Denise Milan | Quartzoteka

POR THALES GUARACY

O trabalho da artista brasileira Denise Milan é feito sem palavras, não só pela sua matéria-prima, que é a imagem, e, dentro da imagem, em especial a criada com a pedra, como pelo fato de que sua obra nos remete a algo que não podemos alcançar pela simples razão. Ela fala de um tempo que começou quando não existíamos – nós, inventores da razão, e da palavra, como seu instrumento – e seguirá em um futuro em que provavelmente não existiremos mais. E não pode simplesmente ser expresso com palavras, descrito, explicado.

Foto: Thomas Susemihl

 

Denise mostra a vida em seus bilhões de anos já vividos e com um destino interminável. E vida, para ela, é a transformação de tudo, e não apenas a vida humana, que é, talvez, uma pequena parte do processo fenomenal para o qual ela nos transporta agora com sua QuARTzoteka. Uma biblioteca sem palavras, que traz todo o conhecimento que justamente uma biblioteca não tem, agora em exposição, justamente, em uma das maiores e mais importantes biblioteca do Brasil – a Brasiliana, de Guita e José Mindlin, no câmpus da Cidade Universitária –, onde fica até 16 de maio.

São livros de cristal de quartzo, nos quais ela coloca formas que, cada uma a seu modo, representam todo o universo, ou o conhecimento que não caberia em todos os livros do mundo, mas pode ser adquirido pelo simples olhar. Há ainda pergaminhos de pedra azul, papiros de metal dourado (que ela chama, como ironia, de tablets da terra) e outras peças que, pelas suas mãos, adquirem significado.

Foto: Thomas Susemihl

Em silêncio, os livros da biblioteca particular de Denise narram uma história muda, na qual o protagonista, que é todo o universo, navega em uma trajetória que nossos olhos mal captam, porque não temos tempo de ver sua transformação. A intervenção da arte na pedra cria uma linguagem possível para o entendimento de algo que não pode ser explicado com palavras, limitadoras das dimensões incalculáveis.

Como seu acervo sensorial, a QuARTzoteka não apenas conta a história do universo, mas reflete o próprio universo artístico de Denise, com uma linguagem que ela teve de inventar, para explicar como vê o mundo. É feita de símbolos, que representavam as combinações atômicas de tudo o que existe, material ou orgânico, seguindo as mesmas leis e organização. Trata-se da unidade em comum entre a vida humana e a pedra, com sua existência de bilhões de anos, na sua evolução invisível ao olho humano. Há, nessa essência, também para nós, uma forma de perenidade.

Foto: Thomas Susemihl

QuARTzoteca tem a curadoria do professor Luiz Armando Bagolin, diretor do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB), que proporcionou o desafio de colocar essa “biblioteca do imaginário da Terra”, como a define Denise, no mesmo lugar onde está a obra escrita dos principais pensadores e artistas brasileiros.

Entrar no mundo artístico de Denise é uma epifania, que se apresenta em tudo o que ela faz, incluindo suas obras públicas, expostas em cidades que vão de Chicago a Assis, na Itália. Ela é, arrisco dizer, a mais universal das artistas brasileiras em todos os tempos – e sua obra, certamente, está entre as que vão durar.

Veja mais fotos da exposição abaixo:

 

DENISE MILAN: QUARTZOTEKA •
BIBLIOTECA BRASILIANA GUITA E
JOSÉ MINDLIN • SÃO PAULO •
16/3/2023 A 16/5/2024

As matérias assinadas são de responsabilidade de seus autores e não representam a opinião da revista Dasartes, sua equipe e conselho editorial.

Thales Guaracy é formado em Ciências Sociais e em Comunicação Social, com especialização em Jornalismo, pela Universidade de São Paulo (USP). Foi editor de veículos de imprensa como Veja, Exame, Forbes e O Estado de S. Paulo e editor de ficção e não ficção da Editora Saraiva. Publicou livros de reportagem, história, romances e poesia. Hoje é editor no Brasil da editora portuguesa Assírio & Alvim.

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