http://www.metmuseum.org/art/collection/search/435703

DASARTES 125 /

ROSA BONHEUR

GRANDE RETROSPECTIVA HOMENAGEIA ROSA BONHEUR, UMA ARTISTA EXCEPCIONAL, INOVADORA E INSPIRADORA. CONHECIDA COMO ÍCONE DA EMANCIPAÇÃO DA MULHER, COLOCOU O MUNDO VIVO NO CENTRO DE SEU TRABALHO E DE SUA EXISTÊNCIA. COMPROMETEU-SE COM O RECONHECIMENTO DOS ANIMAIS EM SUA SINGULARIDADE E BUSCOU, POR MEIO DE SUAS PINTURAS, EXPRESSAR SUA VITALIDADE E SUA “ALMA”

Édouard-Louis Dubufe e Rosa Bonheur, Retrato de Rosa Bonheur, 1857. © RMN-Grand Palais (Château de Versailles) / Foto: Gérard Blot.

Mostra do Museu de Orsay se realiza por ocasião dos duzentos anos do nascimento de Rosa Bonheur (1822-1899). A exposição homenageia o trabalho de uma personalidade extraordinária. Ela se estabeleceu como a maior pintora de animais de seu tempo, suplantando seus colegas homens nesse gênero. Ícone do feminismo, símbolo de emancipação das lésbicas, figura visionária por seus compromissos ecológicos, Rosa Bonheur nunca esteve tão em sintonia com nossos tempos.

A exposição abre um novo olhar sobre essa artista e revela aspectos menos conhecidos de sua criação: seu desenho virtuoso, sua verve satírica, suas visões épicas do Oeste americano e seu talento como retratista de animais cuja alma ela capturou tão bem.

DE MARIE ROSALIE A ROSA BONHEUR

Dois coelhos,1840. Foto: © Mairie de Bordeaux, musée des Beaux-Arts, F.Deval.

 

Marie Rosalie Bonheur nasceu em Bordeaux, em março 1822, de pai pintor e mãe musicista. Ela era a mais velha de quatro filhos, todos os quais se tornaram artistas. A família Bonheur se mudou para Paris, em 1829. Apaixonada por animais desde a infância, quando desenhava incansavelmente, a jovem Rosa Bonheur deixou a escola aos 13 anos para ingressar no ateliê do pai. A vida dela se organizou então entre aulas de desenho, modelagem e sessões de pintura ao ar livre no bosque que circundava o apartamento da família. O pai a encorajou a copiar os antigos mestres do Louvre. Participou pela primeira vez do Salão em 1841, com a obra Dois Coelhos. Dois anos depois, assinou pela primeira vez “Rosa Bonheur”, em memória do diminutivo que lhe foi dado pela mãe, falecida prematuramente em 1833.

OS TRABALHADORES DA TERRA

A Lavoura de Nivernais, também conhecida como O naufrágio, 1849. Foto: © Musée d’Orsay, Dist. RMN-Grand Palais / Patrice Schmidt

Rosa Bonheur observava com o maior interesse as relações entre os animais e os homens. Representava suas interações, enfatizando seja a relação de poder exercida pelo homem sobre os animais, seja a harmonia que parecia uni-los. Ilustrava o cotidiano dos pastores e vaqueiros, o trabalho dos carvoeiros e o trabalho no campo. Na década de 1840, ela continuou sua pesquisa cruzando o campo de Auvergne, os Pirineus e Nivernais. Estudou cada raça encontrada. No Salão de 1845, recebeu uma medalha de terceira classe, antes de ser a grande revelação do Salão de 1848. O Estado encomendou então sua primeira obra-prima: A Lavoura de Nivernais, uma homenagem ao trabalho animal, que se tornou um ícone de uma ruralidade feliz.

O MERCADO DO CAVALO

O Mercado do Cavalo, 1855. Foto: © The National Gallery, London.

Famosa graças a A Lavoura de Nivernais, Rosa Bonheur experimentou então um triunfo durante a exibição de seu Mercado do Cavalo no Salão de 1853. Ela se consolidou como uma criadora talentosa, porque abordou um gênero tradicionalmente reservado aos homens e usando o formato muito grande de pintura histórica. A artista pintou a força dos cavalos e a violência dos homens. Ela se inspirava nos antigos frisos do Parthenon enquanto se comparava aos pintores românticos do século 19, como Théodore Géricault (1791-1824). Para preparar essa imensa pintura, ela desenhou muito, fez estudos de detalhes e composições em esboço sobre tela. A pintura original, guardada no Metropolitan Museum of Art de Nova York, não pôde viajar devido à sua fragilidade, mas está exposta uma réplica pintada pela própria Rosa Bonheur com a ajuda da amiga Nathalie Micas.

SUCESSO POPULAR

Bárbaro depois da caça, 1858. Foto: © Philadelphia Museum of Art: Gift of John G. Johnson for the W. P. Wilstach Collection, 1900, W1900-1-2

Muito rapidamente, Rosa Bonheur obteve grande reconhecimento graças à reprodução de suas obras em gravura e litografia. A venda dessas peças foi um sucesso tão grande que permitiu que a obra de Rosa Bonheur fosse acolhida no interior de residências na Europa e nos Estados Unidos. Também ilustrou obras relacionadas com a agricultura ou o mundo animal. Nasceu uma verdadeira “rosamania”: suas obras foram reproduzidas em objetos do cotidiano (papel de parede, caixas de fósforos, etc.). Sua personalidade foi um modelo a ser seguido: uma figura do feminismo de calças compridas e cabelo curto, cujo nome já era reconhecido por seu talento.

