Nascido no Rio de Janeiro e baseado em Brasília, Matias Mesquita é o artista escolhido pela equipe curatorial da Dasartes para o concurso Garimpo deste ano. Graduado em Desenho Industrial pela PUC-Rio, com passagem pela Escola de Artes Visuais do Parque Lage, o artista desenvolve trabalhos híbridos, onde a pintura encontra a arquitetura e materiais de construção, fazendo com que o suporte se torne parte da imagem construída.

Notívagos I e II, 2018.
Distanciando-se dos suportes tradicionais da pintura, Matias Mesquita trabalha sobre materiais como concreto, alvenaria, tijolos e chapas de alumínio, vestígios da realidade urbana que complementam as cenas pintadas e fornecem indícios de seu contexto de produção. O que a princípio poderia ser entendido como vazio, nos trabalhos de Matias têm significados mais complexos, induzidos pelos materiais utilizados. É o caso de Fila Única (2014), onde figuras monocromáticas de pessoas enfileiradas – cena típica do cotidiano urbano, sintoma de uma máquina burocrática – ocupam menos de um terço dos suportes: um conjunto de placas de madeira, cimento, gesso e drywall. Onde não há imagem figurativa, há o próprio material produzindo outro tipo de imagem, ativada pela percepção do observador. Os suportes figuram como uma paisagem urbana em um processo onde o ready-made e a tradição pictórica se encontram. Essa operação é evidenciada em um desdobramento do mesmo trabalho, produzido em 2018, ocasião em que as figuras ganham cores e os suportes adotados pelo artista são um portão de aço galvanizado e uma porta de escritório.

Fila única, 2014 (detalhe).
Uma característica marcante da produção de Matias Mesquita é o contraste entre a delicadeza de sua pintura e a brutalidade dos materiais utilizados. O fotorrealismo, compreendido como uma corrente do “retorno à ordem” em contraponto às experimentações das vanguardas e neovanguardas, é subvertido pelo artista ao substituir a neutralidade da tela por suportes não convencionais, pelos quais a imagem pictórica se deixa contaminar. Rachaduras, imperfeições e marcas do tempo encontradas nos materiais interessam ao artista e se tornam parte da composição. Além disso, afirmam o caráter experimental de seu processo. Em trabalhos como Iminência (2014), Farnese (2014) e a série Notívagos (2018), é possível perceber o uso deliberado que Matias faz dos materiais, que nunca são compreendidos como meros suportes para a pintura. Tradição e atualidade se chocam nos trabalhos mencionados, que atualizam a ideia de pintura de paisagem, gênero que começa a ganhar importância no Renascimento, quando o quadro é compreendido como uma espécie de janela. As nuvens pintadas com tratamento realista por Matias evocam uma tradição pictórica, impactada sobretudo pelos românticos e pelos impressionistas, com seu desejo de materializar o impermanente. O artista transmite esses motivos impalpáveis para materiais que, embora considerados duradouros, também têm aparência fugidia, como comprovam suas marcas de desgaste.

Farnese – Cabeça, Troco, Membros, 2014.
Construção irregular (2018) evoca moradias populares e também faz parte da série de reprocessamentos do gênero pictórico da paisagem conduzido por Matias Mesquita, em diálogo com as vertentes construtivas da arte. Os diferentes materiais de construção adotados pelo artista reforçam a amplitude do campo da pintura, que não apenas se refere à paisagem e à arquitetura, como também se funde aos elementos que as constituem. Aqui vemos, mais uma vez, a ausência de tratamento pictórico outorgando protagonismo aos suportes, que se impõem diante dos suaves azuis gravados em parte de suas superfícies, além de reforçar a ambivalência da composição, que poderia ser compreendida como uma série de horizontes, mas também como formas abstratas, uma vez que não há qualquer elemento que indique uma intenção naturalista. Como de praxe, Matias Mesquita dá abertura à subjetividade do observador, tornando-o também agente em seu processo construtivo.

Construção irregular, 2018