Les Musiciens, souvenir de Sidney Bechet, 1953. Foto © Centre Pompidou, MNAM-CCI / Service de la documentation photographique du MNAN Dist. RMN-GP

DASARTES 99 /

NICOLAS DE STAËL

O CENTRO POMPIDOU REÚNE PELA PRIMEIRA VEZ EM MÁLAGA TODAS AS OBRAS DE SEU ACERVO DO ARTISTA RUSSO NICOLAS DE STAËL. ESTA COLEÇÃO MARCANTE, ENRIQUECIDA POR PELA GENEROSIDADE DO PRÓPRIO ARTISTA, REÚNE AS OBRAS MAIS IMPORTANTES DE NICOLAS E ILUSTRA A JORNADA ARTÍSTICA DESTE TALENTOSO E NOTÁVEL PINTOR ​​DO SÉCULO 20

Sicile, 1954, © Adagp, Paris, 2018, Foto © Jean Louis Losi.

Nicolas de Staël (São Petersburgo, 1914-1955) é um dos artistas mais relevantes do panorama artístico francês desde 1945. A exposição pretende mostrar, por meio de várias das suas obras mais significativas a trajetória excepcional deste artista, que colocou a dialética entre a figuração e abstração no cerne de seu trabalho.

No final da Segunda Guerra Mundial, em Paris, até então considerada a capital internacional das artes, a linguagem abstrata, geométrica e gestual, triunfa no cenário artístico. É nesse contexto que se dá a conhecer um jovem exilado russo: Nicolas de Staël.

Nascido na Rússia, Nicolas de Staël estudou na Bélgica antes de se mudar para a França, em 1938, onde se tornou conhecido por meio de uma exposição na Galerie Jeanne Bucher, em Paris, em 1944. Depois disso, por um período predominou em seu trabalho a abstração até que, em 1952, voltou à figuração, incluindo em sua obra formas recortadas e bem construídas. Em 1953, mudou-se para o sul da França. No auge e no sucesso de sua carreira, em 1955, o artista decidiu dar fim à vida, aos 41 anos.

Les Musiciens, souvenir de Sidney Bechet, 1953.
Foto © Centre Pompidou, MNAM-CCI / Service
de la documentation photographique du MNAN
Dist. RMN-GP

Essa retrospectiva oferece ao visitante uma viagem pela carreira do artista em quatro sequências. O primeiro período ocorre entre 1946 e 1948, e mostra obras pintadas e desenhadas do artista que, na época, se baseavam em uma abstração austera. A próxima seção cobre o período entre 1949 e 1951. A seleção de obras mostra sua evolução para uma pintura em que predominam linhas grossas.

Na terceira sequência, que se passa entre 1952-1953, o retorno do artista à figuração é revelado em suas telas, coincidindo com sua chegada a Antibes e a descoberta da luz mediterrânea em suas obras. Nessa época, ele retratou paisagens e nus, usando cores significativamente mais vivas. Também coincidiu com uma época em que a música desempenhava um papel significativo na vida dele. O último dos períodos artísticos que podem ser vistos nesta exposição apresenta seus últimos trabalhos, que procuram refletir a vida no ateliê.

Agrigente, 1953.
© Adagp, Paris, 2018, Foto © The Fitzwilliam
Museum

1946-1948

Nicolas de Staël respondeu aos debates entre figuração e abstração que animavam a cena artística parisiense do pós-guerra com uma demanda por intensidade e densidade. Nas pinturas desse período, formas desequilibradas se enredam, emergindo das profundezas. La Vie dure, pintura emblemática da obra de Staël, de 1946, já revela com o título as difíceis condições que o artista enfrentava: vivia na miséria, não tinha ateliê de pintura adequado e acabava de perder a parceira dele, Jeannine Guillou.

Em contraponto à pintura, Staël desenhou grandes pinceladas de nanquim que cobrem quase toda a superfície da folha, onde o branco do papel cria espaços de luz. A partir de 1948, as vigas de linhas finas foram desdobradas e emaranhadas em tintas de formato maior.

“No fundo, ele me disse, é possível pintar qualquer coisa de qualquer maneira. O que realmente importa é a densidade, que nunca mente” (Pierre Lecuire, Journal des années Staël, 29 de abril de 1947).

