Passados cem anos da Semana de arte moderna, exposição mescla artistas, coletivos e agentes da cultura que não só se manifestam por meio de múltiplas linguagens, mas, sobretudo, apresentam obras e projetos realizados ou concluídos, em sua maioria, em 2022 – ou seja, no agora.
O Itaú Cultural encerra o seu calendário de grandes exposições de 2022 com mostra que reflete sobre os últimos cem anos de produção artística brasileira. Ela apresenta artistas em atuação atualmente no Brasil e amplia espaços para identidades preteridas no projeto artístico da Semana de 1922, reforçando a percepção do presente. As obras exibidas datam, em sua maioria, de 2022 e questionam noções de tempo, história, tradição e nação, no atual contexto brasileiro.
Três curadoras assinam a exposição Um século de agora, que o Itaú Cultural abre no dia 17 de novembro e mantém em cartaz até 2 de abril de 2023. A sergipana Júlia Rebouças, a baiana Luciara Ribeiro e a matogrossense Naine Terena de Jesus foram chamadas pela instituição para curar esta mostra, que se insere nas discussões de 2022 sobre a Semana de Arte Moderna. Para puxar este legado em uma releitura que desemboca na prática artística na atualidade no país, elas pesquisaram o que está sendo produzido em algumas regiões do território nacional, a partir de uma multiplicidade de idades, geografias e vivências sociais e políticas.
Como parte da estratégia de investigação, convidaram um grupo de interlocutores para discutir os conceitos da mostra e compartilhar referências artísticas: Fernando Velázquez, Juma Pariri, Larissa Lacerda, Nuttyelly Cena, Orlando Maneschy, Ué Prazeres e Uelinton Santana Santos.
Idealizada e realizada pelo Núcleo de Artes Visuais do Itaú Cultural, com expografia da arquiteta Isa Gebara, Um século de agora procura abrir terreno para ideias que atravessam a experiência de viver o ano de 22 do século XXI. Nos três andares do espaço expositivo da instituição, a mostra apresenta mais de 70 obras em variados suportes, assinadas por 25 artistas e coletivos de 11 estados brasileiros, cuja produção artística converge na construção de “agoras” e compõe o mosaico da cultura brasileira.
ARTISTAS
OS ARTISTAS PERMEIAM TEMPOS E ESPAÇOS COMPONDO UM MOSAICO CULTURAL BRASILEIRO
Em comum, eles têm as mais diversas formas de arte como instrumento para codificar e revelar os universos que os originaram, cercam e movem, criando uma identidade cultural brasileira formada pelos diversos brasis que compõem o país.
OBRAS
ENTRE INSTALAÇÕES, VÍDEOS, PINTURAS, FOTOGRAFIAS, UM DIÁLOGO COM PASSADO, PRESENTE E FUTURO
Denilson Baniwa
Obras: Pietá Piatã e a série Ficções Coloniais
Artista, curador e ativista, na obra Pietá Piatã (2021), traça um paralelo entre Piatã – figura presente na mitologia da sociedade macuxi de Roraima – e Pietá, obra clássica da história da arte ocidental que representa Maria segurando seu filho, Jesus, morto em seu colo. Sem aludir apenas ao luto, Piatã expõe a complexidade de estar vivo em uma sociedade em que indivíduos indígenas, afetados pelas imposições coloniais brancas, precisam aprender a conviver com as dores e a ser resilientes para a manutenção de suas identidades. A série Ficções Coloniais, de sua autoria, também é apresentada neste espaço.
Coletivo Mato Grosso
Obra: Agora quando!?
Formado por Ruth Albernaz, Téo de Miranda e Paty Wolff, apresenta a obra-manifesto Agora quando!? (2022), que pretende refletir sobre o modelo de ocupação e de desenvolvimento em monoculturas para a produção de commodities no estado de Mato Grosso, assim como sobre seus efeitos nos modos de vida e na cultura originária dessa sociedade. O objetivo do grupo é, em suas próprias palavras, “rememorar as práticas tradicionais que estão ligadas aos alimentos como elemento biológico indispensável à sobrevivência humana e também simbólico no contexto da cultura do país”.
Glicéria Tupinambá
Obra: Assojaba tupinambá
Também conhecida como Célia Tupinambá, é artista e ativista, e apresenta o manto Assojaba tupinambá (2021). A obra é feita de cordões com cera de abelha jataí e plumagem de aves diversas resgatadas na Serra do Padeiro, na Bahia. Para modelar a malha em que são presas as penas, a técnica escolhida foi o jereré, ainda hoje empregado na produção de redes de pesca. Mais do que uma releitura da peça/indumentária tradicional dos Tupinambá, a instalação demonstra o processo de seu feitio além do capuz, da malha e das camadas de penas que o compõem, representando também a identidade, a transformação e a resistência dessa sociedade.
Carmézia Emiliano
Obras:
A Lenda do Caracaranã
Damurida
25 anos fazendo arte
Minha gente
Artista visual Macuxi, retrata em suas obras suas memórias e cenas do cotidiano de seu povo, como em A Lenda do Caracaranã (2016), inspirada na vivência da artista e nas histórias do Lago Caracaranã contadas por seu avô. Em Damurida (2020), ganha destaque a coletividade no preparo e no consumo do prato de mesmo nome na maloca, com a diversidade e a intensidade de cores que caracterizam suas obras. Carmézia conta que, durante o inverno na Maloca do Japó, as árvores ficam repletas de lagartas, e sua transformação a motivou a criar uma árvore de borboletas em Minha gente (2018). Já a obra 25 anos fazendo arte (2017) forma um conjunto de 24 cenas da história da artista, da caça, da pesca, da preparação da damurida e do Lago Caracaranã, entre outras. Ao centro, a lenda da árvore Wazaká.