azuLABula | O Banquete, oferendas de amor: A VIAGEM

POR DOMI VALANSI

Obras interativas e acessíveis trazem novo “mover-se” do público em exposição

Os museus e galerias são normalmente espaços nos quais os corpos foram ensinados. Desde como circular, não poder tocar nas obras e até a altura do falar. Lugares quase sagrados, para andar com cuidado, sem incomodar. Em “ex_posição: correspondências transitivas”, da artista carioca azuLABula, que ocupou por dois meses o Centro Cultural Correios RJ, todos os corpos eram bem vindos e a mostra se dava a partir de uma ativação constante das relações entre corpo, espaço e movimento não apenas da artista, mas de todos que se disponibilizassem às provocações insinuadas.

Parte da sua investigação portanto era estar presente todos os dias enquanto testemunha dessas relações e estar disponível para uma prática de improviso e experimentação.

A escrita foi um dos elementos que instauraram essa dinâmica. Por ser nos Correios, a artista recebia cartas que depois eram interpretadas e corpeadas. Para quem quisesse na hora, havia uma mesa com papel e caneta. As mensagens foram ocupando o chão do espaço ao longo da individual.

Outra forma de escrita veio por meio da fita crepe indicando movimentos como: mexa, deite, dance, sente. Depois, os visitantes em diferentes poses no chão começaram a ser delimitados pelas fita, criando registros dessas presenças, que passaram a ocupar o salão junto com as cartas.

“Acessível: que se pode ter acesso. Palavra boa para definir uma proposta expositiva que escolheu estar num espaço público e gratuito, e que se propôs a ter trabalhos onde os corpos visitantes estavam livres para escrever, dançar, deitar e experimentar desde o magnetismo do lugar do entre, a escrita, bem como a surpresa de encontros experimentais que estavam alinhavados com outros artistas num cardápio extenso que ocorria semanalmente”, explica a artista. “Todo corpo é corpo e deve acontecer em qualquer lugar, inclusive numa exposição de arte”.

Pessoas cegas puderam explorar e vivenciar a exposição se relacionando com alguns trabalhos interativos. Nas esculturas brincantes chamadas “Equilíbrio” (2021), uma corrente quase toca um ímã, destacando o espaço do entre, um vazio preenchido pelo campo magnético. Edna Maria, uma bailarina cega, além de dançar com a artista semanalmente convidou um colega também cego, Sidnei Oliveira que escreveu uma carta em braile.

Em outros trabalhos, “corpo” e “corpo a dois”, era possível interagir com uma corporiedade acolchoada que pretendia os gestos de abraçar, encostar, apoiar e se entregar a um outro simbólico. Todos os corpos eram de pano, costurados a mão e recheados de memória (textos, elementos da rotina como caixa de pasta de dente, remédio, amaciante, contas, desenhos dos filhos, desejos futuros entre outros materiais. Alguns desses corpos foram feitos no ateliê por convidados que rechearam com as próprias memórias e que portanto a artista desconhece o que tem dentro. Ao todo a obra contava com aproximadamente 30 corpos.

Para as pessoas surdas, a obra “Língua materna e Língua paterna” (vídeos em IPads / 7 min Rio de Janeiro, 2020) mostrava a potência do movimento enquanto linguagem inclusiva através de um vídeo-audio-dança. No trabalho, a artista lia um texto autoral em dois idiomas, português e espanhol, e posteriormente é interpretado em língua de sinais de cada país, no caso Brasil e Uruguai.

Performance

Dando sequência à suas ações interativas, no dia 15 de setembro azuLABula com colaboração de Clarice Rito e convidados propõem O Banquete, oferendas de amor: A VIAGEM. A ação segue no entre happening, celebração, ritual, cortejo, procissão, caminho, percurso, com diversos trabalhos artísticos que se expressam em múltiplas linguagens. O percurso se inicia às 11h na Av. Rodrigues Alves 157 e segue até a Marina da Glória, onde acontece a ArtRio.

azuLABula é o nome artístico da carioca Ana Eugenia Azulay Abulafia Lerner (1978). Artista, dançarina, arquiteta/urbanista (mestre em arquitetura ambas pela FAU/UFRJ) e mãe. Sua pesquisa visa produzir dispositivos para o encontro através do movimento atuando num campo híbrido entre a dança, o corpo e o espaço.

Foram necessárias quatro gestações para que a costura entre corpos, arte, arquitetura e dança se consolidassem. Foi a intensidade dessa experiência única chamada maternidade que indicou o próprio corpo como suporte investigativo apontando o desejo de um corpo adulto brincante, ativo, social e político: arte é educação e educação é transformação.

Para saber mais, acesse AQUI

 

Domi Valansi é jornalista com foco em artes visuais e museus com pós-graduação em Fotografia com instrumento de pesquisa das ciências sociais

Compartilhar:
Resenhas

Mariana Guimarães | Paço Imperial

POR DOMI VALANSI
OS AFETOS DE VIDAS BORDADAS

A individual de Mariana Guimarães ocupa um monumento histórico brasileiro: o Paço Imperial (1743), …

Resenhas

RESISTÊNCIA LATINAMÉRICA | GABRIELA NOUJAIM

POR DOMI VALANSI
“A mais terrível de nossas heranças é esta de levar sempre conosco a cicatriz de torturador impressa na …

Resenhas

Labirintos e Abalos Sísmicos, ou a Usura do Discurso | Matheus Madeira Drumond

Labirintos e Abalos Sísmicos convoca que se pense a efetividade da curadoria e os limites do discurso nas artes visuais
Labirintos …

Resenhas

José Leonilson | Museu Serralves

POR MATTEO BERGAMINI
Com a exposição Drawn 1975-1993, a figura do artista brasileiro José Leonilson – Leo, como ele mesmo se …

Resenhas

Cibele Nogueira | O retorno à paisagem

POR DOMI VALANSI
Na pandemia vivemos uma nova (e forçada) virtualização da rotina, do lazer e trabalho, intercalados com a repetição …

Resenhas

ECLOSÕES | MARINA RIBAS

POR DOMI VALANSI
O mundo é um lugar cheio de coisas naturais e inventadas. Que se expandem, que se esbarram, que …

Resenhas

Darcy Ribeiro, os nativos e os artistas pretos: três vias para encarar o futuro

Diálogos e pontos de contato para imaginar uma integração social e cultural que ainda é longe a existir: três exposições, …

Resenhas

À exceção do corpo negro | Inhotim

O racismo é um emaranhado de sutilezas. Beatriz Nascimento

No debate entre autoria, representação e representatividade, há um ponto que trata …

Resenhas

Goia Mujalli | A carne das folhas

POR DOMI VALANSI
A escrita com o alfabeto da flora tropical

As grandes navegações trouxeram os primeiros exploradores e aventureiros ao Novo …

Resenhas

Guilherme Almeida | Galeria Ribot

POR MATTEO BERGAMINI
A palavra “reflexo” é bem curiosa, pois nela são contidas inúmeras ideias a respeito da percepção. Reflexo é …

Resenhas

Carne, pele, luz e metal

POR AGNALDO FARIAS
 

As especulações sobre o corpo humano parecem não ter fim. Tampouco um começo. Aparentemente desde o nosso princípio …

Resenhas

Tarsila do Amaral na exposição Um presente para Ciccillo

POR MICHELE PETRY
A exposição Um presente para Ciccillo exibiu na Fábrica de Arte Marcos Amaro (FAMA Museu), entre os dias …