Composition, 1946

1949-1951

No início de 1949, Nicolas de Staël foi para a Holanda e a Bélgica e se inspirou nas paisagens e no claro-escuro dos mestres holandeses. Ele renunciou às formas complexas dos anos anteriores para privilegiar os planos de sombras e de luz, dando uma nova amplitude às suas pinturas. Cruzadas por fortes linhas que cortam o espaço, essas composições se caracterizam por um material grosso aplicado com faca.

Interessado no que chama de entredós (Faixa bordada ou de renda que se costura entre dois tecidos), Staël conseguiu criar uma vibração dos contornos brincando com formas e cores.

A partir de 1951, o material pictórico se estruturou em uma infinidade de paralelepípedos dispostos na tela como as tesselas de um mosaico. As composições eram erguidas como paredes, com blocos formados por um magma de tinta.

“Não oponho a pintura abstrata à figurativa. Uma pintura deve ser abstrata e figurativa. Abstrato na condição de parede, figurativo como representação de um espaço.” Nicolas de Staël, Témoignages pour l’art abstrait, 1952.

Composition, 1949.
© Adagp, Paris. Foto © Peter Willi / Dist. RMN-GP

1952-1953

Em 1952, Staël se dedicou à pintura de paisagens ao ar livre, inspirando-se particularmente no sul da França, onde foi dominado pela força da luz mediterrânea. De volta ao seu estúdio parisiense, ele criou pinturas com tons brilhantes e contrastantes. Os desenhos de nus revelam uma busca semelhante: Staël generaliza os planos de tinta preta que, ao contrário das áreas deixadas em reserva, definem massas traçadas abruptamente.

Durante esse retorno à pintura figurativa, o artista muitas vezes se interessou pelo tema da música, em particular jazz e música contemporânea. Suas cores vibrantes evocam a vivacidade de sons e ritmos, enquanto os tons suaves refletem harmonias mais sutis.

“Fiquei um pouco assustado, em princípio, por essa luz do conhecimento, provavelmente o mais completo que existe, com aqueles diamantes que brilham apenas com um brilho muito breve e muito violento. O “azul desgastado” é absolutamente maravilhoso, depois de um tempo o mar fica vermelho, o céu amarelo e as areias roxas.” Nicolas de Staël, carta para René Char, 23 de junho de 1952.

Paysage,1953. Belem, Berardo Collection, Centro Cultural de Belem, Lisbon, Portugal

Arbre rouge, 1953. Abaixo: Agrigente, peint en Provence 1953. © Adagp, Paris, 2018.

1954-1955

No final de 1953, Staël visitou a Itália, onde desenhou sem descanso, especialmente entre as antigas ruínas da Sicília. De volta à Provença, suas paisagens pintadas e desenhadas mostram uma economia formal que lembra a dos desenhos de Matisse. Essa expropriação coincide com a solidão do pintor, que, em setembro de 1954, instalou seu ateliê em Antibes, às margens do Mediterrâneo.

Staël então começou uma nova pesquisa focada em naturezas mortas. Em grandes desenhos a carvão, variações sutis de cinza transcrevem a vibração da sombra e da luz. Na pintura, nesse período, usou um material mais fluido criando transparências. Uma atmosfera misteriosa e melancólica emerge dessas obras e desses nus fantasmagóricos que aparecem entre as últimas criações do artista, que se suicidou em março de 1955.

Les Toits, 1952. © Adagp, Paris. Foto © Centre Pompidou, MNAM-CCI / Bertrand Prévost / Dist. RMN-GP

Pompidou, MNAM-CCI / Bertrand Prévost / Dist. RMN-GP
Agrigente, 1953. © Adagp, Paris. Foto © Centre

L’Orchestre, 1953

“Não te atormenteis pensando em mim, do abismo mais profundo se volta se as ondas o permitem, e se ainda estou aqui é porque sem esperança quero chegar ao fim das minhas lágrimas, à sua ternura. Você me ajudou muito. Vou chegar à surdez, até o silêncio, mas vai demorar um pouco. Fico sozinho e choro diante das minhas pinturas, que se humanizam aos poucos, muito devagar e ao contrário.” Nicolas de Staël, carta para Pierre Lecuire, 27 de novembro de 1954.

Le Lavandou, 1952.
© Adagp, Paris Foto © Centre Pompidou, MNAM-CCI / Georges Meguerditchian / Dist. RMN-GP

Christian Briend é curador-chefe
do depto de coleções do
Musée National d’Art Moderne,
Centre Pompidou, Paris.

NICOLAS DE STAËL • CENTRE
POMPIDOU MÁLAGA • ESPANHA •
23/7 A 8/11/20

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