
Essa festa virou um enterro. © Pamella Anderson
Tudo em todo lugar ao mesmo tempo. Além de ser o título de um dos maiores fenômenos cinematográficos de 2022, essa frase sintetiza um pouco do que se tornou o nosso dia a dia a partir dos avanços tecnológicos das últimas décadas. Com a inclusão da internet no nosso cotidiano e o domínio das redes sociais sobre nossas vidas, somos, o tempo todo, bombardeados por uma quantidade expressiva de informaçõesimagenscoresformasalgoritmosemojisetudotudoTUDO!!!
Nessa seara, um dos maiores aspectos da cultura pop atual são os chamados memes. Oficialmente, são vídeos, imagens, frases, músicas e tudo o mais que possa viralizar, ou seja, espalhar-se entre vários usuários rapidamente, alcançando muita popularidade. Principalmente associados ao humor, os memes rapidamente se proliferaram para além das redes sociais e chegaram a programas de televisão, ao cinema e, mais recentemente, aos museus e espaços culturais. Um exemplo é o newmemeseum, perfil do Instagram criado em 2020 que se autointitula um museu, acumula 300 mil seguidores e, no ano de 2021, compôs a mostra “Combater ficção com ficção”, em cartaz no ambiente digital do Sesc Pompeia. Tá passada?

Sonhos molhados com Zé Gotinha. © Pamella Anderson
É claro que os artistas contemporâneos não deixariam passar a deliciosa energia caótica que ronda a criação de memes e em algum momento eles deflagariam instigantes produções. Uma das grandes apostas do atual circuito vem de Brasília (Força, guerreira!): Pamella Anderson foi a artista mais votada pelo júri do Prêmio Dasartes 2023. Se isso é estar na pior, pourran, o que quer dizer estar bem né? Hein?! Não, miga, sua loka, ninguém votou na modelo e atriz do antigo seriado Baywatch. Com apenas uma letra “L” diferenciando as duas, esta PameLLa Anderson é uma jovem artista que vem chamando atenção por suas pinturas irônicas, bem humoradas e muitas vezes ácidas, que conjugam o melhor e o pior de nossos tempos.

Pergunta lá no Zapiranga. Fotos: © Pamella Anderson.
A origem do nome pitoresco é uma incógnita. Nome de batismo dado pelos pais da artista, possíveis fãs da loira siliconada? Nome artístico ironicamente apropriado por ela mesma? Não sou capaz de opinar. Quando perguntada, Pamella prefere deixar o mistério no ar: “Gosto da curiosidade que meu nome acaba instigando, porque as pessoas imediatamente o relacionam com a atriz, mas também surge o estranhamento de ‘ué, ela pinta meme, como assim?’. E aí vem a surpresa de quem acaba me conhecendo pessoalmente ao se deparar com uma sapatão baixinha que, em comum com a atriz, só o cabelo descolorido e o branco do olho”.

Bem vindo ao ZapVerso. © Pamella Anderson.
Formada em Bacharelado e Licenciatura em Artes Plásticas pela UnB (Universidade de Brasília) – seu TCC foi sobre memes, apropriação e pintura –, a artista começou a produzir em 2016, quando pintava memes de celebridades. Uma coisa levou a outra e logo estava pintando memes relacionados a figuras e acontecimentos políticos. Por meio do gesto da artista, imagens corriqueiras e amplamente disseminadas pelas redes são elevadas ao status de obra de arte (ou será que sempre foram?) e penduradas nas paredes de museus. E tudo isso se apropriando de um dos suportes mais clássicos da História da Arte: a pintura.

Revolução da Poc. © Pamella Anderson.

Idoso fudendo gostoso um país inteiro. © Pamella Anderson
Um desses exemplos é Idoso fudendo gostoso um país inteiro (2017), pintura em acrílica sobre tela que reproduz um frame de um vídeo de discurso do ex-presidente Michel Temer, publicado com esse sugestivo título no site de conteúdo adulto Xvideos e mostrava o quanto o Brasil tá lascado. E daí pra frente foi só pra trás: outros “mementos” (que, em se tratando da obra da artista, têm muito mais a ver com a junção das palavras “momento” e “meme” do que com qualquer conceito em latim) peculiares que ganharam as mídias e as redes nos últimos tempos também foram “eternizados” nas telas da artista, como um compilado de diversas quedas do jogador Neymar em jogos da Copa do Mundo (sob o jocoso título Kama Sutra) ou a inusitada ação de um torcedor francês que, nu, subiu em um poste com a bandeira de seu país enfiada no ânus (hehehelp) para celebrar a vitória na Copa da Rússia. As pinturas de Anderson são puro dedo no cool e gritaria (às vezes, quase literalmente).

Kama Sutra. © Pamella Anderson.

Liberté egalité dedé no cur i gritarrié. © Pamella Anderson
Antenada e acompanhando a onda pop do momento, atualmente a artista está empenhada na criação de seu multiverso particular, o “zapverso”, um universo fictício baseado em fatos reais que vem sendo construído a partir de memes e elementos surreais retirados diretamente do aplicativo de bate papo WhatsApp. “Personagens” da nossa cultura recente como o Zé Gotinha, o Smile, o Pato da FIESP, o Posto Ipiranga e até mesmo a cloroquina protagonizam composições que aludem a escândalos políticos e fake news disseminados pelo zapzap, “em uma atmosfera de sonho ou pesadelo: o que vai depender da sua perspectiva da terra plana”, segundo a artista. Com cores fortes e sobreposição de elementos, a artista oferece aos espectadores o “puro suco” de um Brasil onde a realidade parece mais absurda do que qualquer quadro de Salvador Dalí.

Correntes, entrei no Zap e veja no que deu. © Pamella Anderson

Correntes, entrei no Zap e veja no que deu.
© Pamella Anderson
E se esse texto pareceu confuso para você, leitor, que não está habituado ao universo dos memes, bem, qualquer coisa me bota no paredaum.
Leandro Fazolla é ator, historiador e crítico de arte.
Doutorando em Artes Cênicas. Mestre em Arte e Cultura
Contemporânea, na linha de pesquisa de História, Teoria e
Crítica de Arte. Diretor Geral do Instituto Cultural Cerne.


