POR DOMI VALANSI
Kazimir Malevich, quem diria, foi parar na Avenida Rio Branco. Mas não literalmente. Uma das obras mais importantes do pintor abstrato russo, o quadro Branco sobre branco (1918) foi a inspiração para a decoração oficial do carnaval carioca de 1994, pelo olhar ousado de Lygia Pape. Em 3 de maio de 2024, completaram-se 20 anos de sua morte, mas sua produção continua vibrante e atual.
Partindo da constatação de que o branco é a reunião de todas as cores, a artista produziu uma série de estandartes de nylon branco com inserções de um tecido de paetês reluzentes, em branco, vermelho e preto, que ficaram pendurados nos postes. Bolas de isopor ficavam penduradas nas bandeiras e davam um ar mais carnavalesco. Mas, ao mesmo tempo, por serem totalmente brancas, confundiam as pessoas.
Segundo Paula Pape, filha da artista e diretora da Associação Cultural Projeto Lygia Pape, que participou intensamente da montagem, foram cerca de 100 bandeiras espalhadas pela Avenida Rio Branco. “Eu até subi no carro da Rioluz para amarrar as bandeiras nos postes. A Lygia quis fazer algo mais clean, quebrando essa mistura visual de cores que costuma acontecer no carnaval. E muita gente não entendia, perguntava se não ia ter carnaval naquele ano, outras adoraram! O mais importante foi a quebra do olhar, porque era algo totalmente novo. Ficou lindo e esteticamente impactante”, conta.
Além de ornamentar o espaço público, o trabalho se desdobrou em uma exposição com 80 trabalhos que ocupou por 20 dias a Galeria do Século XXI, no Museu Nacional de Belas Artes. Para realizar este projeto, Lygia Pape também contou com um grupo de amigos para dar apoio na montagem.
“Me lembro que eu subi aquela escadaria do MNBA e tinha um monte bandeiras e bolas de diferentes tamanhos, mas muito leves. Então a gente tinha que trabalhar em um mecanismo interno com uma corda que passava por dentro das bolas, ajudando no encaixe e na sustentação. Tinha também uma equipe de arquitetura ou engenharia, que não era ligada às artes, mas que ajudou nisso. E a Lygia estava ali, muito intensa, muito generosa, sempre de bom humor”, lembra a pintora Marcia Ramos, que trabalhou como professora adjunta e substituta de Lygia Pape na Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Depois do carnaval, as bandeiras foram levadas para o Sambódromo, de onde depois seriam descartadas. Lygia Pape chegou a resgatar parte do material, que hoje integra o acervo da Associação Cultural Projeto Lygia Pape. Atualmente, a artista é tema de uma exposição individual na White Cube Gallery, em Seoul.
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