Black Ant [Origami], 2009. Foto: © Sarah Morris.

DASARTES 134 /

SARAH MORRIS

DESDE OS ANOS 1990, SARAH MORRIS CRIOU UM EXTENSO CORPO DE TRABALHO QUE REFLETE SEU INTERESSE EM REDES, TIPOLOGIAS, GLOBALIZAÇÃO, ARQUITETURA E METRÓPOLES. ELA UTILIZA TANTO A REALIDADE QUANTO ABSTRAÇÕES IMAGÉTICAS PARA DESENVOLVER UMA NOVA LINGUAGEM PARA LUGARES E SUAS POLÍTICAS

Courtship Spiderweb, 2021. Foto: © Sarah Morris.

Para mim, trata-se de criar uma situação específica que me dê uma descarga de adrenalina, que me carregue. Se você já andou de táxi na Sexta Avenida, em Nova York, teve, ao mesmo tempo, um sentimento de repulsa e empoderamento. Tentei capturar esse barulho ou adrenalina. As pinturas são como imagens persistentes na retina. Não se trata de uma reprodução fotográfica direta. Isso remete mais à ideia de sinestesia: algo como uma impressão de cor após uma emoção, associada a um lugar específico ou a uma experiência de algo linear.

Sarah Morris

 

Sarah Morris vê suas imagens como autogeradoras, abertas à interpretação, movimento e mudança, proporcionando ao espectador uma sensação intensa de fazer parte de um sistema maior. Ao criar uma arquitetura virtual e uma linguagem de formas, suas obras abordam uma ampla gama de temas, como empresas multinacionais, arquitetura, tecnologia genérica de células-tronco, Academy Awards, Jogos Olímpicos, redes de transporte, mapas, ciclos lunares, museus, impressoras, fábricas, moda e sistemas postais, para citar alguns. Política, poder e economia, além de publicidade e entretenimento, estão codificados na estética de suas imagens.

Em seus filmes, criados paralelamente às pinturas, Morris explora a psicogeografia e o caráter dinâmico de cidades em transformação, capturando suas narrativas multifacetadas e fragmentadas. As posições e situações em que a artista coloca a si mesma e aos espectadores refletem as hierarquias em que vivemos. Morris brinca de forma única com a contradição de nossa cumplicidade com as estruturas sociais em níveis macro e micro, sendo considerada uma das artistas mais fascinantes de sua geração.

 

PINTURAS DE PLACAS

 

Com suas primeiras pinturas de placas, Morris brinca com os valores fundamentais da propriedade privada. Os direitos constitucionais nos EUA de portar armas e proteger a si mesmo e a propriedade estão codificados nos imperativos “Cuidado com o cão” ou “Proibido ficar vadiando”. Com a estética reduzida das placas, originalmente encontradas em uma loja de ferragens, a artista mapeia a ideologia capitalista predominante.

PINTURAS DE TEXTO

Em meados dos anos 1990, Morris começou a criar pinturas de texto em grande escala que se apropriavam de histórias sensacionalistas da mídia. Ela produziu pinturas de uma única palavra, combinando o vocabulário de manchetes e linguagem comercial. Palavras como “Mentiroso(a)” e “Nada” preenchem as molduras. Por meio do uso desse vocabulário, Morris expande sua pesquisa de símbolos de poder, controle e psicologia para o reino da mídia de massa.

MIDTOWN

Midtown – Viacom [Times Square Reflection], 1998. © Sarah Morris.

No início dos anos 1990, Morris alugou um estúdio barato na Times Square, onde o contraste entre a vida noturna suspeita e as fachadas brilhantes das grandes corporações norte-americanas são onipresentes. Morris explorou o bairro cheio de adrenalina com sua câmera e começou a interpretar suas observações em sua linguagem visual única. A grade, para Morris, aparece pela primeira vez na forma da corporação.

