próprias roupas, mas, às vezes, pedia para mudarem. Escolhia roupas que achava refletirem a suas personalidades ou que fossem mais adequadas às necessidades composicionais. Ele prendia e drapeava, mudava ou ignorava detalhes decorativos, e, às vezes, simplesmente inventava. Como Sargent escreveu uma vez a um amigo, ele estava “no meio da confecção de roupas e pintura”.
BRINCANDO COM GÊNERO

Dr Pozzi at Home, 1881. © The Armand Hammer Collection, Los Angeles
Embora as roupas fossem estritamente diferenciadas por gênero no final do século 19 – calças e paletós para homens, saias e blusas ou vestidos para mulheres –, as pessoas que as usavam não eram. As escolhas de vestuário refletem a fusão de características que outrora definiam o masculino e o feminino. A sociedade estava mudando, e os papéis tradicionais dos sexos estavam sendo cada vez mais desafiados. Os retratos de Sargent revelam esse terreno em transformação.
As mulheres estavam cada vez mais ativas e visíveis no discurso público, fazendo campanha pela abolição, sufrágio, direitos de propriedade, temperança, reforma do vestuário e inúmeras causas humanitárias. Elas falavam em público, embarcavam em carreiras profissionais na educação, ciência, medicina, assistência social e nas artes. Em 1894, o termo “Nova Mulher” foi cunhado para descrever esse tipo moderno de mulher: altamente educada, orientada para a carreira, fisicamente ativa e politicamente engajada. Aspectos do traje masculino foram incorporados ao guarda-roupa feminino, como alguns retratos de Sargent demonstram.

La Carmencita, 1890. Photo © Musée d’Orsay, Dist. RMN-Grand Palais / Patrice Schmidt.

Costume worn by La Carmencita, c.1890. Private Collection © Houghton Hall.
Os conservadores temiam que, com as demandas de igualdade das mulheres, os homens se tornassem cada vez mais feminizados, sendo atraídos para a esfera doméstica da qual muitas mulheres buscavam escapar. Ambos os sexos foram alvo da nova e crescente cultura de consumo de grandes lojas e publicidade, incentivando os compradores a acompanhar a moda. Para os homens, um forte interesse pela moda poderia definir um dândi, um homem elegante e sofisticado que prestava atenção especial à sua aparência, às vezes quebrando as normas de gênero da masculinidade. Caricaturados na imprensa, os dândis eram criticados como efeminados, importando-se demais com a arte e atividades culturais como música e teatro em vez de se envolverem em esportes e atividades físicas exigentes associadas à virilidade.
RETRATO E PERFORMANCE

Portrait of Miss Elsie Palmer (A Lady in White), 1889-90. Colorado Springs Fine Arts Center (Colorado Springs, USA).
Retratos são performances, negociadas entre o retratado e o artista, muitas vezes com uma audiência em mente. Figurinos são escolhidos, poses são criadas, e os resultados são julgados por familiares, amigos e, às vezes, visitantes de exposições e críticos de arte. Sargent também retratou artistas reais: dançarinos, atores, músicos e cantores, mostrando-os durante uma apresentação ou posando como se estivessem no palco. Muitas dessas pinturas não foram encomendas, permitindo que Sargent satisfizesse seu gosto por espetáculos visuais. Ele próprio era um ávido espectador, frequentemente comparecendo a concertos, óperas, peças de teatro e, mais tarde, ao cinema.
Na época de Sargent, vestir-se com roupas diferentes das habituais não se limitava aos atores profissionais no palco. Também era uma forma popular de entretenimento: para bailes de fantasia, tableaux vivants, bailes de máscara, desfiles, reuniões de fraternidades, teatro amador e muito mais. A inspiração vinha da arte, história, mitologia, tradições populares e culturas não europeias. Revistas e livros populares ofereciam ideias e instruções.
Hoje, tais imagens podem gerar diálogo sobre o significado de usar o traje de uma cultura que não é a sua própria. O termo “apropriação cultural” descreve a apropriação das tradições de uma cultura por outro grupo historicamente dominante. Uma de suas formas mais persistentes e visíveis envolve roupas, como membros da sociedade europeia ou americana vestindo trajes de populações que eles controlaram politicamente, economicamente ou culturalmente. Intencionalmente ou não, tais ações refletem dinâmicas de poder desiguais e podem reforçar histórias de opressão.
Há alguns retratos de Sargent de pessoas se vestindo – tanto no palco quanto fora – dentro de suas próprias tradições, bem como retratados usando roupas de outras culturas. Cada exemplo apresenta uma história diferente, às vezes bastante complicada, sobre identidade. Para ele, todos eles proporcionaram uma oportunidade de explorar efeitos pictóricos dramáticos.
CONSTRUINDO PODER

