Alice Vinagre | Galeria Janete Costa

Vivendo no Recife há cerca de 20 anos, a paraibana Alice Vinagre abre, no próximo dia 9 de outubro, das 15h às 19h, a exposição Trilhas (ou Cisco no olho, tampão no ouvido), na galeria Janete Costa, no Parque Dona Lindu. A mostra, que tem o incentivo do Funcultura e curadoria de Adolfo Montejo Navas, constrói uma narrativa visual que passa por produções suas de vários períodos e que trazem poéticas que subvertem o estatuto da própria arte e avançam para além das fronteiras fixas e estabelecidas.

A exposição trará a possibilidade de uma aproximação diferente com as obras da artista, reunindo algumas já exibidas na cidade, mas que agora são construídas espacialmente de um modo diferente; outras antigas, mas inéditas por aqui; além de trabalhos pensados diretamente para serem exibidos no espaço da galeria. Serão 55 obras que vão permitir ao públicos mergulhar em uma rica e profunda reflexão sobre os temas propostos e discutidos por Alice.

Anotações sobre o Céu, por exemplo, é um trabalho inédito no Recife, produzido em 2005. Trata-se de um grupo de 39 pinturas em formato redondo, feitas em papel vegetal, tinta acrílica e caneta prateada, formados a partir do uso de bastidores. Nesses círculos, a artista nos traz o azul e suas nuances (algo muito presente em seu trabalho) com suas observações e impressões sobre o céu. Essa constelação montada por esses inúmeros círculos levou o curador Adolfo Montejo Navas a compor um poema que será colocado ao lado das obras. “Quando começamos a conversar sobre a mostra achamos que seria interessante pensa-la a parti r da ideia dos quatro elementos (terra, fogo, água e ar), que de algum modo estão sempre evidenciadas em meus trabalhos”, pontua Alice.

Segundo o curador, a exposição não deve ser entendida como uma retrospectiva do trabalho de Alice, pois a ideia que se tem com retrospecto é de algo que está estacionado. “Essa exposição tem muitas coisas novas, muitas redefinições críticas, feitas inclusive pela própria artista. Trabalho antigos ganham uma nova leitura em 2021, são novas variações combinatórias que nos abrem outros caminhos de leitura e aproximação com as obras”, destaca Adolfo.

Nesse processo, a expografia foi pensada não em ordem cronológica, mas tendo como norte os elementos fogo, terra, água e ar. Assim, trabalhos datados do início da carreira de Alice (como as aquarelas dos paraquedistas de 1996/1997) passam a dialogar com outros mais recentes, mostrando que algumas questões sempre permearam sua poética, tais como elementos da mitologia, da simbologia, de uma certa espiritualidade, de um ambiente transcendental.

Um vídeo de 2005, Andando sobre o dragão, já apresentado na Galeria Mariana Moura, mostra a artista caminhando sobre um plástico preto. Essa imagem simbólica do dragão dá uma guia sobre toda a mitologia e simbologia dos trabalhos que fazem parte da mostra. “Alice é uma pintora muito rara, ela corre por fora. Tem uma universalidade, com figuras icônicas e mitológicas. Sua pintura tem traços primitivos, traz um perfume religioso, no sentido de um perfume espiritual”, destaca o curador.

A pintura de Alice Vinagre carrega aspectos da “nova pintura no Brasil”, aquela surgida na década de 1980, a chamada Geração 80, cuja movimentação fez a pintura renascer no país. Esse grupo ousava, entendia a pintura como algo que ia além das telas, se expandia. Buscavam outros materiais, suportes distintos, novos formatos e dimensões. Alice não fez diferente: apesar de também fazer uso de diferentes meios e linguagens em sua produção, tais como desenho, fotografia, instalação e vídeo, foi pela pintura e suas maneiras e formas de expansão que a artista se interessou com maior dedicação. Seus trabalhos transitam entre o figurativo e o abstrato, evocando elementos de memórias pes soais e arquetípicas. Eles trazem a presença da palavra, a força de construção de “mensagens” que subvertem o status quo.

Para o curador, Alice é um dos grandes nomes dessa geração de pintores brasileiros, mas que só não teve uma maior projeção por desenvolver seu trabalho fora do eixo Rio-São Paulo. “Seu trabalho é bastante singular, tem uma potência enorme. Expande a pintura, novos formatos, uma preocupação com a construção, com questões arquitetônicas. Sua pintura compartilha um lado onírico e outro telúrico”, diz Adolfo.

Na mostra, será possível perceber as nuances de seus processos, quando, na década de 1990, por exemplo, aparece uma expressividade mais rude e passam a incluir a palavra e os símbolos gráficos como elementos constitutivos da obra. Surgem as imagens de jovens e pulsantes mulheres misturadas a palavras, ditos e enunciados provocativos e poéticos e, em alguns trabalhos, o uso da colagem marcava o campo de tensão da pintura. A questão do feminino é algo que, de fato, perpassa seu trabalho desde o início, mas como bem coloca ela: “Sempre esteve presente, não como uma bandeira, mas como uma exalação, algo que se vive”.

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