
Sem título, 2023. Foto: Filipe B. © José Bechara.
O artista constrói espaços geométricos que oscilam entre o rigor formal e ocorrências randômicas. Aprofundando-se na sua técnica de oxidação, o artista revela novos tons e tramas, trazendo espaços elaborados a partir de campos com fronteiras frágeis, conjuntos de linhas hesitantes, que se esforçam para emergir no plano. Em um procedimento que envolve cortes de uma grande superfície, uso de materiais e combinações químicas, cálculos, observação de vizinhança de cores, observação de pesos, processos de escolhas, uso de pincéis e outras ferramentas, repetições, observação de tempo e clima, observação de temperatura de cor, e acidentes, muitos acidentes. Veja a seguir o que o artista tem a dizer sobre suas criações.

Sem título. © José Bechara.
A utilização de lonas usadas de caminhão e a oxidação de metais se deu por acidente. Certo dia, deparei-me com uma grande superfície de lona usada de caminhão em um posto de gasolina ao norte do Estado do Rio de Janeiro. Imediatamente, percebi, naquela superfície de tecido usado, uma série de ocorrências visuais, marcas, manchas, sinais diversos, dentre os quais uma mancha de ferrugem. Naquele instante, pensei no seguinte: sei que você existe, não porque a veja, mas porque vejo sinais de sua existência. Assim, estava dada toda uma trama que serviria às minhas reflexões sobre a pintura que me interessava produzir. A fragilidade, as falhas, as imperfeições do mundo são questões que emergiram logo no início do trabalho e são por mim tratadas ainda hoje. Existir exige esforço e se deve esperar falhar e errar. É mais ou menos disso que se trata minha pintura.
A casa

A Casa. © José Bechara.

A Casa. © José Bechara.
A casa foi minha primeira escultura. Produzida em um programa de residência artística no interior do Estado do Paraná, em Faxinal do Céu, com curadoria de Agnaldo Farias e Fernando Bini. Nessa versão inicial, A casa (ou talvez fosse possível pensar em A casa cospe) tira partido de um chalé real, característico da região, que, durante o evento, serviu como habitação e ateliê para o artista convidado. O trabalho aborda o conceito de abrigo e inverte a noção familiar de moradia, na qual procuro estabelecer relações físicas, metafísicas e visuais com o habitat, criando conexões poéticas com o interior e com o exterior desse lugar. A escultura trabalha objetos familiares como formas geométricas ou geometrizadas e inverte a ideia de abrigo ao colocar para fora os utensílios que lembram a presença humana.
Esculturas gráficas

Foto: João Caldas. © José Bechara.

Foto: João Caldas. © José Bechara.
Esculturas gráficas ou desenhos espaciais são operações tridimensionais que convidam a uma mirada sobre o desenho. São estruturas produzidas em diferentes materiais e instaladas com variadas dimensões, quer em espaços arquitetônicos ou naturais. São trabalhos constituídos de elementos geométricos, quadrados e retângulos, ora cheios ora vazios, que ousam chamar de sólidos cheios e sólidos vazios. Ordenados randomicamente e reunidos pela gravidade, esses elementos produzem variadas volumetrias em resposta ao espaço expositivo oferecido. Tratam, sobretudo, de se relacionar com o vazio. Vazio na condição de substância, de matéria. Propõem também observar o estado expandido do desenho, para fora do usual plano.
Vidros planos
Rigor formal e fragilidade, são assuntos que atravessam meus trabalhos.

Foto: Filipe B. © José Bechara.
Os trabalhos em vidros planos surgem de um descuido no ateliê. Em determinado momento, reparo em uma placa de vidro encostada em qualquer parede do ateliê e percebo duas características próprias do material: transparência, que se deixa ver através, e reflexão de luz, que espelha objetos e mesmo luz ao redor. E também rigor formal e fragilidade, assuntos que atravessam meus trabalhos.
São operações que utilizam várias placas de vidro suspensas. Suspenso também é o instante dado pelo trabalho. Opor forças é um assunto que costumo abordar. Para contrapor o rigor formal, assepsia e impessoalidade visual das placas de vidro, faço uso de diferentes elementos: pedaços de coisas, volumes de papel transparente ou nacos de madeira pintados com cores altas e luminosas, coisas, enfim, que estabelecem conflito. Tudo ordenado entre as placas de vidro, criando paisagens congeladas e reforçando a percepção de volumes.
Ok, ok let’s talk

Foto: Filipe B. © José Bechara.

Ok, ok, let’s talk. Foto: Filipe B. © José Bechara.
Ok, ok, let’s talk é um trabalho em grande escala que utiliza peças do mobiliário doméstico para produzir uma experiência plástica com marcado rigor formal. Concebido originalmente para o projeto Octógono, da Pinacoteca do Estado, Ok, ok, let’s talk foi, em seguida, exibido em museus na Alemanha, Espanha e Brasil.
Nesse trabalho, um número variável de mesas de jantar (de 50 a 100, dependendo do espaço expositivo) em madeira é disposto em uma ordem formal rigorosa de modo a construir um grande campo geométrico. Algumas dessas mesas são inclinadas, produzindo deslocamentos inesperados na “paisagem estável”. Em um diálogo transversal, duas cadeiras surgem de frente uma para a outra, distantes e espremidas entre as mesas, asfixiadas pela falta de espaço. A obra sugere, do ponto de vista simbólico, uma experiência sobre diálogos familiares difíceis, quase impossíveis, e chama atenção para certo mal-estar a partir de um jogo cotidiano de intenções imprecisas, nascidas de uma paisagem doméstica opressiva, mas, ao mesmo tempo, afetiva e delicada.
JOSÉ BECHARA: LAMPEJAR •
INSTITUTO ARTIUM • SÃO PAULO •
24/3/2023 A 19/5/2024