ATUANTE NA FRANÇA E NO EXTERIOR DESDE O FINAL DOS ANOS 1960, SARAH MOON É RECONHECIDA COMO UMA GRANDE FOTÓGRAFA DE MODA; MAS ELA ESTÁ LONGE DE SE LIMITAR A ESTE ÚNICO CAMPO, E O OBJETIVO DA NOVA EXPOSIÇÃO NO MAM PARIS É REVELAR A SINGULARIDADE DE UMA OBRA FOTOGRÁFICA E CINEMATOGRÁFICA OSCILANDO ENTRE REFLEXOS E TRANSPARÊNCIAS, MIRAGENS E OBSCURIDADE
A exposição Sarah Moon – PasséPrésent, dedicada à fotógrafa francesa Sarah Moon, ficará aberta até 10 de janeiro de 2021, no Musée d’Art Moderne de Paris. Sob a curadoria de Fanny Schulmann, o público poderá contemplar o trabalho de Moon para além de sua trajetória como fotógrafa de moda. Além de fotos icônicas que a artista produziu para o mundo da moda, há outras imagens menos conhecidas nessa exposição, como fotos de animais, grandes construções e paisagens na cidade.
Por meio de um recorte não cronológico proposto pela própria artista, a obra fotográfica (e cinematográfica) de Sarah Moon flutua em diferentes épocas, categorias e temas. Essa apresentação atemporal de sua obra carrega em si certo caráter de retrospectiva ao mesmo tempo que propõe diversas formas de ressignificar suas imagens. Entre o preto e branco e o colorido, o reflexo e a transparência, o desfoque sutil e o ponto focal certeiro, essas imagens parecem estar muito além do passado e do presente.

La robe à pois, 1996
No entanto, há um fio condutor fundamental nessa exposição: a artista entrelaça o tempo apresentando fotos do início de sua carreira como fotógrafa de moda na década de 1960 a trabalhos mais recentes, como os mais de dez filmes dirigidos por ela a partir da década de 1990. É como um jogo de memória. Ela (re)monta, por exemplo, uma série com três imagens, entre elas Julie Stouvenel (1989), e atribui a essa série o título de um de seus filmes, Le Fil rouge (2005); e, como subtítulo, o nome de outro filme, Le chaperon noir (2010). A famosa fotografia La robe à pois, de 1996, aparece sob o título Circus, um filme de 2002.

Le bain, 1997. © Sarah Moon
Sarah Moon apresenta suas imagens como um meio para a própria libertação: “foi ao mesmo tempo para me aproximar e me libertar da realidade que instintivamente eu olhei através da objetiva de um aparelho fotográfico”. Essa frase de Sarah Moon está logo na entrada da exposição, na primeira parede branca preenchida por algumas de suas imagens. Como em uma constelação de fotografias em preto e branco, Le bain (1997) se encontra no centro e é a única fotografia colorida: vemos ali o tempo representado pela cor.
Já a última parte da exposição acontece na sala da coleção permanente de Robert Delpire, falecido em 2017. O artista foi companheiro de Sarah Moon por quase 50 anos. A própria Moon selecionou obras e objetos que lembram as diversas atividades de Delpire, grande figura do mundo das artes na França. Ele trabalhou como editor, galerista, produtor de cinema, publicitário e curador, além de ser fundador do Centro Nacional de Fotografia da França.

La lobe rouge, 2010.
Nascida Marielle Warin, em 1939, em Vichy (França), Moon e a família judia fugiram da França ocupada para a Inglaterra quando ainda era adolescente. Ela estudou design e se tornou modelo na swinging London dos anos 1960. Como modelo em Londres e em Paris, Moon trabalhou com a estilista Barbara Hulanicki, fundadora da famosa marca de roupas Biba. Ela também criou looks publicitários para outras marcas renomadas como Cacharel (para a qual trabalhou por cerca de 20 anos), Chanel, Vogue, Comme des Garçons e Dior, e foi procurada por muitos designers ao redor do mundo.
Mas, para além de seu trabalho com a moda, Sarah Moon era também fotógrafa autodidata. Já no fim dos anos 1960, suas fotografias foram notadas em um cenário da moda internacional intensamente dominado por homens. Apesar disso, suas campanhas publicitárias e o trabalho em revistas foram marcados por um estilo bastante reconhecível em toda a obra dela, uma espécie de identificação gráfica.

La statue, 1995. © Sarah Moon
Assim, é possível também notar, na obra de Sarah Moon, um cruzamento entre a pintura (Fashion 4 Yohji Yamamoto, 1999), a escultura (La Statue, 1995) e a fotografia (Sasha Robertson, 1989). Entre essas obras, há pontos em comum: os ângulos e enquadramentos particulares das modelos que Moon fotografava naquele universo que ela conhecia tão profundamente; as composições pictóricas, que parecem ensaios sobre a própria cor (como em Les roses, 1998); o desfoque produzido pelo processo de longa exposição à luz ou pelo movimento dos corpos fotografados. Esse efeito, aliás, conjugado com todos os outros, produz um movimento da própria fotografia: uma dança das imagens.

Les roses, 1998. © Sarah Moon
Foi no fim dos anos 1960 que Moon, ainda Marielle Warin, decidiu deixar a carreira de modelo e aprofundar seu trabalho com a fotografia. Como parte de um olhar que ela criou – um olhar muito distante da moda convencional – a artista escolheu seu novo nome, agora, Sarah Moon. O feminino e a solidão, a infância e a morte são temas bastante presentes em suas imagens. As mulheres desfocadas – e são elas que habitam a maior parte de suas fotos – as enormes batas, as roupas elegantes Cacharel, os vestidos esvoaçantes, os detalhes minuciosos de cada canto da fotografia encenada. Há algo de onírico, fantasioso e até mesmo fantasmagórico nas fotografias de Moon; imagens que se aproximam do real ao mesmo tempo em que dele se distanciam.
Sarah Moon ganhou prêmios importantes, como o Clio Award de Nova York, em 1984, e o Grand Prix National de la Photographie da França, em 1995. Ela também foi a primeira mulher a publicar fotos no famoso Calendário Pirelli. A partir de meados da década de 1980, Sarah Moon concentrou mais seu trabalho em galerias de arte e filmes e segue trabalhando nesse caminho até hoje, aos 79 anos.

Anatomie, 1997.
© Sarah Moon
Certamente, a ideia da mostra não é propor uma simples análise do passado e do presente na obra de Sarah Moon. Ao contrário, a exposição mira no ponto exato em que esses dois tempos se encostam e coabitam o mesmo espaço – algo já anunciado no próprio título: PassadoPresente. O que se evidencia é que o agora, a realidade que vivemos e acessamos, está preenchido pelo ontem. E, ao mesmo tempo, que o ontem só pode existir a partir das fabulações feitas no presente por meio das sinapses, ou dos flashes, da memória.

A Bouche Perdue, 2000. © Sarah Moon
SARAH MOON: PASTPRESENT • MAM • PARIS •
FRANÇA • 18/9/2020 A 10/01/2021
Drika de Oliveira é diretora de conteúdos audiovisuais na
Redes da Maré. Atua como fotógrafa e preservadora
audiovisual na Cinemateca do MAM-Rio. É graduada em
Comunicação Social-Cinema pela PUC-Rio. Membra da
Associação Brasileira de Preservação Audiovisual (ABPA).