VERIDIANA LEITE | COLETIVO AMARELO

POR LEONOR CARRILHO

Surya apresenta um novo corpo de trabalho da prática de Veridiana Leite, artista visual de Ribeirão Preto, Brasil, atualmente residente em Lisboa.

Veridiana pinta como dança. Os seus gestos soltos, espontâneos, quase selvagens, desconstroem as nossas paisagens imaginárias e levam-nos para novos lugares, ora mágicos, ora sombrios, onde a nossa perceção é desafiada a outras observações.

Partindo de referências de figuras femininas ou seres mitológicos importantes no seu trabalho, Veridiana apresenta uma série de novas pinturas e peças em cerâmica, que revelam não só a organicidade dos materiais que utiliza, mas também a
expansão espiritual da sua prática como pintora, escultora e bailarina.

O labirinto de pinturas que habita o espaço da galeria evoca as travessias geográficas da artista. Viajante e de espírito nómada, Veridiana Leite encontra nas viagens e no deslocamento, geográfico e mental, utopias possíveis e impossíveis,
que mais tarde transpõe para as suas peças. É esse imaginário invisível, muito ligado à espiritualidade, à solidão, ao mundo interior, que alimenta a sua prática, que se apresenta, aqui, despida de conceptualização ou racionalização. Por outro
lado, expõe a naturalidade dos seus gestos, pensamentos e experiências. É o sonho que indica o caminho na sua vida e obra, na sua forma de pensar e pintar.

A série de pinturas suspensas cria um caminho que não oferece propriamente uma direção, mas uma flutuação, uma paisagem, ou uma passagem. Veridiana fala destas pinturas como «ilhas imaginárias»; aqui revela, não só a importância destas ilhas, como dos seus ecos, densos e audíveis ao longo de toda a experiência de visitar a exposição. Não nos remetem para nenhum lugar em específico, mas para lugares dentro de nós, lugares que todos temos, alguns tão claros, outros ainda por descobrir.

Veridiana mantém diálogos com figuras que marcaram a sua prática na pintura, como é o caso das artistas Remedios Varo e Leonora Carrington, nas quais busca respostas para alguns desafios da sua prática. Todas elas são artistas que expandem a sua vida interior através do mundo que pintam; ou expandem a pintura através do que vivem na intimidade. A frase The dream world and the real world are the same, escrita pela artista espanhola Remedios Varo, reflete esta ideia de inexistência de hierarquia entre o real e o imaginário, o tangível e a ilusão. Todas estas dimensões ocupam o mesmo lugar; não há engano no sentir.

A sua obra faz-se iluminar de diversos simbolismos que se vão repetindo – o olho, as gotas, as sereias, o sol e a lua, ou até da própria forma, despretensiosa, como a artista decidiu apresentar estes trabalhos, caídos do céu da galeria, em pequenos altares construídos em madeira – reforçando ora a simplicidade do trabalho, ora a complexidade de significados do seu universo, no qual o misticismo e a sabedoria ancestral ocupam um lugar central. O título da exposição, Surya, conduz-nos a encarar a vida como fonte infinita de lugares que nos vão completando e complementando. Contextualizando, Surya é o Deus do sol e das divindades solares. É também com esse Deus que as pinturas entram em contacto; é essa luz que a artista procura e que a materializa.

Olhando para este corpo de trabalho numa era pós-industrial, há uma abertura, uma clareza, uma esperança de que todos estes simbolismos ocupem, também eles, um lugar mais digno na nossa contemporaneidade.

A exposição Surya fica até dia 9 de novembro na galeria Coletivo Amarelo, em Lisboa. Rua Capitão Leitão 74 . De quarta a sábado de 14h às 19h.

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