PINTURA DE RETRATO

Morris transformou um autorretrato fotográfico em um retrato de pixels pintado. Assim como no título da obra SRHMRRS, as vogais conectivas estão ausentes, a artista se submeteu a um processo de abstração que a torna irreconhecível. Sua aparência física se transformou em uma superfície pura, dividida em linhas e campos coloridos.

Morris traduziu seu autorretrato, capturado com uma câmera digital, em um de seus retratos pintados e fragmentados. Assim como a ausência das vogais conectivas no título da obra SRHMRRS, a artista é submetida a um processo de abstração. Sua aparência física se torna pura superfície, dividida em linhas e unidades coloridas.

 

LAS VEGAS

As pinturas Las Vegas focam nos hotéis e cassinos ao longo da Las Vegas Strip. A artista estava particularmente interessada na maneira como a luz eletrônica e a cor são usadas para distração, anunciando o próprio hotel, ecoando, assim, a natureza hermética e autorreferencial de muitas pinturas abstratas.

CAPITAL

Nas pinturas Capital, encontramos formas que refletem as instituições dominantes na capital dos Estados Unidos, Washington, D.C. Cada título dessa série se refere a lugares específicos na cidade (como Capitol Hill ou Departamento de Estado). As pinturas de Morris não espelham a realidade, elas mostram apenas uma acumulação de centros de poder político.

BEIJING

Angel [Origami], 2009. © Sarah Morris.

A série Origami, juntamente com as pinturas Rings, concentram-se na cidade de Pequim, palco de um desenvolvimento capitalista extremo durante os Jogos Olímpicos de Verão de 2008. As pinturas Origami foram baseadas em instruções prontas para dobrar papel e criar figuras de origami. O origami usa o processo simples de dobrar papel para criar uma forma complexa, semelhante ao trabalho de Morris. A artista desdobra essas estruturas enquanto decifra um marco cultural, assim como faz em seus filmes. Rings se concentra nas vias de tráfego cada vez mais congestionadas da cidade, conhecidas como Ring Roads. As estradas podem ser vistas como análogas aos famosos anéis olímpicos e à ideia de um evento performativo que ocorre em série em cidades ao redor do mundo.

POOLS

Pools – Monaco [Miami], 2003. © Sarah Morris.

As pinturas Pools surgiram em paralelo ao filme Miami e abordam o desenvolvimento da cidade de Miami, além de uma visão romantizada do Sonho americano associada à piscina. O padrão irregular das imagens lembra o reflexo na superfície da água de uma piscina – uma imagem simbólica da nova riqueza onipresente da cidade e de sua agenda política oculta.

LOS ANGELES

A série Los Angeles é inspirada na arquitetura espetacular da cidade, em seu plano urbano expansivo e descentralizado, e, acima de tudo, em seu papel como centro do mundo cinematográfico. As pinturas marcam um ponto de virada no trabalho de Morris, pois as grades parecem mais fragmentadas e radicalmente abertas em sua abstração completa e hermética. Os espaços internos em forma de redemoinho criam um poder de atração que parece puxar a imagem para além da realidade da tela como um objeto bidimensional.

CLIPES E NÓS

As formas entrelaçadas da série Clips and Knots se baseiam em diagramas de nós e clipes de papel. Essas estruturas simples de amarração e organização administrativa sugerem uma transição da utilidade duradoura e da burocracia para a organização contingente de texto, dados e material copiado.

Essa série de pinturas foi criada como resposta a um processo por direitos autorais em 2013 referente às suas pinturas Origami. De forma apropriada, os clipes de papel foram criados em vários países e até patenteados, mas desenvolvidos simultaneamente em todo o mundo.

 

JOHN HANCOCK

Nesta série, Morris faz referência ao icônico John Hancock Center, em Chicago. O nome do arranha-céu deriva da companhia de seguros John Hancock Insurance, que, por sua vez, usa o nome do signatário histórico da Declaração de Independência dos Estados Unidos. Por meio dessa conexão, Morris estabelece uma relação entre assinaturas e arranha-céus como símbolos de poder. Ao mesmo tempo, ao usar suas próprias iniciais na obra, ela questiona o papel da assinatura em relação à “marca” das obras de arte e sua confirmação de propriedade.

