“Ó! isso não é um manifesto, mais ou menos
Ó! interessa que a arte É e ponto. todos os pontos, vírgulas…
é contradição, sempre. é entre. a obra é aberta
aberta à teimosia, à persistência, à utopia
na utopia, o tempo é dilatado, a distância é reduzida
o inútil é deliciado, a matéria é experimentada, o riso é frouxo
inapropriada? sim. pura resistência da inadequação
Ó! nem vem dizer o que pode. aqui pode”
(Curadores Ana Paula Barbosa e Sormani Vasconcelos)
Ó! Se por um lado, tais inapropriações, inutilidades e persistências não teriam a mesma potência se ocupassem outro espaço expositivo na cidade de Brasília. Por outro, através dessa exposição, a deCurators, por não ter uma finalidade comercial, vislumbrar a formação de público e estimular a experimentação em arte contemporânea, materializa a sua máxima “eficiência, amor e selvageria”.
Falamos aqui da inutilidade enquanto um caminho extremamente relevante e útil para a experimentação estética, um apropriado exercício do olhar para o cotidiano (materiais e objetos; ações e sensações) e, até mesmo, para a arte – que pode e é cotidiana. Seria então sobre a arte de viver o cotidiano? Pode ser. Ana Paula Barbosa e Sormani Vasconcelos aproximam, por meio dessa proposta curatorial, uma relação que, muitas vezes, parece impossível ou fugaz entre cotidiano e uma arte que, cada vez mais rentável, parece persistir na intenção de ocupar espaços longínquos. Portanto, o estímulo é persistência.
E em um tensionamento aparentemente contraditório, já que aqui, assim como no cotidiano, há espaço para tensões, a expografia tira partido da concepção de vitrine (voltada para o exterior). Entretanto, são nas escolhas “inapropriadas” (inesperadas) para sua ocupação que podemos notar a persistência da arte. A instalação “Quedas de uma linha própria”, de Cecília Mori, desterritorializa limites e certezas, não apenas no que tange o espaço tridimensional e bidimensional, mas desconstruindo o fetiche inerente ao termo vitrine. Afinal, os materiais empregados nada mais são que borracha automotiva e desenhos em pastel a óleo sobre papel fabriano. Uma obra marcante por sua permeabilidade pulsante perante a modulação dos planos envidraçados da vitrine e das quadrangulares folhas de papel. Uma obra que possibilita ao registro bidimensional do processo de construção do nó em borracha algo tão espacialmente presente quanto o próprio nó escultórico.
Já no âmbito interno do espaço, é o colorido e/da sonoridade dos objetos “inúteis” (galinha de plástico e boia macarrão para piscina) que, ao saltarem do cubo branco expositivo, proporcionam sensações tão inebriantes quanto a exaustão do corpo no espaço e no espaço cotidiano. Exaustão essa latente na videoperformance de Lucas Sertifa (Ir, vir, devir, de 2018) – exaustão enquanto entrega; que, por sua vez, parece permear a animação pixilation de João Angelini (L.E.R., de 2007) – exaustão enquanto esgotamento. Em um dado momento, inclusive, os dois vídeos parecem sincronizados com cabeças indo de um lado para o outro (rapidamente) como quem marca a persistência, a repetição, o ritmo cotidiano.
Cotidiano, cotidianó! Do nó de borracha ao corpo virando nó!