O Bastardo. Foto: Thales Leite.

DASARTES 131 /

O BASTARDO

AS PERSONAGENS NEGRAS, CÉLEBRES OU ANÔNIMAS DO JOVEM ARTISTA O BASTARDO SÃO PROTAGONISTAS NO REPERTÓRIO VISUAL DE SUA PRIMEIRA EXPOSIÇÃO INDIVIDUAL, QUE FESTEJA NOVOS HERÓIS E FORMAS DE REPRESENTAÇÃO

© O Bastardo. Foto: Thales Leite

O Museu de Arte do Rio (MAR) tem, cada vez mais, se consolidado como um porto para discussões sobre os mais diversos grupos sociais pertencentes a um estado de contrastes como o Rio de Janeiro. Localizado na região portuária, a instituição, sob o olhar de seu time curatorial capitaneado por Marcelo Campos, tem se tornado referência no que tange a apresentar artistas negros, periféricos e de outros grupos minorizados. Já passaram pela instituição nomes importantes como Ayrson Heráclito, Elian Almeida, Silvana Mendes, entre muitos outros. Agora, para comemorar os dez anos da instituição, junta-se a esse time o artista O Bastardo, que preenche as paredes do museu com seu potente trabalho.

Nascido e criado na cidade de Mesquita, na Baixada Fluminense, o artista iniciou seu trabalho nas ruas com o grafitti e começou a estudar na Escola de Artes Visuais do Parque Lage, onde sua mãe trabalha há algumas décadas. Logo sua produção chamou a atenção de professores da instituição e o artista recebeu bolsas de estudo não apenas para os cursos da própria escola, como, ainda, da École des Beaux Arts, em Paris, e este ano, em fevereiro, foi anunciado como integrante do quadro de curadores Parque Lage. No MAR, o pintor ganhou sua primeira mostra individual institucional, após figurar em diversas coletivas em espaços culturais Brasil afora.

© O Bastardo. Foto: Thales Leite

© O Bastardo. Foto: Thales Leite

O Retrato do Brasil é Preto, em cartaz até o dia 28 de maio, tem curadoria de Marcelo Campos e Lilia Schwarcz, e apresenta mais de cinquenta pinturas do artista. A exposição se alia a um importante movimento feito principalmente nas últimas décadas, em que artistas negros e periféricos buscam, a partir de sua produção, o empoderamento de seus pares e seu reposicionamento na sociedade, em detrimento de uma História oficial excludente e cujos reflexos da invasão colonizadora são visíveis até hoje.

Um dos núcleos da mostra, Pretos de Grife, apresenta uma série de telas em que O Bastardo se dedica a representar grandes personalidades negras que alcançaram lugar de destaque, sobretudo no circuito cultural. Segundo o artista, a série nasceu com o principal objetivo de normalizar o sucesso de pessoas pretas. Porém, em meio a grandes nomes como Kanye West, Basquiat e Mano Brown, figuram também outras personagens desconhecidas do grande público, traçando uma interessante relação em que anônimos se misturam a famosos, colocando seus sucessos pessoais em pé de igualdade.

© O Bastardo. Foto: Thales Leite

© O Bastardo. Foto: Thales Leite.

© O Bastardo. Foto: Thales Leite

Tendo o azul como cor predominante, ao mesmo tempo em que representam os personagens escolhidos pelo artista, suas telas criam um interessante jogo de esconde-esconde. Quanto mais o espectador detém seu olhar sobre elas, mais elementos vão saltando aos seus olhos, emergindo da paleta quase monocromática. São mobiliários e fragmentos cotidianos de espaços típicos da vida no subúrbio, como barbearias, salões de beleza; elementos que remetem à história e à cultura da população negra e periférica; e até mesmo alguns de seus marcadores sociais enquanto grupo, como os cabelos descoloridos que, nas telas do artista, ganham um tom de amarelo vibrante contrastando com seus azuis predominantes.

© O Bastardo. Foto: Thales Leite

© O Bastardo. Foto: Thales Leite

© O Bastardo. Foto: Thales Leite.

Mesmo em suas pinturas em telas, são evidentes as referências de seu trabalho inicial no grafitti, dando o tom de uma produção que começou no ambiente urbano para apenas depois se inserir no universo das galerias e instituições. Pinceladas ágeis e faturas marcadas evidenciam uma produção que se coloca em um lugar de urgência, uma urgência que pode vir tanto das origens do trabalho sempre ágil nas ruas como, também, uma urgência proveniente da temática abordada. É urgente reposicionar os negros no circuito artístico e na sociedade como um todo, é urgente colocar em lugar de protagonismo pessoas que foram referência para o surgimento de uma nova geração empoderada, da qual faz parte o próprio O Bastardo.

Leandro Fazolla é ator, historiador e crítico
de arte. Doutorando em Artes Cênicas.
Mestre em Arte e Cultura
Contemporânea, na linha de pesquisa
de História, Teoria e Crítica de Arte.
Diretor Geral do Instituto Cultural Cerne.

O BASTARDO: O RETRATO DO BRASIL É
PRETO • MUSEU DE ARTE DO RIO (MAR) •
RIO DE JANEIRO • 18/3 A 28/5/2023

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