Em 2021, a artista visual Adriana Vignoli foi agraciada com o XVI Prêmio Funarte Marc Ferrez de Fotografia. Como resultado da premiação, em julho de 2022, Vignoli produziu a série fotográfica “Boca do fogo” a partir do encontro entre plantas do cerrado e a pesquisadora das medicinas naturais do cerrado, Lucely Morais Pio, a raizeira e especialista em curas tradicionais vive na comunidade quilombola do Cedro, localizada em Mineiros, Goiás. Composta por seis fotografias de registro de processo, a série “Boca do fogo” será doada em formato digital ao Museu Nacional da República, em Brasília.
Segundo a artista, “o projeto Boca do Fogo consiste em reconfabular essa pequena região calunga no Goiás, quase divisa com Mato Grosso, chamada Comunidade do Cedro. Boca do Fogo experimenta o encontro entre plantas do cerrado, processos escultóricos e saberes mágicos da cultura de raízes afro descendentes no Brasil. A paisagem seca sugere a narrativa da chama do fogo para se transformar. A fotografia acontece a partir da construção de um ser-planta, que se manifesta na paisagem e, ao lado da presença de Lucely, a imagem quer falar, pausadamente, sobre raízes brasileiras e provocar a transformação das pessoas e do lugar. Incorporo nessa escultura elementos mágicos com elementos da cultura contemporânea. Somos indissociáveis da natureza, e pessoas como Lucely nos fazem pensar e atuar sobre isso.”
Para a realização da obra, Vignoli viajou com a equipe formada pelos fotógrafos Diego Bresani e Jean Peixoto e a produtora Elisa Mattos até a comunidade quilombola do Cedro para criar com Lucely Pio uma espécie de escultura vegetal de cura. Para a artista, é importante mirar esses lugares das regiões do Centro Oeste de culturas e saberes centenários e trazer a experiência para processos de criações escultóricas e fotográficas. A intenção é preservar histórias sobre esses lugares tão raros em histórias e, em especial, sobre as pessoas que vivem e cuidam deles, no esforço da manutenção de conhecimentos seculares de geração em geração.
Adriana conheceu o trabalho da raizeira Lucely Pio há cerca de dois anos, a partir de sua pesquisa de doutorado em Artes Visuais com a orientação do também artista visual e professor do Instituto de Artes Visuais da Universidade de Brasília Christus Nóbrega. Nos estudos, ela experimenta processos bio-escultóricos e o uso de elementos como as plantas de cura na construção desses entes.
Lucely Pio é representante da Rede Pacari de Plantas Medicinais do Cerrado, capacitadora de plantas medicinais e alimentação enriquecida em Goiás pela Pastoral da Criança e viaja pelo mundo convidada para falar sobre suas pesquisas e conhecimentos medicinais. Já Vignoli experimenta esculturas em que esses saberes estejam presentes e afetem o espectador, através de imagens em que conhecimentos seculares de raízes africanas sejam apresentados para novos devires e novas possibilidades. “O cerrado é o meu melhor personagem, pois ele se altera e se transforma, é dependente do sol, da temperatura e da queima, como a matéria alquímica em seus processos de transformação”, diz a artista.
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