Jinwar ou Terra de mulheres. Foto: © Marcela Cantuária.

DASARTES 143 /

MARCELA CANTUÁRIA

AS PINTURAS DE MARCELA CANTUÁRIA TRAZEM QUESTÕES COMO O PROTAGONISMO POLÍTICO FEMININO, A LUTA DE CLASSES E A DIVISÃO DE PODERES. ELAS TAMBÉM EVIDENCIAM A DIVERSIDADE DE TÉCNICAS UTILIZADAS PELA ARTISTA AO LONGO DOS ANOS, CAMINHANDO DA TELA PARA O ESPAÇO POR MEIO DA UTILIZAÇÃO DE MÍDIAS COMO TECIDO, MADEIRA E CERÂMICA. A ARTISTA NOS REVELA A INSPIRAÇÃO PARA SUAS OBRAS MAIS RECENTES E INÉDITAS EM EXPOSIÇÃO NO PAÇO IMPERIAL, NO RIO DE JANEIRO

Sem título, 2023. Foto: Filipe B. © José Bechara.

 

1º Salão Latino-americano y Caribeño de Artes/ Salão de Mulheres (depois de Willem van Haetch), 2022 Foto: © Marcela Cantuária.

Em 1° Salão Latino-americano y Caribeño de Artes / Salão das Mulheres (depois de Willem van Haetch), estabeleci um posicionamento crítico às representações geradas pelas referências espaciais e de orientação entre o eixo Norte-Sul e às tensões oriundas dessa relação. Tal representação transcende as leituras de mundo e os pontos de vista perpetuados pela história da arte, da geopolítica e da literatura. Dando visibilidade à produção de conhecimento do Sul global e, dessa maneira, contrariando a lógica eurocêntrica em que outrora o norte patriarcal era apresentado como referência universal, apresento um novo vocábulo que problematiza e contrapõe a historiografia das exposições, enfatizando o protagonismo de mulheres artistas latino-americanas.

A grande benéfica, 2021. Foto: © Marcela Cantuária.

O biombo A grande benéfica parte de um interesse meu de trazer imagens do universo afetivo mágico feminino. A escolha do biombo vem do desejo de conduzir minha pintura para o espaço, tornando-a tridimensional e a aproximando ainda mais dos públicos. A proposta consiste em um autorretrato meu e na representação da minha namorada, Verenna, na qual reinterpretamos o Arcano de II de Copas, partindo do Tarô de Rider Waite-Smith. Trata-se de uma composição que faz também uma menção direta à Carta dos Enamorados, centralizando o amor entre duas mulheres. Para mim, faz sentido pintar sobre o amor, sobretudo o amor entre mulheres, para que nos reconheçamos pelos nossos afetos, e não pelas nossas dores. Parte do meu escopo de pesquisa é utilizar a arte para celebrar a afetividade entre mulheres, partindo de uma perspectiva pessoal e política, e eu acho muito interessante disputar esse espaço de representação tendo o amor como possibilidade.

Ângela Gomes, a rainha do Rosário,
2023. Foto: © Marcela Cantuária.

Em Ângela Gomes, a rainha do Rosário, retrato a africana Ângela Maria Gomes: capturada na região dos reinos de Uidá e Grande Popo (atual República do Benin) e trazida para a região de Minas Gerais como escravizada, Ângela se tornou senhora de sua casa e conquistou sua alforria. Reconhecida como uma mulher liberta e uma das mais proeminentes participantes da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, ela manteve o vínculo com a matriz religiosa de sua terra natal sendo sacerdotisa do culto vodum, gerando a insatisfação da classe senhorial, sobretudo de homens brancos. As denúncias à Inquisição que a consideravam “mestra das feiticeiras” foram arquivadas em Lisboa, enquanto ela continuava a sofrer a perseguição local, inclusive de alguns membros de sua própria confraria. Não obstante, Ângela resistiu enquanto liderança religiosa, celebrando as divindades voduns ao lado de outras mulheres, além de ter sido coroada rainha do Rosário dos Pretos de Itabira do Campo, mais uma vez, no final de sua vida.

Asarpay, a última sacerdotisa inca, 2023. Foto: © Marcela Cantuária.

