POR DOMI VALANSI
A escrita com o alfabeto da flora tropical
As grandes navegações trouxeram os primeiros exploradores e aventureiros ao Novo Mundo. Mas, apenas no século 18, estas expedições para as colônias, inspiradas pelo iluminismo, ganharam um viés científico mais acentuado.
Em um caminho inverso dos botânicos europeus que coletavam e estudavam a exuberante natureza brasileira, a artista Goia Mujalli, nascida no país, mas radicada em Londres faz um trabalho de catalogação de plantas de origem tropical que encontra e (re)conhece no velho continente por lembrança visual ou intuição. As formas e folhas e flores são adicionadas a uma grande coleção de abstrações rítmicas de ricas cores, em uma espécie de alfabeto visual, meio por onde a artista se expressa.
Além da visualidade, a história das plantas também traz elementos afetivos para as obras. Uma delas é sobre a bougainville, que Goia Mujalli encontrou durante uma residência artística na Itália, foi considerada a grande descoberta de uma viagem francesa ao Rio de Janeiro no século 18. Em solo carioca, a “trepadeira maravilhosa”, como os franceses chamaram a planta, foi encontrada pela naturalista Jeanne Baret (1740-1807), que adotou o nome Jean Baret e características masculinas com o intuito de integrar a expedição, já que, nessa época, o ambiente era unicamente formado por homens.
Várias plantas que Goia Mujalli se inspira, estão no Jardim Botânico do Rio de Janeiro, que pode ser visto pela janela da Galeria Mercedes Viegas, onde a artista apresenta até dia 14 de outubro a individual “A carne das folhas”. Sobre a materialidade das plantas, o título da mostra faz referência a uma passagem do livro “Uma aprendizagem: ou O Livro dos prazeres”, de Clarice Lispector.
Além da exposição, em breve passagem pelo Brasil, a artista participou da ArtRio e durante a feira, uma de suas pinturas foi selecionada pelo crítico de arte e curador Paulo Herkenhoff para doação ao Museu Nacional de Belas Artes. Também relacionado ao evento plataforma WOW – Women on Walls, selecionou Goia como uma das artistas mulheres “que vale a pena conhecer”.
Com camadas de tinta e intervenções de tecidos e bordados, Goia Mujalli cria suas telas. Mesmo planejando, não se sabe o que vai acontecer. Sua narrativa vai se construindo ao longo do processo, sendo também uma analogia à vida.
Domi Valansi é jornalista com pós-graduação em Fotografia com instrumento de pesquisa das ciências sociais. Desde fevereiro de 2020 é coordenadora de conteúdos digitais do MAM Rio. É organizadora do NFT.Rio
GOIA MUJALLI: A CARNE DAS FOLHAS
ATÉ 14 DE OUTUBRO
GALERIA MERCEDES VIEGAS
RIO DE JANEIRO