POR MATHEUS CENACHI
Pouco mais de um ano após Corpo do pecado, da redenção, da salvação, intervenção artística realizada no Museu da Inconfidência, em Minas Gerais, Rodrigo Sassi avança as suas investigações históricas e estéticas de forma ainda mais brutal com Rizoma: instalação que no dia 29 de fevereiro deu início à edição 2024 do Projeto Parede, no Museu de Arte Moderna de São Paulo.

Corpo do pecado, da redenção, da salvação. Foto: Ane Souz
Aproximar a “brutalidade” do trabalho de Sassi não é um gesto depreciativo. Primeiro, porque nem tudo o que é feroz e bruto é desrespeitoso ou agressivo. Segundo, porque o que se almeja ao utilizar uma palavra intensa como essa é fazer justiça à própria persona do artista. O que move muitos dos experimentos de Sassi, ao longo dos anos, é uma percepção crua e concreta da realidade, a qual “paradoxalmente” é fundida com simbolismos e suas consecutivas camadas de sentido.
É perfeitamente possível traçar, por exemplo, um paralelo entre as operações artísticas de Sassi e as ambições linguísticas de João Cabral de Melo Neto. Para ambos os artistas, pau, pedra, ferro ou concreto, isto é, tudo aquilo que a realidade dispõe de mais imediato, de mais “não-lapidado”, pode se transformar em matéria prima da mente criadora. Porém, ainda que o apelo ao concreto seja parte essencial do “modus operandi” dos dois, é evidente que as suas obras não se reduzem à fisicalidade do mundo, pois acabam por conter uma profunda mística, um magnetismo que faz o apreciador refletir continuamente em busca do significado da obra em questão.
É exatamente isso o que acontece em Rizoma. Ambivalência. A quebra das dicotomias, as quais se misturam num processo industrial de fundição, formando um novo amálgama.
Eis o que encontrará o visitante no MAM: uma extensa parede irregularmente coberta de grandes peças geométricas feitas de sobras de material de construção. Tais figuras, em si mesmas, já contém, em certo nível, a ambiguidade anteriormente mencionada, pois representam formas curvas, porém são constituídas, na prática, de arestas, isto é, segmentos de reta. A observação dessa sutileza é importante, pois abre portas para a apreciação de um dos esforços de pesquisa do artista: a combinação do rigor matemático da arquitetura modernista com a suavidade, o acabamento da arte ornamental, clássica.
Inicialmente, a robustez das peças, ao lado da tonalidade cinzenta do concreto, podem gerar uma sensação “espessa” no espectador. Os primeiros passos pelo corredor são pesados e apreensivos, como as peças suspensas no ar. No entanto, pouco a pouco o visitante passa a sentir “a leveza do concreto”, fenômeno que se dá, em grande parte, em virtude da observação holística da instalação.

Detalhe das peças da obra Rizoma (2024), de Rodrigo Sassi. Créditos: Ding Musa.
A disposição das figuras não é perfeitamente simétrica, o que traz movimento ao olhar do observador que pula de peça em peça ao desfrutar do selvagem relevo de pedra. No entanto, isso não quer dizer que não exista algum nível de ordenamento ao longo da parede, qualquer coisa como um fio condutor. Existe, está lá, manifestando-se por meio de uma sequência relativamente linear dessas peças, as quais são enfileiradas horizontalmente, criando uma sensação de continuidade.
É essa fileira organizada a chave para interpretar o próprio título da exposição.
Não sabemos se a origem da ideia de Sassi foi estritamente biológica ou filosófica, haja vista a reconhecida elaboração conceitual sobre a ideia de “rizoma” feita por Deleuze e Guattari. Em todo caso, rizoma é um termo que possui como propriedade importante a descentralização. Pensando pelo ponto de vista da biologia, ele é um tipo diferente de caule, na medida em que a sua direção de crescimento é horizontal, não vertical. O que justamente ocorre na obra de Sassi.
Além disso, as fibras dos rizomas se desenvolvem e se entrelaçam livremente. Num sistema como esse, então, tudo está conectado (e, portanto, organizado), apesar disso não ser evidente ao primeiro olhar.
Qual é o objetivo de Rodrigo com a instalação? Qualquer tentativa de resposta seria produzir uma definição, algo estático e uno, e creio que está evidente que, apesar de seu concretismo, o desejo de Sassi é produzir uma arte mista e permeável. Portanto, como sempre, cabe ao visitante explorar por ele mesmo as nuances semânticas da obra.
Em todo caso, é preciso dizer: a perspectiva de integração conceitual de Sassi é magnífica. Poucos são os momentos da história da arte em que podemos vivenciar o cruzamento de elementos, técnicas e estéticas tal como ocorre em Rizoma.
Com a curadoria de Cauê Alvez, a exposição acontece até 01 de setembro de 2024.
Matheus Cenachi é formado em Filosofia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), é professor, ensaísta, dramaturgo, poeta, roteirista e fotógrafo artístico.