
Frame do vídeo Succubus, 2021. Foto: © Monica Piloni.
Minha produção artística se iniciou em 1997, quando entrei na faculdade de Artes em Curitiba, mas, em grande parte, eram materiais perecíveis ou não foram adequadamente registrados, ainda mais em uma época onde ainda não existiam câmeras digitais. Eu considero que a minha produção ficou mais séria e organizada, envolvendo registros e documentação, a partir da minha chegada a São Paulo, em 2004.
BONECA, 2004

Boneca, 2004. © Monica Piloni. Foto: Manoel Marques.
Muitas de minhas figuras femininas têm uma característica em comum, partes do corpo repetidas ou subtraídas. Quando estão na posição ereta, a maioria delas se apoia sobre três pernas.
Boneca foi a minha primeira experiência com figuras humanas tripé. Meus objetivos principais como uma escultora são equilibrar a figura perfeitamente e buscar a originalidade, o tripé é a forma mais eficaz de apoio que se adequa a qualquer superfície irregular. Em relação à originalidade, acho que encontrei com o efeito da surpresa, alcançado por meio de uma ilusão, ao fazer com que a figura pareça que está sempre de costas para quem a observa. O que me chamou a atenção foi a reação unânime do público na busca pela face inexistente. Gente das artes, leigos, crianças e até cães andaram em torno da Boneca em busca da sua face.
É surpreendente nossa necessidade de fazer contato com os olhos, motivada por interação ou aprovação.
AUTORRETRATO TRIPLO, 2007

Autorretrato triplo, 2007. © Monica Piloni. Foto: Christian Johnson
Essa foi a minha segunda experiência com seres tripés, mas agora com um corpo realista de uma mulher. Na busca de aplicar a mesma matemática anatômica bem-sucedida na Boneca, comprei três manequins de fibra de vidro e os cortei em vários pedaços. Produzi dúzias de peças de quebra-cabeça e depois as reembalei, formando o volume de um único corpo.
Durante o processo de serrar os manequins com esmerilhadeira elétrica, a fibra de vidro penetrou por todos os meus poros e, por sorte, não penetrou nas minhas retinas. A técnica nunca foi repetida, embora eu tenha ficado satisfeita com o resultado. De três corpos iguais, formei um único novo indivíduo, um ser onipresente que está sempre de frente para quem o observa, não importa em que ângulo ele esteja.
A experiência de produzir essa escultura foi tão traumática que abriu a necessidade de buscar uma nova alternativa, que se tornou tão recorrente, que apliquei nas minhas esculturas por uma década, o life casting.
ÍMPAR, 2009

Ímpar, 2009.
Foto: © Monica Piloni
Essa foi a minha terceira experiência com um corpo tripé e a segunda com a aplicação da técnica de life casting, ou seja, por meio de gesso ou alginato, produzir moldes a partir de um corpo. É possível registrar na superfície do gesso detalhes de dobras, tendões, músculos e ossos que se projetam através da pele. Essa técnica, que gera um molde que pode ser reutilizado, foi perfeita para a minha necessidade porque basicamente eu repito três vezes algumas áreas do corpo. Depois eu fixo essas partes sobre poliuretano, núcleo de quase todas as minhas esculturas, e acerto as arestas. Áreas menores como mãos, pés, orelhas e face, foram registradas em moldes de alginato. Esse conjunto de detalhes anatômicos fazem com que a composição de uma modelagem pareça realista, mesmo que ela não seja totalmente fiel à realidade.
Além dessa técnica, o grande salto de Ímpar, em relação à Autorretrato triplo, foi a alteração do eixo da postura do tronco. Nesta, ela se inclina levemente para trás, possibilitando a subtração de três seios em vez de seis quando a postura estava ereta. Na anatomia de Ímpar, o número três é soberano, ela tem: três seios (em vez de um par), três umbigos e três vaginas (em vez de únicos). Tudo isso graças ao efeito de giro do caleidoscópio que foi aplicado.
BAILARINA, 2007

Bailarina, 2007. © Monica Piloni. Foto: Christian Johnson
Entre Autorretrato triplo e Ímpar, eu tive a vontade de eliminar o tripé e fazer com que uma figura praticamente flutuasse. Para isso, eu teria que utilizar algum tipo de estrutura. Foi observando o empilhamento de caixas de papelão no meu ateliê que a ideia de empilhar caixas transparentes, com seus conteúdos visíveis, surgiu. Talvez devido à minha curta experiência frustrada no ballet, a bailarina clássica passou pela minha cabeça como uma figura meio kitsch, com seu tutu e sapatilhas de cetim e se equilibra sobre uma mínima área de um centímetro quadrado em contato com o chão. Imediatamente, eu tive a certeza de que ela seria a personagem perfeita para ser desmembrada e cada parte do corpo dela isolado dentro de uma caixa individual sob medida. Ao empilhar as caixas, eu poderia inclusive mudar a pose dela com o auxílio de caixas transparentes retangulares que poderiam mudar da vertical para a horizontal para suspender certos membros na posição desejada. A Bailarina foi minha primeira experiência com o life casting, tive a colaboração de dois modelos vivos femininos e o meu próprio corpo, então, considero-a uma espécie de “monstra” de Frankenstein.
HAVERIAS DE QUERER MINHA ALMA? (DA SÉRIE NO MEU QUARTO), 2014

Haverias de querer minha alma? (Série No
Meu Quarto), 2014. Foto: © Monica Piloni.
Apesar de essa série ter sido produzida profissionalmente em 2014, a ideia original é de 2007, e foram registros feitos a partir de uma pequena câmera digital amadora que eu tinha em mão na época em que Bailarina estava sendo produzida. As partes do corpo dela ficaram prontas antes porque as caixas de acrílico deveriam ser produzidas sob medida. Enquanto elas aguardavam suas caixas, elas precisavam ficar em um lugar seguro para não serem danificadas. Então, durante aproximadamente um mês, elas ficaram repousadas aleatoriamente sobre a minha cama, durante o dia, e sobre o sofá, durante a noite.
Esse trânsito de membros e cabeça de um lado para o outro renderam esses pobres registros em resolução, mas muito ricos, que poderiam render outro trabalho. Em 2014, finalmente abri minha individual na galeria Fass (atual Utópica) com uma série de sete fotografias produzidas baseada nesses registros. O título da primeira fotografia da série foi emprestada da primeira frase do poema Do Desejo, de Hilda Hilst: “E por que haverias de querer minha alma na sua cama?” e, para os demais títulos, tomei de inspiração a técnica de cut-up dos dadaístas e popularizada por Burroughs para criar uma espécie de monólogo interno: “Haverias de querer minha alma?”, “Porque na minha cama não há alma alguma”, “Na tua cama ou na minha alma?”, “E se não houver mais alma?”, “E eu pergunto: por quê?” e, finalmente, “Minha alma sob a cama”.
MONICA PILONI •
GALERIA ZIPPER • SÃO PAULO
27/9 A 29/10/2022

