As lápides de Alex Flemming

POR MARIA TERESA SANTORO DÖRRENBERG

 

Uma sedução de cores, brilhos e efeitos visuais contrastam com a apresentação de inúmeras lápides/laptops simbolizando túmulos ou sepulturas. Nesse confronto entre uma festa colorida e a presença da morte montou-se um cemitério colorido. Essas metáforas da morte compõem a exposição LÁPIDES, do artista Alex Flemming, de 31 de maio a 23 de junho de 2024. Uma exposição anterior de lápides fez parte da 1. Retrospectiva do artista em São Paulo, no MAC – Museu de Arte Contemporânea em 2016.

Desta vez, entretanto, a exposição aconteceu num Barco/Galeria – Hośek Contemporary- ancorado à margem do Spree, o rio que atravessa a cidade de Berlim.

São inúmeros laptops que o artista garimpou junto aos amigos e amigos de amigos, e que não eram mais utilizados. Flemming os pintou abertos com tinta acrílica monocromática e em cores brilhantes, o que provoca uma fascinação visual. Os laptops/lápides foram organizados em fileiras e espalhados no chão do barco. Inscritos em cada um deles estão os nomes dos doadores vivos, montando um cemitério diferente.

Em uma possível metáfora emprestada da mitologia grega, Flemming encarna Caronte, a figura do barqueiro de Hades, o deus do submundo que conduz as almas dos mortos através das águas dos rios Esfige e Aqueronte, que dividiam o mundo dos vivos do mundo dos mortos.

As lápides/laptops fazem a alegoria da vida e da morte, da transitoriedade da vida, do processo irreversível e inevitável que ocorre com todos os organismos vivos. No cemitério de Flemming, entretanto, as coloridas lápides apontam para seres vivos.

As lápides/laptops também indiciam a transitoriedade da máquina tecnológica, do laptop que pode migrar e/ou transmutar para o tablet, celular, relógio, para a nuvem, e para outras substituições e usos.

Em nosso mundo reciclável e globalizado o que vem acontecendo é a superação de suportes tecnológicos por versões mais leves, fáceis e transportáveis, em uma tendência inclusive para a abolição das fronteiras entre as mídias tecnológicas externas e a máquina interna do indivíduo. Pode-se pensar no imbricamento entre tecnologias externas e a máquina interna do humano, num vai e vem que vai extinguindo os limites entre o que está dentro e o que está fora de nós.

Trata-se da informação que cada vez mais vem sendo expandida para dentro do corpo humano e suas extensões, alterações, multiplicações, até o hipercorpo, ou seja, aquele corpo-suporte onde já existem alterações no metabolismo.

Percebe-se também que na trajetória do artista há uma marcante reflexão sobre o corpo e sobre o humano, sobre o corpo vivo e o morto, sobre o uso do corpo como identidade, como ausência ou como memória, no caso das lápides/laptops. Enfim, pode-se dizer que Flemming tem no corpo e suas possibilidades de significação e ressignificação um de seus principais focos.

O corpo vivo ou morto de Alex Flemming assume identidades variadas e pode estar até ausente, como na série dos laptops coloridos metalicamente, mas é um corpo sempre belo e vivo, porque é provocativo, diverso e distinto. É um corpo que sai da multidão, do apagamento social e cultural e se torna centro, tema e obra.

As matérias assinadas são de responsabilidade de seus autores e não representam a opinião da revista Dasartes, sua equipe e conselho editorial.

Maria Teresa Santoro Dörrenberg vive em Berlim, Alemanha, é escritora, curadora e pesquisa a relação do corpo com a arte, as mídias e as tecnologias contemporâneas.

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