POR THAÍS LIMA
Chegar ao Rio de Janeiro não foi uma missão fácil para o artista Xadalu Tupã Jekupé, que foi impactado pelas enchentes que assolaram praticamente todo o Rio Grande do Sul. Natural de Alegrete e residente de Porto Alegre, ambos localizados no estado gaúcho, Xadalu conta que perdeu tudo. Com residência marcada no Museu Nacional de Belas Artes entre o fim de maio e o início de junho, foi necessário pegar uma carona com o presidente da Associação de Amigos do MNBA, o advogado Fernando Kalache, em uma viagem que durou cerca de 22 horas, quase que ininterruptas, até o Rio de Janeiro.
Durante sua estada no museu, Xadalu esteve produzindo uma obra que será doada ao acervo da Instituição assim que for finalizada. O trabalho aborda temas relacionados aos processos de cosmologia e pesquisas, mesclando o erudito com o tradicional e culminando em um resultado que, segundo o artista, representa um novo momento do barroco jesuíta.
A obra baseia-se em cartas do segundo período dos jesuítas, na região da fronteira entre o Rio Grande do Sul com a Argentina, sobre as orquestras guaranis, que tinham dentro dos aldeamentos das reduções jesuítas. A ideia é que o trabalho aborde esse novo momento em que o período decolonial ocupa os espaços coloniais para dar uma nova narrativa, tal como o caso do prédio emblemático onde está instalado o Museu Nacional de Belas Artes.
O artista tem uma história de vida marcada por superações e desafios. Ele relata que, depois de sair das terras indígenas, passou um período morando nas ruas, e por este motivo possui um olhar voltado para o trabalhador, para a sua “bolha de origem”. No MNBA, além de receber visitantes em seu ateliê aberto e realizar uma roda de conversa com a presença de Sonia Bone, Ministra dos Povos Indígenas, Xadalu colaborou juntamente com a equipe de Educativo do museu para ministrar aulas de acolhimento para as equipes de segurança e limpeza. Os encontros foram tão bem-sucedidos que logo outras equipes pediram para participar, como a brigada de incêndio e da construção civil, responsável pela reforma do prédio do museu.
“Como eu sou um artista oriundo da rua, e teve todo esse processo de sair de uma terra indígena e morar na rua, e viver da rua, eu acho que a gente teve uma conversa muito afetuosa entre nós, porque uma coisa é você conversar de uma bolha para outra, a outra coisa é tu conversar fazendo parte da bolha e olhando para os teus. Para mim foi muito gratificante e eu acho que é um exemplo bom que os funcionários vão pedindo de estar participando de uma maneira viva e presente do museu.”
Além do seu trabalho de residência no Museu Nacional de Belas Artes, Xadalu também esteve no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), para a leitura de cartas e documentos sobre o período colonial voltado aos processos de catequização e o apagamento da cultura indígena, que em breve será um documento visual produzido pelo artista como uma releitura decolonial.
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Thaís Lima é jornalista.