POR MICHELE PETRY
No mês do aniversário de nascimento de Van Gogh (1853-1890), o livro de Rodrigo Naves (1955) nos permite refletir sobre a sua obra. Van Gogh – A salvação pela pintura é mais um trabalho do autor voltado para a discussão teórica e conceitual da arte, esse tendo como objeto de estudo o conhecido artista holandês.
O conjunto de vinte e três seções do livro inicia com a retomada de uma associação feita entre a obra de Van Gogh e o caráter psicológico do artista – os seus sofrimentos, ora entendidos como esquizofrenia, alcoolismo, epilepsia – e encerra buscando não reduzir a própria interpretação a essa perspectiva ou, o livro, à tipologia de autoajuda. Isso porque, o autor se coloca em primeira pessoa para dizer do significado que a arte – e a arte de Van Gogh – possui para si.
Sobre esse ponto, importante destacar que desde o início do texto, na passagem “quantas pessoas tiveram sofrimentos e não expressaram em forma de arte”, fica a sugestão de uma proximidade entre a narrativa do autor e a sua própria biografia, o que se revela ao final e sugere uma leitura orientada por duas questões principais: o que seria a salvação de Van Gogh pela pintura e o que seria a “salvação pela pintura” para o autor, a escrita como uma forma de arte, também a sua própria salvação? Nesse caminho de reflexão, o texto é guiado por duas vozes, a do crítico que fala sobre o artista e a do autor que encontra na arte a matéria, o material, para expressar-se também artisticamente.

Vincent van Gogh. O Quarto, 1888. Óleo sobre tela, 72.4 cm x 91.3 cm.
Van Gogh Museum, Amsterdam (Vincent van Gogh Foundation)
Rodrigo Naves, historiador da arte, professor, autor de diversas obras como A forma difícil – ensaios sobre arte brasileira e O Vento e o Moinho — ensaios sobre arte moderna e contemporânea, apresenta neste livro um ensaio crítico sobre a arte de Van Gogh, com foco nas pinturas que o artista realizou, porém, sem limitar-se a elas. No texto, menciona outras linguagens que marcaram a produção de Van Gogh, como o desenho e a escrita, recorrendo diversas vezes às cartas que ele escreveu para o irmão Theo. Dessa forma, aproxima-se da obra, do pensamento do artista, do seu contexto histórico, social e pessoal.
A tensão entre materialidade e figuração parece ser o eixo de análise. O autor investiga as composições a partir de como o artista trabalhou a massa de tinta e as figuras que tematizou, como as paisagens, os objetos, as pessoas que aparecem nas obras selecionadas pelo autor, como corvos, trigos, botas, camponeses, Tanguy.
Transita pela trajetória do artista, os lugares por onde passou, viveu e trabalhou. O início da carreira artística, a relação com galerias menores, a passagem definidora por Paris, tanto para absorver aspectos do movimento impressionista (num segundo momento), como para a influência que ocasionaria ao movimento dos expressionistas; a relação com outros artistas (positiva, no caso de Pisarro, dramática no caso de Gauguin); o reconhecimento tardio da sua produção a partir dos esforços para a divulgação póstuma da sua obra que culminariam com a criação do Museu Kröller-Müller, em Otterlo, e do Museu Van Gogh, em Amsterdam.

Vincent van Gogh. Girassóis, 1889. Oléo sobre tela, 95 cm x 73 cm. Van Gogh Museum, Amsterdam (Vincent van Gogh Foundation)
Num trabalho que conta com a pesquisa de obras e de documentação, Naves lança a tese de que a pintura como o trabalho do artista seria a sua salvação. A interpretação ganha força quando o autor mobiliza a história de vida de Van Gogh em diálogo com a história do período em que produziu as suas obras. Girassóis (1889), O Quarto (1888) e Campo de Trigo com Corvos (1890) são algumas das imagens que se voltam ao olhar do autor e também ao nosso.
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