POR DOMI VALANSI
O mundo é um lugar cheio de coisas naturais e inventadas. Que se expandem, que se esbarram, que se fundem, que entram em choque e em equilíbrio. Tudo é impermanente, por segundos ou milênios.
A trajetória artística da carioca Marina Ribas começa com o olhar sobre tudo o que conhecemos. Ela parte da descoberta, acúmulo e catalogação de materialidades. Objetos, restos, cheios e vazios, que são organizados no espaço como uma grande colagem em três dimensões. Cada obra é diversa e única.
Em sua pesquisa seguinte, a artista cria grandes empilhamentos, em um processo intuitivo de dar ordem ao caos, de se criar um sistema. Nesta discussão sobre estrutura, o apoio da parede e do chão são elementos externos à obra que passam a fazer parte de forma fundamental.
Mas a busca individual é pelo erguer-se, se estruturar e edificar. Na série “Erectas” (2018), pedras de granito e mármores de grandes dimensões, de mais de 200 quilos, se conectam e se sustentam, por meio de leves hastes de metal, em resistência à gravidade. Neste jogo de forças, o arranjo só se faz possível através do conjunto, apesar da ameaça do desequilíbrio continuar presente, através de sua possibilidade.
Neste ponto, vale voltar ao seu olhar de curadora de coisas. De valorizar e ressignificar materiais ordinários: pedras, restos arquitetônicos, tubos de latão, tijolos, manilha de esgoto, concreto e finalmente a espuma. Esta última, uma nova encarnação do petróleo, ganhou um papel de protagonismo em sua obra.
Na arquitetura, a espuma serve tanto para isolar, vedar, quanto para preencher vazios. No cotidiano, no conforto de colchões e travesseiros. Na arte, a espuma é um elemento que se faz de base, ligação, que se expande e se contém, como partes do corpo. Em sua obra, Marina Ribas muda a densidade das espumas para falar do feminino, dos ocos do corpo, das expansões celulares de vida e de morte. Sua maleabilidade em conjunto com outros materiais como cimento e pigmentos, traz uma força tamanha, que chega a quebrar pedras de mármore. As manifestações interiores, físicas, emocionais ou simbólicas, a todo momento podem fissurar o todo.
A luta das mulheres cria cada vez mais rachaduras na sociedade patriarcal. Em obras totêmicas da série “Desconstrução” (2020-2022), a artista reúne signos femininos sobre fragmentos arquitetônicos para apoio de esculturas, que compõem os grandes museus. As peças trazem materialidade em contraponto a cânones que excluíram a mulher como produtora de narrativas e destacaram sua sexualidade. A mulher volta para o pedestal da arte como significado e não como fisicalidade.
Mais recentemente, Marina Ribas mergulha em um tema recorrente na arte contemporânea produzida por mulheres: os ovos. Como ideias, eles se replicam em sua produção escultórica, com quatro cores, diferentes tamanhos, mas sempre maciços. O barro, presente na história da humanidade desde os tempos imemoriais, reforça a ideia de se repensar o passado.
Em uma série de intervenções não autorizadas, a artista espalhou seus ovos por esculturas históricas de cidades italianas e francesas, onde se consolidou a arte eurocêntrica. Apesar do mimetismo com os trabalhos, os ovos marcam a presença artística feminina, onde ela não se fazia presente (até então). A artista também infestou com seus ovos espaços contemporâneos como a Bienal de Veneza, a Gagosian e o Museu George Pompidou, questionando a ausência ou não pertencimento feminino.
Assim como suas primeiras obras, Marina Ribas faz diversos rearranjos no mundo físico, colagens e sobreposições. As narrativas podem ser mudadas, a materialidade está em constante transformação e o equilíbrio é sempre impermanente.
Domi Valansi é jornalista com pós-graduação em Fotografia com instrumento de pesquisa das ciências sociais. Desde fevereiro de 2020 é coordenadora de conteúdos digitais do MAM Rio. É organizadora do NFT.Rio
MARINA RIBAS
ATÉ 18 DE ABRIL
Z42 ARTE
RIO DE JANEIRO