Resultado de residência artística, obra do artista cubano leva ao Jardim Botânico do museu na Mata Sul do Estado pavilhão que reflete noções de organicidade e materialidade, já nascendo como o maior orquidário aberto à visitação em Pernambuco
Espaço de transformações e simbioses da criação artística com a natureza, a Usina de Arte ganha um novo ponto alto dessa convergência com a inauguração do site “Jardim Frágil”, do artista cubano Carlos Garaicoa. Fruto de residência artística iniciada em 2019, a obra reafirma o projeto museológico do equipamento em ser uma arena de convergências de arte, botânica, arquitetura e paisagismo. Com estrutura de pavilhão, a instalação do artista é inspirada na estrutura geométrica dos cristais e nasce como o maior orquidário aberto à visitação em Pernambuco, propondo diálogos entre a organicidade, mutações e materialidades das orquídeas e do vidro de Murano. A inauguração, aberta ao público, será neste sábado, 22 de março de 2025, a partir das 15h30.
A novidade expande o conceito de jardim, alçando o termo para além de um espaço de cultivo e contemplação da flora, mas também como um território de integração de arte e natureza, estimulando novos olhares para a relação entre a paisagem natural e a intervenção humana. “Brinco efetivamente com o contraste que representa encontrar a relação matemática na natureza e, por outro lado, o caos, ou aparente desordem, que podemos encontrar na vegetação. O jogo entre o controle e a liberdade está presente, não só no pavilhão, mas na obra Jardim Frágil que lhe dá origem. O pavilhão foi concebido como um prisma, uma estrutura ‘controlada’, que serve para abrigar orquídeas, que representam beleza e liberdade absolutas. O mesmo acontece naqueles tipos de ‘cetros’ da instalação, que de um lado possuem um prisma, e do outro uma figura livre em forma de flor, lembrando as orquídeas que o rodeiam”, sintetiza Carlos Garaicoa.
Jardim Frágil é uma espécie de “metaobra”, combinando o pavilhão e seu espaço expositivo de orquídeas com um conjunto escultórico central composto por hastes de ferro, semelhantes às ferramentas utilizadas pelos sopradores de vidro, encimadas por figuras de vidro de Murano, material que há séculos desafia a solidez e a previsibilidade da matéria. Essas peças repousam sobre uma mesa de vidro transparente de formato orgânico, reforçando as tensões entre o rigor geométrico e a fluidez das formas naturais. A instalação se apresenta como uma ilha isolada, envolta pela vegetação e um espelho d’água, criando um espaço contemplativo que se distancia do espectador ao mesmo tempo em que o convida a mergulhar em sua narrativa visual. O trabalho também pode ser apreciado de cima, por meio de uma passarela, permitindo uma visão panorâmica desse diálogo entre estrutura e espontaneidade.
Matemática e liberdade das formas naturais
Conhecido por sua exploração das cidades e da memória urbana, o artista contemporâneo cubano leva para o potente acervo da Usina de Arte uma investigação mais essencial e simbólica. A partir dos estudos de Dr. Krantz e Dr. J.F. Hessel sobre a estrutura cristalina, ele propõe um debate visual e filosófico sobre as formas do mundo e as maneiras como as organizamos e interpretamos. Os prismas de vidro, reproduções de modelos antigos dos anos 1920 adquiridos pelo artista, funcionam como vestígios dessa busca por um equilíbrio entre a rigidez e a mutabilidade. O pavilhão Jardim Frágil, fruto colaboração entre Garaicoa e a arquiteta cubana Jetter Gonzales, expõe que a forma cristalina não é mero acaso. Assim como a obra central, a estrutura investiga a dualidade entre a organização matemática dos cristais e a liberdade formal das formas naturais. O espaço expositivo, portanto, não é apenas um recipiente para a arte, mas parte essencial do discurso poético e estético do todo.
O site specific também dá nova musculatura a outra plataforma museológica da Usina de Arte, que é revisar a trajetória do território onde está inserida em uma perspectiva social. O passado açucareiro da região, em que a extração e a cristalização do açúcar simbolizavam uma ordem socioeconômica também é ingrediente para a estruturação geométrica do trabalho. Assim como os cristais podem se tornar fluidos, Jardim Frágil sugere a possibilidade de novas narrativas, em que a organicidade, a imprevisibilidade e a beleza da manualidade oferecem alternativas às cicatrizes históricas, em um convite ao que há de sólido e de efêmero naquilo que nos cerca, seja na arquitetura, na arte ou na própria vida.
