Escalpo, 1981. Foto: Malu Teodoro e Vinicius Assencio.

DASARTES 117 /

TUNGA

O CORPO EM OBRAS   Nada de didatismo ou politização atinge a exposição de Tunga. Ser didático aqui significaria desenrolar toda a produção do artista na frente do espectador e revelar os elos que ligam uma coisa a outra. Pois a percepção da obra de Tunga se dá por acúmulo. Quanto mais o espectador penetra […]

O CORPO EM OBRAS

 

Nada de didatismo ou politização atinge a exposição de Tunga. Ser didático aqui significaria desenrolar toda a produção do artista na frente do espectador e revelar os elos que ligam uma coisa a outra. Pois a percepção da obra de Tunga se dá por acúmulo. Quanto mais o espectador penetra no seu universo, mais percebe a relação entre seus trabalhos. Um texto sugere imagens e elementos que se materializam em desenhos e esculturas, que se recombinam em várias obras e, em cada uma delas, a matéria ganha novas potências e percepções. O espectador em geral é pego no meio desse caminho, e o que parece muito estranho em um primeiro momento vai pouco a pouco se revelando, à medida que ganhamos intimidade com a multiplicidade da obra do artista.

Tampouco a politização veste bem o trabalho de Tunga. A investigação que faz do corpo e da sexualidade não carrega as marcas discursivas dos movimentos sociais. O corpo na obra de Tunga é forma, sensualidade e transfiguração. Dedos viram falos, que viram dentes. Bocas viram bundas, pernas viram línguas. O corpo tenta achar para si uma nova configuração e uma nova harmonia. Atração e repulsa, confusão e limpidez, brutalidade e delicadeza inervam as obras de Tunga. Tais contrapontos servem mal a qualquer discurso unívoco.

Tunga não é um artista que se compreenda rapidamente. Ou, talvez, Tunga não é um artista que se compreenda, ponto. Suas obras, esteticamente sedutoras, parecem partes de um todo inacessível ao espectador. Como um ímã, atraem outras obras de seu próprio universo, além de atrair referências externas dos mais variados campos. Ao espectador fica a sensação de incompletude, como se algo faltasse para a compreensão total do trabalho. Uma incompletude motivadora, que a cada obra vista parece diminuir, porém, sem jamais ser extinguida. Mas não é essa uma das características da grande arte? Apreciar o trabalho de Tunga é tarefa lenta e exigente. Demorada. Seu tempo não é o das visitas às exposições. Seu tempo é o da convivência.

Sem Titulo, 2014-. Foto: Gabi Carrera.

TUNGA

POR ELE MESMO

“Tunga não sou eu, Tunga é como se chama o meu nome. A procura de ’quem a gente é’ é muito mais intensa do que a procura de identidade. Não se trata da procura da identidade, trata-se da procura de quem você é, dinamicamente. A identidade tem um quê de estático, como se você colocasse o nome e a coisa. A coisa se revela diferentemente a cada fenômeno, então nós somos outro, como na frase de Rimbaud, continuamente, o tempo todo, e isso é uma coisa que me interessa, essa revelação de quem você é, o lado que você vive, o momento que você vive” (trecho da entrevista Rafael Vogt Maia vs. Tunga, 2014).

Gravitação Magnética, 1987.
Foto: Divulgação

“Acho que a obra carrega em si uma indicação de que a partir da radicalidade de uma experiência, da abordagem da radicalidade de uma experiência, é que se constrói uma poética” (trecho do livro “Assalto”, p. 120).

IMAGEM: Resgate, 2001 – FOTO Divulgação

“Estando diante da obra ’Cooking Crystals’, em vez de se perguntar o que pode ser, significar ou representar, nós devemos … ADIVINHAR. Como resultado, o trabalho se abrirá para a confirmar o palpite, coincidindo com sua própria premissa através da posição dos atributos do trabalho” (catálogo Bienal de Moscou, 2009).

: Cooking Crystals, 2009 – FOTO Divulgação

RVMR: Mas, afinal, esses dedos estão apontando para o quê?

T: Para o amor, não? O outro nome dessa exposição é “Eros”. Vejo como uma história de amor com personagens frutos de uma conjunção de amor. O amor no sentido da força da energia da conjunção, capaz de construir a continuidade, que é o Eros. O Eros como aquele que transforma um em três. Acho que, aqui, essas obras, são a presença do Eros, são um, dois, são o três em um (trecho da entrevista Rafael Vogt Maia vs. Tunga, 2014).

Sem Título, 2014.
Foto: Divulgação.

“Vou ‘forçar a barra’ no argumento, mas é para onde ela me remete: a palavra cantada é a encarnação do mistério. O sentido da palavra só se dava plenamente nos textos arcaicos sagrados quando ela era cantada. Quando você lê os papiros ou os textos arcaicos da Caldeia ou da primeira alquimia grega dos séculos I e II, já eram frutos da conjunção do saber que nasce no Egito migrando para a Grécia. Quando essas duas culturas se encontram, sendo a cultura egípcia maciçamente mais poderosa que a grega, ocorre uma espécie de adaptação, de simbiose. Em inúmeros textos, já nessa época, a tradução para o grego da palavra dita sagrada que forma a escritura é criticada, porque eles não tinham a capacidade de emitir o som que fazia com que, uma vez enunciada, presentificasse aquilo que enuncia. Seria como se a palavra se transformasse em signo e não no símbolo enquanto totalidade que lhe dá a presença.”

Vênus de Ambar, 2014.
Foto: Gabi Carrera.

TUNGA: CONJUNÇÕES MAGNÉTICAS •
ITAÚ CULTURAL • SÃO PAULO •
11/12/2021 A 10/4/2022

 

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