POR DOMI VALANSI
Transformações da matéria marcam as obras de Meu corpo de terra e água, primeira exposição individual institucional de Fernanda Sattamini, que ocupa o Centro Cultural Correios RJ. A artista carioca apresenta cianotipias e cerâmicas, processos totalmente artesanais, onde a mudança do material ocorre por ação da luz e do calor da queima, respectivamente, sem seu controle completo do resultado.
Técnica de fotografia artesanal do século 19, a cianotipia dispensa a utilização de dispositivo óptico ou câmera fotográfica. Uma superfície recebe uma emulsão de sais de ferro fotossensíveis à luz ultravioleta, que expostos à luz do sol, criam imagens em gradações de azuis.
Na série “o sol que abraça a areia que mostra o céu e tua beleza que nunca encontrei mas existe em mim”, a artista prepara tecidos longos, sem acabamento ou costuras, os leva para a praia, onde calcula e promove a exposição à luz. À beira-mar, coloca seu corpo como molde, espectro e presença. O resultado são campos de azul profundo, uma das cores principais de sua paleta.
Dispostas no espaço expositivo por fios de nylon, as obras ganham uma nova intervenção: o movimento causado pela força do vento do ar-condicionado do centro cultural, ganhando uma nova camada, a referência instantânea ao ir e vir do mar.
Em contraponto à fluidez das cianotipias, está a solidez das cerâmicas na série de 2002/2023), produção inédita de Sattamini. As esculturas com formas orgânicas e sinuosas, reúnem cores quentes, com contrastes e brilhos que remetem a fluidos, contato, calor. A artista destaca o inesperado do processo, onde só depois da queima que se vê como a argila trabalhou e como os esmaltes se misturaram, em um infinito de possibilidades. O erro sendo também uma delas.
“Enquanto a lógica do progresso preza pelo controle máximo da mão humana, a arte se abre ao inesperado, à vida. Não à toa, o corpo é motor da obra – corpo que é cheio de possibilidades, mas também de limitações. Somos carne e osso na matéria, mas podemos ser terra e água na poesia”, explica a curadora Bruna Costa, que acompanha o trabalho de Sattamini.
Duas séries trazem técnicas mistas sobre papel e o cotidiano afetivo da artista com o mar. Em “Paisagens Marinas” (2019-2021), a artista traz experiências com cianotipias feitas na praia, serigrafia sobreposta e areia. Já “Das marés e correntezas” (2018), traz fotografias impressas em linho desfiado, bordado e costurado, criando interferências no horizonte e nas águas.
A obra que mais se distancia das outras pela técnica e conteúdo é “Sem título (les amants)”, uma fotografia de 2018. Em uma clara referência à pintura de René Magritte, o autorretrato fala de não necessitar do outro para ser pleno. O azul do fundo é a amplitude do todo e de cada um, sempre permeados pela mudança e transformação.
A mostra Meu corpo de terra e água fica em cartaz até 19 de agosto, no Centro Cultural Correios RJ (Rua Visconde de Itaboraí, 20 – Centro, Rio de Janeiro), com entrada gratuita.
Domi Valansi é jornalista com foco em artes visuais e museus com pós-graduação em Fotografia com instrumento de pesquisa das ciências sociais