POR JOÃO VICTOR GUIMARÃES
Diego Crux, artista paulistano, estabelece relações entre Salvador e Acra
A sua exposição re-torno, re-volta fica em cartaz até 15/12 no Instituto Goethe, em Salvador
Em 2019, Diego Crux, artista nascido na periferia de São Paulo, viajou para Acra, capital de Gana, pela primeira vez. Lá, entre a residência artística da qual participava e sua pesquisa pessoal, Crux descobriu a história do povo Tabom. Retornados a Gana, saindo do Brasil, o grupo formado por indivíduos de diferentes regiões e culturas africanas, foi denominado de Tabom porque era assim que respondiam a tudo em razão do absoluto desconhecimento que tinham das línguas faladas em Gana à época. Os Tabom, no entanto, levaram a Gana uma série de tecnologias e conhecimento. Entre tantas, a agricultura e a construção daquilo que chega a ser denominado pelo artista como “engenharia soteropolitana”.

Créditos: Diego Crux
Pensando sobre as relações arquitetônicas das periferias das cidades, o artista elaborou Derivadas de retorno (2023) que consiste em um políptico de capturas de tela nas quais vemos as ruas de Acra e de Salvador, mais especificamente no subúrbio ferroviário da cidade, tendo como destaque a rua Sá de Oliveira, onde existe a sede do Acervo da Laje, uma casa-museu-escola do Subúrbio para o Subúrbio. Ainda sobre construção, território e memória, o artista apresenta a obra Registro Meia-Volta (2023), um saco redinha com mandioca/aipim, esmeralda e quartzo rosa. Seu avô se chama Esmeraldo, era pedreiro e plantava mandioca. Crux estabelece assim uma relação estética capaz de despertar um reconhecimento e identificação com fatos históricos e pessoais sem recorrer à imagem ou palavra explícita. Aliás, a escrita se mostra presente nas paredes da galeria, onde o artista dispõe as palavras “Tabom”, “boa” e “males”, como forma de brincar com essas expressões que, para o artista, definem culturalmente diferentes grupos. “Boa” é a versão enxuta do comprimento “boa noite” ou “boa tarde” na capital baiana. Males é uma subversão da palavra “malês”, que caracteriza o grupo mulçumano responsável por inúmeras contribuições à cultura brasileira, entre elas a mais conhecida: a Revolta dos Malês que tinha como principais objetivo tomar Salvador para libertar todos os escravizados, acabar com o catolicismo e assassinar as pessoas brancas por envenenamento para confiscar seus bens e incendiar suas casas. Entretanto, em razão das delações anteriores à sua deflagração, a Revolta dos Malês foi poupada da vitória. Numa espécie de cartaz/lambe disposto no chão da galeria, lê-se “Independência ou morram os caiados e marotos”, como eram chamados os portugueses e seus descendentes. Há assim um convite à reflexão sobre a Independência e uma proposição ao seu aproveitamento como veículo para incorporação da Revolta. A ideia do Diego Crux é que o público leve consigo os lambes/cartazes e a mensagem invada a cidade.
Na obra Rotas da vitória (2023), localizada na área externa da galeria, Diego Crux propõe uma provocação ao Corredor da Vitória, alameda onde o Goethe está localizado, metro quadrado por muito tempo considerado o mais caro de Salvador e, definitivamente, parte principal da área mais racista da capital baiana. Foi lá onde ficaram aprisionados a maior parte dos revolucionários malês que foram presos e mortos. Junto à obra de Crux, há a Gangorra (2020) de Augusto Leal, na qual temos uma noção sobre a rotatividade do poder utilizado pelo público, pelo povo. Leal fundou recentemente o Museu de Arte de Simões Filho, região metropolitana de Salvador. O artista impôs, através da existência do MASF, uma reflexão sobre a inexistência de espaços culturais apoiados pela Prefeitura ou pelo Estado na cidade. A atitude adotada por Leal é tão corajosa que parece delirante.
Aliás, Diego Crux, propõe ainda o reconhecimento do ato imaginativo como prática de libertação e criação, mesmo que a partir de dados pessoais e sociais. O artsita criou, por exemplo, a obra Sentido figurado (2023) que consiste em diversos símbolos baseados no símbolo Adinkra Tabon/Tabone. Além de brincar com a relação entre o povo Tabom e o nome do adinkra, o artista utiliza o espaço negativo do símbolo para recriar uma narrativa estética que dialoga, por vezes, com dados, fatos históricos e sua própria vida, bem como com objetos que facilmente reconhecemos, a exemplo de uma cruz ou um pente garfo. Tal conjunto de símbolos em acrílico suspensos por correntes de metal, também nos proporciona uma reflexão sobre a comunicação. Os malês distribuíram panfletos escritos em árabe, utilizando sua mobilidade pela cidade e espaços para subverter a dominação. O que Diego Crux nos reafirma é a necessidade de romper com a dominação da demanda mercadológica segundo a qual só pode existir uma forma de pensar e conceber obras que tangenciam ou abarcam as temáticas relacionadas à negritude. Tal demanda resulta no aprisionamento da representação imposta a artistas negros e negras. A pesquisa e propostas apresentadas por Crux revelam uma síntese rara entre artista e pesquisador. Diego ousa recriar sobre o que nos está dado e criar através do que parece impossível.
João Victor Guimarães é crítico de arte, pesquisador, curador, graduando em Artes pela UFBA e colabora com as Revistas Dasartes, Select e Bravo!