Mrs Hugh Hammersley, 1892. © The Metropolitan Museum of Art/Art Resource/Scala, Florence.
O vestuário pode comunicar posição e poder. Fardas de estado, uniformes militares, ternos feitos sob medida e vestidos de estilistas fornecem sinais sobre quem alguém é ou como desejam ser vistos. Pode-se escolher se vestir de forma mais formal ou mais casual, para se integrar ou se destacar. Cada decisão pode revelar aspectos do status de uma pessoa. Como o escritor americano Mark Twain escreveu em 1905, expandindo uma máxima da Grécia antiga, “não há poder sem roupas”.
Alguns retratos mostram pessoas com influência, seja ela herdada, conquistada, assumida ou desejada. Alguns, como o marquês de Londonderry, herdaram títulos. Outros, como John D. Rockefeller, fizeram fortuna nos negócios. Amélie Gautreau cultivou sua beleza para obter posição social. Sargent os retratou de maneiras diferentes, transmitindo tanto a posição social quanto as personalidades distintas por meio do vestuário. Cada retratado está especialmente vestido para projetar uma identidade sob medida, seja por meio de um vestido elegante, um uniforme ou uma escolha consciente de roupas mais simples.
Sargent também revelava aspectos de sua própria autoridade. Ele fez retratos da vida moderna, sempre mantendo a tradição em mente. Muitas vezes, evocava, mas nunca imitava, artistas famosos do passado. Esses ecos deliberados dos mestres antigos, cujas pinturas eram então avidamente colecionadas e exibidas, conferiam status tanto a ele quanto aos seus retratados. O espetáculo dramático também atraía Sargent, pois a queda de uma saia de seda cintilante e o brilho de insígnias eram mais interessantes de retratar. Esses elementos da moda permitiam a ele demonstrar seu próprio poder como pintor.
FORA DA MODA

Mrs Carl Meyer and her Children, 1896. Tate. Photo © Tate.
Sargent tinha suas próprias intenções e nem sempre seguia a moda. Ao longo da carreira, adorava pintar tecidos, especialmente os brancos. As maneiras como eles podiam ser manipulados – dobrados, torcidos e drapeados – pareciam infinitas. Suas texturas variadas e reflexos constantemente lhe proporcionavam oportunidades artísticas inspiradoras. Ele não podia rearranjar as características de um retratado, mas podia tomar conta de suas roupas. Dentro de suas dobras e pregas, ele podia explorar luz e sombra, usando pinceladas amplas e espessas de tinta para um destaque, ou toques mais curtos e secos para capturar o brilho do sol.
Sargent usava uma variedade de tons em seus brancos. Estava ciente dos desenvolvimentos em óptica e teoria das cores que haviam empolgado artistas na segunda metade do século 19, e de suas implicações para os pintores. O branco, como sir Isaac Newton provou na década de 1660, não é a ausência de cor, mas a presença de todas as cores do espectro. Era cheio de possibilidades. Na metade da década de 1880, Sargent posou sua irmã Violet e amigos da família em vestidos brancos ao ar livre sob a luz solar brilhante, registrando destaques e sombras com tons delicados de azul e rosa. Na década de 1890, em seu estúdio onde podia controlar a luz, fazia retratos opulentos de mulheres usando seda branca e cetim, definindo transparência e brilho com tons de lavanda e cinza. Depois de parar de fazer retratos formais, por volta de 1907, o artista continuou a pintar família e amigos em ambientes informais, envoltos em xales ou usando saias brancas volumosas. No final de sua carreira, deixou a moda de lado, concentrando-se ao invés na essência dos materiais. Se deleitava na abundância tanto de tecido quanto de tinta, transformando roupas em paisagens imaginárias feitas do zero.
FASHIONED BY SARGENT • TATE
BRITAIN • REINO UNIDO •
21/2/2024 A 7/7/2024