Explorando as múltiplas possibilidades da arte contemporânea, o artista Cristiano Lenhardt tem sua obra marcada pela utilização de diversos suportes, seja desenho, pinturas, performances e até instalações. No sábado 24 de julho, ele abre sua mostra UÔIÔU, na Galeria Amparo 60, em Boa Viagem. Os trabalhos apresentados, cuja curadoria é de Mariana Oliveira, são resultado das recentes investigações do artista, que, desde 2019, mudou-se do Recife para um sítio isolado, chamado Mundo Bicho, em São Lourenço da Mata.
As obras apresentadas são fruto justamente dessa imersão do artista na mata e de suas inquietações sobre nossa relação com a terra, com as plantas, animais. “Antes de morar no sítio em Aldeia, eu já havia feito um curso técnico de agroecologia em Glória do Goitá, na Zona da Mata. Comecei a ficar mais próximo dessas tecnologias, de ter a cultura de plantar o próprio alimento, onde vários tipos de cultura diferente estão no mesmo espaço”, contextualiza Cristiano. “Depois que vim para cá, isso se intensificou. O contato com as plantas nos faz ter acesso a algumas informações, nos faz ter sensações que não são tão claras. É um outro t ipo de conhecimento, que decidi aplicar no meu trabalho”.
“Nas nossas primeiras conversas já imaginamos que as obras deveriam falar e mostrar esse momento que ele está vivendo, esse momento de recolhimento, de tentar ouvir mais a natureza, respeitando, praticando a agroecologia, deixando ela brotar ao seu lado. Se considerando ele parte dela”, conta Mariana Oliveira.
Lenhardt se utiliza de alguns processos que já faziam parte de suas pesquisas, a exemplo das gravuras feitas a partir das dobras de papel. Agora, o artista utiliza tecidos naturais (linho) que são dobrados e pigmentados não mais por tintas, mas por uma compostagem natural. Depois de um tempo imersos nesse composto, os tecidos são retirados e as dobras e a pigmentação deixam suas marcas.
A obra se completa a partir da inserção de placas de alumínio. “Todo lixo que uso, faço uma triagem em plásticos, papéis e metais, que são guardados. Quero transformá-los em alguma coisa, usando essa capacidade artística para dar conta dos meus resíduos sólidos descartáveis, que acabam sendo somados ao material que já tenho aqui: madeiras de árvores, argila e coisas que caem no solo. As próprias plantas e folhas que vão apodrecendo carregam pigmentos coloridos que posso usar. Estou nesse caminho de observar e fazer trabalho artístico com coisas que o entorno me oferece”, explica.
Segundo a curadora, nas placas de alumínio o artista utiliza outro trabalho anterior: as Broto Cartas. “Ele sai de uma palavra escrita e espelhada e, a partir dela, traça desenhos (neste caso pequeno furos que remetem a mapas estelares, algo que dialoga também com trabalhos anteriores) que tornam aquela palavra completamente ilegível, como as mensagens muitas vezes indecifráveis que a natureza apresenta. O próprio nome da mostra, UÔIÔU, é uma Broto Carta”, explica Mariana Oliveira. “São mensagens em que nosso alfabeto, nossa língua, já não é mais legível. Ela não está manifestada no sentido, mas na intenção, como um desenho que se abre como um broto&rdq uo;, complementa Lenhardt.
Será exibida ainda uma série realizada pelo artista com pedaços de troncos de uma árvore derrubada por um temporal em seu sítio. Em cada pedaço da tronco o artista monta uma espécie de totem que através dos desenhos, novamente Broto Cartas, parecem ter algo a falar, a dizer. “Nesses troncos Cristiano mantém o veio central de coloração diferente, uma marca da própria natureza, do próprio tronco, daquela árvore que tombou, algo que ela realizou na sua infinita sabedoria. O artista cria respeitando essa força do natural. Isso diz muito”, conta a curadora.
O conjunto de obras irá ocupar um espaço expositivo montado na primeira sala da galeria, que está realizando uma parceria com a SpotArt. A mostra também será marcada pela produção de quatro serigrafias preparadas a partir do trabalho do artista com as dobraduras em papel. A exposição faz parte do projeto Mirada, idealizado pela galerista Lúcia Costa Santos em parceria com a SpotArt. A iniciativa nasceu durante a pandemia e tem um caráter virtual muito forte, com uma série de ações online, aliado à possibilidade do presencial. Esta será a quinta exposição do projeto, que vai se estender ao longo de 2021.