INVASÃO COLONIAL MEU CORPO NOSSO TERRITÓRIO
A obra foi produzida por meio de diversas imersões em uma aldeia da etnia Guarani Mbya, que sofre constantemente ataques de homens armados. Foram fotografados indígenas da aldeia e colocados digitalmente coletes à prova de balas com o nome de sua etnia. A aldeia resiste há dois anos sem água e luz à beira do rio Guaíba, isolada por uma cerca e seguranças fortemente armados. São ameaçados e intimidados diariamente com tiros, gritos e deboches. Divido aqui o relato do Cacique Karai Mirim: “por volta das 20 h, escutamos um forte barulho na mata. Ouvimos gritos em volta das barracas e saímos em grupos. De frente para nós, cinco homens empunhavam armas de fogo. Nos mandavam sair ou morreríamos. Então Timóteo falou: ‘Apontar a arma para mim é fácil, qualquer um pode fazer isso. Mas você não pode apontar sua arma para aquilo que acredito. Nem você nem ninguém. Queria ver você apontar uma arma para o vento, o sol, a chuva, as estrelas. Isso você nunca vai conseguir’”.
LIMPEZA ESPIRITUAL COLONIAL
“Subir para a morada celestial rasgando a alma sem nenhuma gota de sangue”. São roupas recolhidas de crianças indígenas junto a seus nomes espirituais de crianças, pois são a fonte da felicidade. É sobre essa relação, essas fronteiras que o homem branco tenta criar. Essa cerca tenta separar classes, o lado étnico, a verdade. Essa cerca tenta contar outra história, pois existem diversas histórias, mas o homem branco sempre escolheu a história que queria contar. Hoje as comunidades estão reduzidas, perto de lavouras do agronegócio, respirando veneno e lutando e resistindo contra a entrada feroz dos costumes ocidentais dentro da comunidade. A cerca que rodeia as aldeias ameaça, assusta, amedronta. Essa cerca serve para impedir que a comunidade acesse uma terra que foi dela. Esse tipo de separação tenta fazer essa limpeza que o homem ocidental acredita, é sua maneira de apagar a história, reduzir, humilhar até fazer desaparecer. Então essa provocação das camisetas de crianças nas cercas com seus nomes celestiais confronta essa limpeza colonial com o lado espiritual.
CASA DE REZA OPY
São pinturas e costura sobre lonas usadas em barracas de acampamentos indígenas de beira de estrada. A importância dessas lonas é explicitada em um relato do cacique: “A vida aqui é muito difícil. Estamos à margem e encurralados entre a cerca e a estrada. Eu sou cacique aqui, meu nome é Karai Mirim. Sou cacique de uma aldeia que ainda não tem nome. A primeira coisa quando chegamos aqui e quando se chega a um acampamento é a construção de casas. A matéria-prima é a lona. A lona preta. A lona dos acampamentos à beira de estrada. É ela que abriga nossos sonhos e sustenta nossa lealdade. E mostra a nossa resistência e nossa esperança de que há de haver um bom lugar para morar.”
ÁREA INDÍGENA
Esta obra fala muito dessa pendulação que acontece aqui em Porto Alegre, sobre as aldeias que se encontram nas periferias da cidade e precisam viajar até o centro para vender seu artesanato, sua única forma de sustento. Nesse contexto de idas e vindas, a comunidade começou a ser atacada e tentaram retirá-la das calçadas. Começou a ficar tão forte essa coisa das expulsões que a comunidade estava com muito medo desse enfrentamento. Apesar de o centro de Porto Alegre ser uma antiga aldeia indígena, seria um pouco utópico falar que Porto Alegre é terra indígena. Na criação da obra, até cogitei essa coisa da terra, mas o que mais se relacionava com os fatos era a palavra “área”. Então eu demarquei o centro colando esses cartazes. Saiu nos jornais e na televisão o questionamento do que queria dizer aqueles cartazes. Alguns lojistas pensaram que era uma lei municipal, outros acreditaram que haveria uma invasão indígena. O mais importante é que, em suas idas ao centro, a comunidade se colocava embaixo dos cartazes, ocupava o espaço demarcado e a obra ficava completa. Eu fui investigado pela Polícia Federal e detido. O que estava em questão no julgamento não era colar os cartazes, mas o modo de pensar, proclamar a área indígena. Depois o caso foi arquivado.
NHERU NHE’RY: EXISTE UMA CIDADE SOBRE NÓS
As cidades são cemitérios indígenas. Foram locais de grande alegria para o povo indígena no passado, mas hoje são reflexos de tristeza e agonia, de invisibilidade e marginalidade. Por mais que se construam cidades em cima de aldeias, o verdadeiro espírito do espaço estará sempre lá, mas em contato com outra dimensão. Esta obra é o espírito absoluto do espaço. É a releitura das cabeças que sustentam a principal catedral de Porto Alegre. Essas cabeças foram símbolos usados pela Igreja para mostrar seu triunfo sobre a cultura indígena. Hoje, nas cidades, podemos dizer que pisamos sobre cabeças, presos ao passado com sentimentos melancólicos. A obra desenterra essas cabeças e invoca esses espíritos para que se tornem presentes e ressignifiquem os espaços. A cabeça dourada é um tesouro perdido ou esquecido que foi encontrado. Os olhos amarelos mostram que o espírito permanece vivo. O pedaço de concreto está grafado com a frase “existe uma cidade sobre nós”, e o vermelho mostra que o sangue circula dentro de cada um de nós até hoje.
XADALU TUPà JEKUPÉ: TEKOA XY “A TERRA DE TUPÔ •
INSTITUTO INCLUSARTIZ • RIO DE JANEIRO •
9/12/2021 A 27/2/2022
COLEÇÃO SARTORI: A ARTE CONTEMPORÂNEA HABITA
ANTÔNIO PRADO • MARGS – MUSEU DE ARTE DO RIO
GRANDE DO SUL • PORTO ALEGRE •
22/1 A 1/5/2022