RIO

Nas pinturas Rio, encontramos novamente as composições abstratas características de Morris, que ela também chama de “diagramas”. Suas telas são compostas por composições vívidas cujas curvas, vetores e esferas interligadas fazem referência a uma maneira de percepção, assim como os contrastes acentuados das várias formas sociais do Rio de Janeiro. As obras fazem referência a uma ampla gama de elementos em torno da metrópole brasileira, como arquitetura, literatura, design, música e paisagem.

ABU DHABI

Adnoc [Abu Dhabi], 2016. © Sarah Morris.

Essa série de obras explora a complexa relação entre cultura, arquitetura e poder – e o museu. Morris investigou Abu Dhabi – o futuro local do Guggenheim Abu Dhabi e do Louvre Abu Dhabi – depois de ser contratada pelo museu Guggenheim para filmar lá. O que costumava ser um deserto é agora uma metrópole. Para visualizar as diferentes percepções desse lugar, Morris utiliza algo que ela chama de sua versão de um código QR.

SOUND GRAPH

War of Roses [Sound Graph], 2019. © Sarah Morris.

As pinturas da série Sound Graph continuam a usar a linguagem da abstração americana, do minimalismo e da pop art. As formas dessa série, incluindo a escultura What can be explained can also be predicted, são baseadas em arquivos de áudio da artista. O ponto de partida são as faixas de áudio de suas gravações de voz. As composições das pinturas, formadas por formas geométricas nítidas, piscam em padrões que parecem fluir pela superfície da tela; assim, uma analogia visual à codificação digital de um arquivo de áudio cria a impressão de um aumento e diminuição do volume.

SPIDERWEB

Dilemma [Spiderweb], 2020. © Sarah Morris.

A série Spiderweb se baseia nas experiências recentes das restrições durante a pandemia de COVID-19. Isso levou muitas pessoas a uma mudança abrupta na percepção do tempo e nos hábitos sociais. Partindo da estrutura improvisada de uma teia de aranha, as composições de linhas das pinturas se convergem e fragmentam em Spiderweb, criando formas em fragmentos e pontos de tamanhos variados. As pinturas, feitas na paleta de cores característica de Morris, abordam a desorientação espacial, a percepção e a consciência.

LUNAR

Morris iniciou as obras da série Lunar como um calendário ou diário durante a pandemia, quando muitas pessoas tinham dificuldade em manter seu senso de tempo. O ciclo lunar serve como uma representação de forças naturais que escapam do controle humano, mas, ainda assim, influenciam significativamente nossas vidas diárias. A série de 12 obras representa cada mês do calendário lunar de 2020. Morris conecta o fenômeno natural à produção industrial de vacinas, evocando sua imagem de processos padronizados e serialização como uma forma.

FILMPOSTER DRAWINGS

“A ideia do papel é de que ele é uma mercadoria circulante com um valor próprio. O papel que uso em minha arte são pôsteres de filmes de todo o mundo. É literalmente uma rede de significado, tempo e produção. Os pôsteres de filmes originais e todas as suas possibilidades narrativas se tornam a superfície real para uma série de desenhos onde eu experimento composições e cores para futuras pinturas. Eles são uma moeda. Eu aprecio a história desse papel. O tempo em que foi feito, o filme que ele promove, a direção e o uso que estou dando a eles. É uma forma de reciclagem.” (Sarah Morris).

Dirk Luckow é autor, doutor e professor
de arte e curadar intendente do museu
Deichtorhallen Hamburg.

SARAH MORRIS: ALL SYSTEM FAIL •
DEICHTORHALLEN HAMBURG •
ALEMANHA • 4/5 A 30/8/2023

 

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