
Sem título, 2023. Foto: Filipe B. © José Bechara.

1º Salão Latino-americano y Caribeño de Artes/ Salão de Mulheres (depois de Willem van Haetch), 2022 Foto: © Marcela Cantuária.
Em 1° Salão Latino-americano y Caribeño de Artes / Salão das Mulheres (depois de Willem van Haetch), estabeleci um posicionamento crítico às representações geradas pelas referências espaciais e de orientação entre o eixo Norte-Sul e às tensões oriundas dessa relação. Tal representação transcende as leituras de mundo e os pontos de vista perpetuados pela história da arte, da geopolítica e da literatura. Dando visibilidade à produção de conhecimento do Sul global e, dessa maneira, contrariando a lógica eurocêntrica em que outrora o norte patriarcal era apresentado como referência universal, apresento um novo vocábulo que problematiza e contrapõe a historiografia das exposições, enfatizando o protagonismo de mulheres artistas latino-americanas.

A grande benéfica, 2021. Foto: © Marcela Cantuária.
O biombo A grande benéfica parte de um interesse meu de trazer imagens do universo afetivo mágico feminino. A escolha do biombo vem do desejo de conduzir minha pintura para o espaço, tornando-a tridimensional e a aproximando ainda mais dos públicos. A proposta consiste em um autorretrato meu e na representação da minha namorada, Verenna, na qual reinterpretamos o Arcano de II de Copas, partindo do Tarô de Rider Waite-Smith. Trata-se de uma composição que faz também uma menção direta à Carta dos Enamorados, centralizando o amor entre duas mulheres. Para mim, faz sentido pintar sobre o amor, sobretudo o amor entre mulheres, para que nos reconheçamos pelos nossos afetos, e não pelas nossas dores. Parte do meu escopo de pesquisa é utilizar a arte para celebrar a afetividade entre mulheres, partindo de uma perspectiva pessoal e política, e eu acho muito interessante disputar esse espaço de representação tendo o amor como possibilidade.

Ângela Gomes, a rainha do Rosário,
2023. Foto: © Marcela Cantuária.
Em Ângela Gomes, a rainha do Rosário, retrato a africana Ângela Maria Gomes: capturada na região dos reinos de Uidá e Grande Popo (atual República do Benin) e trazida para a região de Minas Gerais como escravizada, Ângela se tornou senhora de sua casa e conquistou sua alforria. Reconhecida como uma mulher liberta e uma das mais proeminentes participantes da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, ela manteve o vínculo com a matriz religiosa de sua terra natal sendo sacerdotisa do culto vodum, gerando a insatisfação da classe senhorial, sobretudo de homens brancos. As denúncias à Inquisição que a consideravam “mestra das feiticeiras” foram arquivadas em Lisboa, enquanto ela continuava a sofrer a perseguição local, inclusive de alguns membros de sua própria confraria. Não obstante, Ângela resistiu enquanto liderança religiosa, celebrando as divindades voduns ao lado de outras mulheres, além de ter sido coroada rainha do Rosário dos Pretos de Itabira do Campo, mais uma vez, no final de sua vida.

Asarpay, a última sacerdotisa inca, 2023. Foto: © Marcela Cantuária.
Na obra Asarpay, a última sacerdotisa inca, apresento a narrativa da nobre inca que liderava o culto ao oráculo Apurimac, um dos principais rios andinos que fluíam do departamento de Cuzco, na bacia amazônica. Asarpay serviu como sacerdotisa dessa divindade até o fim de sua vida e me interessou justamente por sua postura combativa: negando-se a testemunhar a subjugação imposta e a profanação de seu santuário durante o violento processo de colonização espanhola, ela tomou posse de sua aniquilação, lançando-se no abismo de Apurimac.
Título: As amantes

As amantes, 2023. © Marcela Cantuária.
Em As amantes, apresento uma releitura do VI arcano do Tarô sob uma óptica feminista e mágica. Originalmente inspirada na Carta dos Enamorados, a pintura das amantes congela o relâmpago do sentimento de estar apaixonado. A força do amor é polarizada em dois momentos complementares: de um lado, uma tempestade vulcânica e, do outro, o leito marinho esculpido pela explosão. Conectando as duas telas, uma Quimera pontua a presença de novas mitologias: ao centralizarmos o amor entre duas mulheres, forma-se uma força misteriosa capaz de fazer um corpo voar no meio de uma explosão ou mergulhar profundamente entre corais. A representação das crianças, por sua vez, foi um caminho que encontrei para evidenciar e festejar a pureza dos sentimentos.
Leia matéria com a artista em nossa edição nº 100, aqui.
MARCELA CANTUÁRIA – TRANSMUTAÇÃO: ALQUIMIA E
RESISTÊNCIA • PAÇO IMPERIAL • RIO DE JANEIRO •
17/4/2024 A 7/7/2024