Andy Warhol | AlUla

acrylic and silkscreen ink on linen

POR MATTEO BERGAMINI

ANDY WARHOL EM ALULA: VELHOS ÍDOLOS E NOVAS GERAÇÕES
SE ENCONTRAM NO DESERTO

É que Narciso acha feio o que não é espelho

Caetano Veloso

AlUla, a localidade patrimônio mundial da humanidade inserida no meio do deserto árabe a mais de mil quilômetros da capital saudita, Riad, tornou-se -nos últimos quatro anos, destino desejadíssimo quer para os amantes da arte contemporânea quer para os investidores em capitais culturais.

De fato chegaram aqui de inúmeros países no mundo acreditadas empresas privadas a desenvolver, junto aos entes públicos sauditas, a miragem chamada de “novo destino da arte global” – conforme as palavras de Nora Albadal, Arts and Creative Planning Director da Royal Commission for AlUla (RCU).

Para quem ainda não conhecesse a rápida subida desse território surreal, vale a pena relembrar alguns acontecimentos: em 2019 abriram as portas do Maraya, icônico teatro-cubo-espelho (por causa das suas fachadas refletoras) e logo vieram as edições árabes da Bienal Desert X (2020 e 2022). A pandemia quase não afetou os negócios e as relações do país com os Estados Unidos, a França e as outras nações do Oriente Médio; AlUla, hoje, alcança os primeiros resultados de uma politica de expansão cultural sustentável – a medida do possível.

O cenário magnifico do vale de Wadi AlFann se transformará, a exemplo, no mais vasto parque de arte ambiental do mundo, enquanto o Centre Pompidou foi indicado pelas mídias como o próximo museu a abrir uma sede nessa latitude, aprontando desse jeito também o fechamento do edifício parisiense cujas galerias estarão em remodelação ao longo dos próximos três anos.

Desert_X, 2022

Voltando ao presente, inaugurou-se oficialmente com a mostra Fame a colaboração entre ArtsAlUla (entidade pertencente ao RCU) e o Andy Warhol Museum em Pittsburgh (EUA).

Curada por Patrick Moore, diretor da instituição, Fame é uma pequena exposição perfeitamente encaixada nos temas fundamentais que a jovem Arábia – a população saudita têm uma idade meia abaixo dos 35 anos- está a enfrentar.

“A mostra é de entender-se como uma introdução às novas gerações de cada lugar do mundo, incluindo as árabes, aos aspectos da arte de Warhol mais fascinante para eles”  – relata o curador, acrescentando: “cada dia os mais novos pesquisam ídolos e referencias, tais como Warhol, ainda criança, observava o cinema e a publicidade como meios para fugir da realidade da província americana”.

Fala-se, evidentemente, de investigar uma nova identidade: qual melhor ocasião para os mais novos desta vasta área geográfica, profundamente conscientes do próprio futuro como do aventuroso passado, começar a refletir sobre as imagens globais da atualidade ajudados pelos mitos desenhados por Warhol, e mitificados exatamente graças ao trabalho dele?

Eis que a história do ocidente chega a Maraya, partindo próprio por um espelho colocado a entrada da mostra: o instrumento do amor de Narciso por si mesmo é a ferramenta para explorar os dobramentos da personalidade -a nossa como a das celebridades, relembrando também o celebre assunto do poeta Rimbaud, “Eu é um outro”.

Treze Screen Tests – as curta-metragem-retratos diretos de Warhol nos anos entre 1964 e 1966, registrando os vultos dos cantores Lou Reed e Nico, do ator e colecionador Dennis Hopper, dos modelos Joe Dallessandro e Edie Sedgwick entre centenas de outros, são a antecipação para entrar no coração de Fame, na sala central.

Encontram-se, aqui, uns retratos vindo diretamente de Pittsburgh que nunca foram expostos na área do Oriente Médio: falta o rosto de Marilyn Monroe, porém encaramos o olhar do lutador Mohammad Ali, das cantoras Dolly Parton e Debby Harry, da Princesa Carolina de Monaco fotografada quase de costas, em 1983, Marlon Brando, Lyz Taylor, Jacqueline Kennedy Onassis, além de umas imagens tiradas na Factory, a mostrar a compulsão do artista em guardar cortes de jornais, objetos, fotografias, manifestos: efêmera maneira agarrada à vontade de conservar eternamente o próprio tempo.

Era, alias nunca parou de sê-la, a filosofia do Living Forever, “Viver para sempre”, frente a todas as gerações: trata-se daquele sentimento de onipotência e liberdade até o excesso que nos acompanha enquanto rapazes, exasperado por Warhol e os seus protagonizados, enfeitados com cores brilhantes e monótonos a antecipar os anos oitenta do hedonismo radical, como a se tornar – ao mesmo tempo, máscaras fúnebres.Aos acostumados com a cultura do oeste essa pesquisa poderá aparecer como um fato bem comum, quase ordinária, todavia não é por acaso que somente agora – devido as mudanças de passos a envolver essa parte do mundo, houve a possibilidade de realizar esse projeto.

Fame termina com a instalação Silver Clouds (1963), apresentada pela primeira vez na galeria de Leo Castelli em Nova York, parte integrante da mostra Exploding Plastic Inevitable (1966).

Dançam, neste ambiente, dezenas de travesseiros metalizados e inflados com hélio, continuamente movidos pelo público que interage com a ideia da festa, do brilho dos clubes (a referencia é claro, é ao famoso Club 54), experimentando uma ideia de arte imersiva e tátil.

“Acredito em luzes baixas e em espelhos mágicos”, dizia Andy, e essa ocasião permite a outra metade do mundo de descobrir tanto o trabalho mais emblemático do ídolo da Arte Pop, quanto os ídolos de outrora, criando uma conexão com o presente das redes sociais e com os seus infinitos reflexos, perigosos quando desfrutados sem saber quem está além do vidro ou sem manter a distancia de segurança entre o eu e o vazio.

VEJA ABAIXO GALERIA DE IMAGENS

 

Matteo Bergamini é jornalista e crítico de arte. É
diretor da revista italiana Exibart, e também
colabora com a portuguesa Umbigo Magazine.

 

Andy Warhol: Fame
Maraya, AlUla (Arábia Saudita)
Até o dia 16 de maio 2023

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