“Essa obra corresponde bem à filosofia geral da coleção da Usina. É um percurso imersivo convidando o público a mergulhar numa obra eco, de um projeto que é ao mesmo tempo um jardim botânico e ao mesmo tempo um parque de arte. O artista colocou no mesmo nível a beleza da criação da natureza com a criação da arte contemporânea”, aponta o curador da Usina de Arte, Marc Pottier.
A chegada de Jardim Frágil também amplia a universalização do acervo de mais de 45 obras da Usina de Arte, que já conta com nomes expoentes da arte no mundo como Marina Abramović, Alfredo Jaar e Anne e Patrick Poirier. “A Usina de Arte sempre foi concebida como um espaço de diálogo entre arte, paisagem e comunidade. Ao longo dos anos, temos ampliado esse compromisso ao trazer para o nosso acervo artistas de diferentes partes do mundo, enriquecendo nossa narrativa e fortalecendo o papel da Usina como um museu vivo, em constante transformação. A escolha de Garaicoa reforça nosso compromisso em trazer artistas que, como ele, desafiam fronteiras e transitam entre arquitetura, urbanismo e poética visual, criando novas formas de perceber e habitar o espaço. É um privilégio acolher um trabalho que dialoga tão profundamente com a identidade da Usina e do Brasil”, afirma a presidente da Usina de Arte, Bruna Pessôa de Queiroz.
Os jardins de Garaicoa
Desde 1997, Carlos Garaicoa tem explorado a temática dos jardins em suas obras, utilizando-os como metáforas para investigar a relação entre natureza e artifício, bem como as dinâmicas sociais e políticas presentes nos espaços urbanos. Um exemplo marcante é a obra “Jardín Japonés” (1997-2000), uma fotografia colorida sobre papel Duraflex que captura a essência de um jardim japonês, simbolizando a busca por harmonia e equilíbrio entre o homem e a natureza. Em “Jardín Cubano” (1996), apresenta uma fotografia que reflete sobre a identidade cubana por meio da representação de um jardim, sugerindo uma conexão profunda entre cultura e ambiente natural. Essas obras demonstram como o artista utiliza o conceito de jardim para questionar e reinterpretar as interações humanas com o espaço, revelando camadas de significado que vão além da mera representação botânica.
A inspiração para o pavilhão “Jardim Frágil” surgiu a partir da coleção de orquídeas do espaço, com mais de 8 mil plantas, e da ideia de desenvolver um orquidário baseado na obra homônima já existente. Essa instalação encapsula a dicotomia entre natureza e artifício, temática central em seu fazer artístico. “Uma das coisas que mais gosto nesta obra é realizar o sonho de um jardim ‘proto-japonês’, pois adoro a tradição dos jardins Zen e o desenho dos arranjos florais japoneses. Por isso, vejo um sonho realizado em ter a minha instalação coexistindo num orquidário feito à medida, onde a natureza e a arte estão fortemente ligadas. A partir daquele ‘casulo’ artificial que constitui o pavilhão somos convidados a contemplar a natureza, do que é artificial e não artificial, e do que é mediado pela mão do homem. Somos convidados a perceber a paisagem, os testemunhos do impacto humano sobre ela, e instigados a sonhar em encontrar um ponto médio de infinitas possibilidades”, finaliza Garaicoa.
Start up Day
Além da inauguração de Jardim Frágil, a Usina de Arte compartilha o 22 de março recebendo pela terceira vez o Startup Day, um dos maiores eventos de empreendedorismo e inovação do País, realizado pelo Sebrae. Neste ano, as atividades acontecem na Biblioteca do equipamento e no Ginásio do distrito de Santa Terezinha, trazendo como destaque na programação a palestra “O novo jogo do mercado: marketing e vendas para negócios inovadores”, com o jornalista Pedro Linds, explorando as tendências do mercado contemporâneo. Com um histórico de recorde de inscrições na Mata Sul pernambucana, o evento promove debates sobre temas como Empreendedorismo, Turismo, Educação e Inteligência Artificial. Nesta edição, a mobilização cresce ainda mais, com a inclusão de duas novas cidades no estado, fazendo parte de uma programação nacional que acontecerá simultaneamente em cerca de 200 localidades.