Uma vestimenta com bordados grossos conhecida como manto, ou “traje da anunciação”, está no meio da primeira sala da Sociedade das Américas na exposição Bispo do Rosario: All Existing Materials on Earth. O manto, que o artista usava, é costurado com intrincados padrões, imagens e nomes de mulheres. Com o manto e outros tecidos vestíveis, fotografias documentais do artista e suas fichas hospitalares, a exposição coloca Arthur Bispo do Rosário (1909–1989) no centro de um mundo no qual o espectador está prestes a entrar.
Esta apresentação individual é a primeira do artista nos Estados Unidos e a terceira exposição de um artista afrodescendente na Americas Society, em Nova York. Arthur Bispo do Rosário nasceu no início dos anos 1900, em Japaratuba, Brasil. Foi aprendiz de marinheiro na Marinha do Brasil, onde chegou a ser sinaleiro, e depois também boxeador e ajudante de família abastada. Em 1938, ele teve uma visão de que era Jesus Cristo. Ele acreditava ter recebido um mandato de Deus para replicar o mundo inteiro em preparação para o Juízo Final. Posteriormente, Bispo foi diagnosticado com esquizofrenia paranóide e internado na Colônia Juliano Moreira, no Rio de Janeiro, uma instituição para doentes mentais onde passou o resto de sua vida. Da instalação, ele criou mais de 1.000 obras de arte, incluindo tecidos bordados e esculturas.
“Três vezes marginalizado como um afrodescendente, pobre, diagnosticado com doença mental, Bispo do Rosário, como muitos outros artistas visionários, sentiu a necessidade de reorganizar o mundo e criar uma linguagem artística própria depois de viver uma epifania que mudou sua vida”, disse o curador Javier Téllez. “A criação obsessiva de trabalhos têxteis e o acúmulo de objetos o levaram do caos à ordem e o ajudaram a sobreviver às duras condições da instituição mental.”
A síntese deste mandato são os estandartes,ou banners pendurados bordados. Suas superfícies estão repletas de imagens relacionadas à vida de Bispo, incluindo navios de guerra, um mapa detalhado do país do Brasil, prédios de hospitais e várias bandeiras nacionais. Para criar esses objetos, Bispo utilizou os materiais de que dispunha, como lençóis e fios que obteve ao desfiar os uniformes do hospital. Ávido consumidor de jornais, ele combinou esse conhecimento com suas lembranças pessoais, como nomes de outras pessoas que encontrou na instituição. A densidade de nomes na superfície do estandarte se aproxima do frio anonimato do livro-razão institucional, um sistema que lhe teria sido familiar tanto na Marinha quanto no hospital. Embora os estandartes tenham uma função pseudo-enciclopédica, eles também documentam o tempo e o lugar particulares de Bispo.
Outras pequenas esculturas envoltas em fios azuis desbotados reproduzem objetos do cotidiano, como tesouras, martelos e peças de xadrez. Ele também criou miniaturas e vitrines, agrupamentos em forma de tableau de objetos cotidianos como colheres, pentes e Havaianas brasileiras. A disposição aproximada da exposição dessas obras e paredes meio pintadas, semelhantes às de um manicômio, simula a maneira como Bispo dispôs esses objetos em sua cela.
As obras incrivelmente intrincadas e meticulosamente elaboradas de Bispo codificam as linguagens opressivas da instituição em que ele foi mantido, ao mesmo tempo em que insistem em sua história pessoal. Embora falem da ideia de uma taxonomia universal e abrangente, também não podem ser considerados separadamente da missão espiritual de Bispo. Esta exposição é uma rara oportunidade, não só de ver as obras de Bispo fora do Brasil, mas também de ter acesso às suas variadas formas de expressão e de compreender melhor a visão que o motivou ao longo de grande parte da sua vida.
Bispo do Rosario: All Existing Materials on Earth continua na Americas Society (680 Park Avenue, Upper East Side, Manhattan) até 20 de maio.