Anna Klumpke (1856-1942) foi uma pintora de retratos americana. Estudou pintura em Paris e adorava Rosa Bonheur, a quem se ofereceu para pintar seu retrato. As sessões de poses aproximaram as duas artistas. Rosa Bonheur viu nessa jovem (34 anos mais nova que ela) a pessoa ideal para transmitir seu legado. Em 1898, Anna Klumpke foi morar com ela e se tornou sua herdeira universal. A americana publicou a biografia da artista em 1908. Quando Rosa Bonheur faleceu, em 1899, ela fotografou cada um dos estudos presentes no ateliê para preservar a memória de suas obras antes que fossem dispersas durante uma venda em 1900. Anna Klumpke também preservava o espólio de Rosa.

VIAGENS À ESCÓCIA E AOS PIRENEUS

Estudo das flores e plantas, n.d. Foto: © Nadège Dauga.

Rosa viajou para observar e compreender a vida dos animais e dos homens no campo ou nas montanhas, para depois exprimir na sua pintura a essência dos diferentes terroirs e as especificidades de tal animal ou prática agrícola. A artista viajou especialmente para a França: para Auvergne, Nivernais e Landes. Os Pireneus continuaram a ser um destino importante para a pintora, onde estudou burros e ovelhas. Em 1856, ela foi para a Escócia e lá descobriu as raças escocesas, das quais trouxe estudos que usaria por toda a vida.

A OFICINA DE ANIMAIS

O Rei da Floresta, 1817. Foto: © Christie’s Images / Bridgeman Images.

Na década de 1850, a fama de Rosa Bonheur na mídia foi acompanhada de sucesso comercial. A venda de suas pinturas e suas versões em gravuras lhe permitiu adquirir o Castelo de By, na orla da floresta de Fontainebleau. A pintora procurou uma casa isolada perto da natureza. Uma grande oficina foi anexada à casa. Mudou-se, em 1860, com Nathalie Micas e a sua mãe, que se ocupava da gestão do castelo e do cuidado dos animais, permitindo assim à artista pintar livremente. A propriedade foi concebida como um “domínio da amizade perfeita” ou uma “verdadeira Arca de Noé”, onde Rosa Bonheur estudou os animais diariamente. Cães, cavalos, ovelhas, animais selvagens, veados e javalis foram modelos, amigos e musas.

O ESTUDO NO CENTRO DA CRIAÇÃO

Cabeças e pescoços de vaca marrom. Foto: © Musée d’Orsay/Alexis Brandt.

No Castelo, Rosa Bonheur estudava os seus modelos sempre que lhe apetecia e observava os animais no seu ambiente natural. Ela também estudava a terra, as árvores e sua folhagem. Esboçava as atitudes dos animais todos os dias. Acumulava estudos de detalhes, a lápis, óleo ou aquarela, que iria utilizar para criar novas composições. A pintora havia batizado seu ateliê de “santuário”: é o lugar, quase sagrado, da absoluta liberdade da artista. Ali desenvolveu grandes telas, sob o olhar de bichos empalhados, paralelamente ao trabalho com a natureza, onde buscava captar a centelha de vida em cada animal.

OS GRANDES FELINOS

El Cid – Cabeça de Leão, 1879. © Photographic Archive Museo Nacional del Prado.

Entre os animais pintados por Rosa Bonheur, os leões ocuparam lugar de destaque. A artista iniciou seu estudo dos grandes felinos no zoológico do Jardin des Plantes. Então ela hospedou leões e leoas em By. Ela os desenhou todos os dias e criou um relacionamento real com eles. Pierrette, Brutus, Néro e Fathma foram oferecidos a ela por diretores de circos e zoológicos. Rosa admirou a inteligência e nobreza e se identificou com o poder desses felinos. Ela produziu muitos esboços para criar suas grandes pinturas de leões.

O CHAMADO DO MUNDO SELVAGEM

Cavalos selvagens fugindo do fogo, 1899. Foto: © Château de Rosa Bonheur

A Águia Ferida, 1870. Licenciée par Dist. RMN-Grand Palais / image LACMA.

Descrita antes como realista, a artista utilizou por vezes efeitos que evocavam o romantismo: ambientes nebulosos propícios ao sonho onde jogava com os contrastes entre o preto e o branco; animais enigmáticos e fascinantes. O seu amor pelos cavalos estava imbuído da visão de Géricault, cujas gravuras ela tinha, ou de George Stubbs (1724-1806). Na inacabada Cavalos selvagens fugindo do fogo, ela relatou o movimento de uma manada de alazões. Mais do que sua representação, era a liberdade desses cavalos em um espaço infinito que se tornava o real assunto.

Leïla Jarbouai é curadora-chefe do
Musée d’Orsay, em Paris, França.

ROSA BONHEUR (1822-1899) • MUSÉE D’ORSAY •
PARIS • 18/10/2022 A 15/1/2023

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