POR WELLINGTON LUZ
No mês do orgulho, o Primeiro Salão de Arte Homoerotica com curadoria de Paulo Cibella se propõe a discutir a esfera de desejos do homem gay sem assumir compromisso com outras letras da sigla a qual faz parte. O que à primeira vista pode denotar certo protagonismo do universo gay masculino frente às outras pautas da sigla LGBTIA+, efetivamente é um recorte responsável para evitar uma sopa de letrinhas que em prol de uma representatividade pode vir a subtrair as próprias especificidades, isso seria tanto pior quanto não dar espaço ou voz a outras manifestações sexuais e de gênero.
Mas o que caracteriza uma arte homoerótica? E o que leva uma exposição a ter esse nome? Sua existência afirma a presença de uma outra arte que seja “hétero”? Essa classificação adiciona um novo problema para a história da arte (que já não têm poucos) e o primeiro é da própria tentativa de classificar. Se por um lado existe a necessidade de agrupar uma série de obras artísticas que dialogam com o universo gay, e mais precisamente erotico, para criar uma produção de sentido que traga à luz o protagonismo dessas vivências, apontando que elas existem e que também possuem direito a serem narradas, produzidas e apreciadas. Em contrapartida é questionada se a adição desta nova “caixinha” no armário da história da arte não limita a potência de uma arte que antes de tudo fala sobre os desejos humanos que estão em mesmo nível que qualquer outra manifestação dessa pulsão.
Entre criar um perímetro que dê corpo a um tipo de arte e outro que limita a mesma, fato é que a história da arte não pode se desvincular das expressões artísticas que discutem a sexualidade homoerótica e muito menos dos seus produtores. De artistas que assumiram sua sexualidade e deram voz a ela através de sua produção como Robert Mapplethorpe e em solo nacional cito Hudinilson Junior, aos próprios sujeitos que acabam por compor a historiografia da arte e aqui dou foco a Johann Joachim Winckelmann, historiador da arte alemão, esse campo dentro todas as área do conhecimento humano é o que mais representa e possui a capacidade de acolher as cores da diversidade.
Sendo assim, o Primeiro Salão de Arte Homoerótica reunem seis artistas que não têm nada a esconder, mas pelo contrário, muito a mostrar. Daniel Jaen, Felix D’Eon, Hanz Ronald, Helton Aversa Gutierrez, Paulo Cibella e Paulo Jorge Gonçalves nos proporcionam dentro de quatro paredes um recorte de suas produções que colocam em jogo temas que talvez não fossem contemplados tão sensivelmente em uma tentativa de contar Histórias da sexualidade (2017-2018). Suas obras não buscam trabalhar a narrativa de culpa e de dor que há tanto tempo são associadas ao mundo gay, ainda que verdadeiras e permanentes, mas uma celebração aos próprios prazeres, desejos e amores. O corpo chama a atenção por ser o tema presente em quase todas as obras. Um corpo que ganha protagonismo pelos próprios artistas que discursam em liberdade sobre suas vivências. Esse corpo que a muito tempo foi obrigado a trazer culpa, pecado, profanação e dor, agora sente prazer, se questiona, ama e goza.
A expografia mantém o clássico cubo branco e acerta positivamente em trazer diversas linguagens artísticas como a conhecida pintura, passando por ilustrações e fotografias e chegando ao não tradicional bordado. A curadoria de Paulo Cirella se mostra atual e afiada em dialogar com a história da arte nacional quando seleciona obras como Suruba Neoconcreta (2021) e Putaria Antropofágica (2021) de Paulo Jorge Gonçalves para estimular reflexões no ano em que a Semana de Arte Moderna completa seus cem anos. Seu recorte é provocativo quando traz as paisagens corporais e poéticas de Hanz Ronald mostrando escancaradamente um corpo – mais especificamente uma parte significativa dele – que ninguém tem coragem de discutir, mas adoram se deleitar. E não é menos crítico quando em Sublimação (2021) de Helton Aversa Gutierrez aponta para uma área mais emocional e até mesmo clínica da dimensão de nossos desejos.
Ainda assim é questionador olhar para a exposição e notar que as obras, ainda que tragam o corpo, não revelam os rostos explícitos de quem deseja. Rostos esses que só se materializam quando reproduzidos mimeticamente pelas ilustrações e pinturas. Seria então uma demonstração da relação hierárquica do poder do corpo em detrimento de uma face e subjetividade dentro do universo gay? Fica a reflexão, contudo, durante a experiência de minha visitação observei espectadores, todos masculinos, que passaram pelas obras rapidamente em um misto de vergonha, medo e desejo. Penso que isso não seja sintoma da ausência de conhecimento especializado sobre o universo das artes, mas de uma falta de aceitação ainda enraizada dentro de nós mesmos. Isso indica como a arte em sua potência, e uma arte que assuma a si mesmo enquanto potência, reflete para nós, quase como uma auto análise desavisada, o nosso próprio mundo e tudo o que deve ser reconfigurado, e transbordando esse sentido abrindo caminho para novas relações de possibilidades.
Wellington Luz é graduando em História da Arte pela Unifesp,
fotógrafo documental, pesquisador da esfera das imagens e integrante do coletivo artístico e de pesquisa Moiras.