Na obra Asarpay, a última sacerdotisa inca, apresento a narrativa da nobre inca que liderava o culto ao oráculo Apurimac, um dos principais rios andinos que fluíam do departamento de Cuzco, na bacia amazônica. Asarpay serviu como sacerdotisa dessa divindade até o fim de sua vida e me interessou justamente por sua postura combativa: negando-se a testemunhar a subjugação imposta e a profanação de seu santuário durante o violento processo de colonização espanhola, ela tomou posse de sua aniquilação, lançando-se no abismo de Apurimac.

 

Título: As amantes

As amantes, 2023. © Marcela Cantuária.

Em As amantes, apresento uma releitura do VI arcano do Tarô sob uma óptica feminista e mágica. Originalmente inspirada na Carta dos Enamorados, a pintura das amantes congela o relâmpago do sentimento de estar apaixonado. A força do amor é polarizada em dois momentos complementares: de um lado, uma tempestade vulcânica e, do outro, o leito marinho esculpido pela explosão. Conectando as duas telas, uma Quimera pontua a presença de novas mitologias: ao centralizarmos o amor entre duas mulheres, forma-se uma força misteriosa capaz de fazer um corpo voar no meio de uma explosão ou mergulhar profundamente entre corais. A representação das crianças, por sua vez, foi um caminho que encontrei para evidenciar e festejar a pureza dos sentimentos.

Leia matéria com a artista em nossa edição nº 100, aqui.

MARCELA CANTUÁRIA – TRANSMUTAÇÃO: ALQUIMIA E
RESISTÊNCIA • PAÇO IMPERIAL • RIO DE JANEIRO •
17/4/2024 A 7/7/2024

Compartilhar:

Confira outras matérias

Reflexo

Carmela Gross

Quando eu fiz a primeira ESCADA (a de 1968), aquilo era quase um jogo. A escada estava lá. Eu só …

Do mundo

PINO PASCALI

Nascido em Bari – no extremo Sul da Itália, em 1935, Pino Pascali se mudou para Roma – onde frequentou …

Flashback

MARÍA BLANCHARD

María Blanchard nasceu no dia 8 de março em Santander, em uma família da nova burguesia da cidade. Filha de …

Alto relevo

GERVANE DE PAULA

Gervane de Paula, que só agora recebeu uma individual em uma prestigiada instituição paulista, a Pinacoteca de São Paulo, debutou …

Do mundo

ANTONI TÀPIES

Há 100 anos nascia Antoni Tàpies, lendário artista catalão que impulsionou a vanguarda europeia do século 20 graças à sua …

Flashback

MARY CASSATT

A história da arte é sempre viva. Ela muda de tempos em tempos. Artistas, temas e técnicas voltam ao debate, …

Capa

Bienal de Veneza

Quando o tema da Bienal de Veneza foi anunciado, confesso que fiquei desanimada: Estrangeiros em qualquer lugar (somos todos estrangeiros). …

Alto relevo

Francis Bacon

Poucos pintores do século 20 se opuseram de forma tão marcada às interpretações de suas telas e, no entanto, tiveram …

Entrevista

Carlos Cruz-Diez

Esculturas e pinturas que mudam de acordo com os movimentos do espectador são a marca registrada de Cruz-Diez, artista venezuelano …

Matéria de capa

KATHARINA GROSSE

COR, RUÍNA E UTOPIA
O Staatliche Museen zu Berlin, gigantesca instituição cultural alemã, traria entre abril e outubro de 2020 a …

Destaque

CECILIA VICUÑA

Cecilia Vicuña, que nasceu em Santiago, Chile, em 1948, vive e trabalha em Nova York há quarenta anos. Recebeu em …

Do mundo

ROBERT INDIANA

“Minha arte é como um mergulho de alta disciplina – um voo alto, simultâneo e policromático, uma exaltação do verbal-visual… …

Reflexo

JOSÉ BECHARA

O artista constrói espaços geométricos que oscilam entre o rigor formal e ocorrências randômicas. Aprofundando-se na sua técnica de oxidação, …

Destaque

YOKO ONO

1933-1945

Yoko Ono nasceu em 18 de fevereiro de 1933, em Tóquio. Passou a maior parte de sua infância no Japão, …

Capa

MARK ROTHKO

“Uma imagem vive de companheirismo, expandindo e acelerando diante dos olhos do sensível observador. Morre pelo mesmo motivo. Portanto, é …