Uma aurora “à fresco”: Thiago Rocha Pitta na Danielian Galeria
por Matteo Bergamini
O novo espaço térreo da Danielian Galeria, no Rio de Janeiro, hospeda até o próximo 14 de fevereiro a fascinante mostra “A aurora de um dia seguinte”, do artista Thiago Rocha Pitta
“A aurora de um dia seguinte” pertence ao universo da poesia e da inquietação. E não, não é somente o título dessa exposição de Thiago Rocha Pitta na Galeria Danielian, no Rio de Janeiro, a marcar a beleza de paisagens que rememoram os devaneios do amanhecer, quanto um conjunto de pinturas – na maioria inéditas – que vão além da tela a transformar-se em sonhos, em visões, em espantos.
É o Rio o sujeito maravilhoso a surgir de vários quadros, sob nuvens roxas e céus pingados de ouro, avistado em noites que se dissolvem em amanheceres irreais.
Vão-se as imagens da cidade das praias e do sol, da malandragem e da floresta; entra no imaginário um “império das luzes” relembrando, sim, uma ideia surreal – onde a foco que atravessa essas superfícies pictóricas para permitir a observação da cidade lá embaixo é mínimo: uma fotografia tirada de uma janela de avião subindo no ar, cruzando a turvação.
Tudo o que vem depois são impressões e essa é, também, mais uma ideia que carregam consigo as pinturas de Thiago Rocha Pitta, combinando a maravilha da antiga técnica “a fresco” com a química, aproximando o contemporâneo da aparente falha tecnológica (o glitch) com o encanto.
Isto acontece, de forma proeminente, na obra L’alba di un giorno dopo, complexo de vinte e quatro imagens realizadas com a ajuda do ambiente, onde a cor do pigmento utilizado no afresco altera-se pela sua exposição ao ar livre: o resultado interliga abstractamente o azul e o amarelo, a água e a areia, a praia e o mar, transformando-se metaforicamente no arranjo da identidade carioca. Aliás, esse é o somente um dos ponto de contemplação pelos quais podemos mirar essa exposição cuja riqueza e requinte técnico não reprime a leveza desses “panoramas” alheios.
Escreve o curador Paulo Azeco: “Rocha Pitta abordou recorrentemente temáticas ligadas à ecologia, oscilando entre um bucolismo onírico e a iminência apocalíptica”. De fato, quem sabe a estrela cadente que aparece em uma das visões da aurora não seja, na realidade, um asteroide pronto a acabar com o mundo conhecido?
Mais do que isso: os morros a despontar entre a névoa e as nuvens desvendam todos os estereótipos que se reservam à paisagem de Copacabana, alcançando com o “affresco” a imagem bem real de uma cidade até cinzenta onde, novamente, o foco da vida da metrópole está para além da nébula, silencioso e longe.
Se “O grande sertão: veredas” de Guimarães Rosa é o livro-guia que o curador escolheu para investigar “A aurora de um dia seguinte” a respeito da “constante fluidez que nos envolve a cada instante”, entrelaçando as pinturas de Thiago com as palavras faladas pelo protagonista Riobaldo, podemos também indagar esse texto sacro da literatura lusófona contemporânea pela sua imensa capacidade de criar o cenário perfeito da travessia, palavra-chave que permeia o volume todo: as abordagens de uma pintura suspensa no ar doam a produção de Thiago Rocha Pitta o fascínio de uma viagem além do pressentido, ecoam o sentimento de estranheza que reserva-se ao mundo de amanhã.
Será que a pintura de Thiago dispõe-se a conclusão da jornada, momento no qual – conforme as palavras de Rosa – começa-se a compreensão do que se passou?
Eis o surgimento das reflexões que as “pinturas atmosféricas” de Thiago Rocha Pitta querem levantar: qual é o nosso papel nos riscos ambientais da época moderna, aliás, qual é o efeito das nossas ações – e daquelas que já cometemos – no quadro da mudança da natureza? A resposta é complexa, especialmente observando as maravilhas e as inquietações vindas por um deslumbrante céu roxo: a travessia corre em todos os lugares.
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Matteo Bergamini é jornalista, crítico e escritor especializado em Arte Contemporânea. Colabora com a revista italiana ArtsLife e com a portuguesa Umbigo Magazine