
Sem título, 2017
Manassés Muniz é um dos vencedores do Concurso Garimpo 2019/2020 por voto popular. Natural de São Miguel dos Campos, Alagoas, Muniz reside atualmente em Belo Horizonte, onde cursa Artes Visuais com habilitação em Gravura, na Universidade Federal de Minas Gerais. Dedicando-se ao desenho e à gravura, sua produção segue duas linhas principais: uma série de bestiários e outra composta por desertos industriais, figuras e paisagens que têm a ruína como elemento central de sua composição, mas trilham um caminho distinto ao da nostalgia romântica.
A angústia, o silêncio e o abandono são as principais marcas expressivas de seus trabalhos figurativos, que em geral são monocromáticos e de traços turbulentos. Nas paisagens, sobretudo naquelas que apresentam fábricas e galpões industriais, a perspectiva é um recurso utilizado para marcar a densidade do espaço e reforçar seu aspecto vazio e de abandono.
As expansivas construções, que parecem não ter limites, compõem ambientes oníricos e sombrios, onde não há qualquer traço de regionalidade que possa os remeter a uma localidade específica, entretanto, tais elementos são de imediato reconhecidos como resíduos de um sociedade pós-industrial. Reiterando essa ausência de referenciais geográficos, o artista persiste no caminho da redução, tornando tênue a linha entre figuração e abstração. O que se vê são cenários melancólicos, sem indícios de figuras humanas, com fortes contrastes entre claro e escuro que operam na divisão da composição: de um lado, o espaço edificado com suas pesadas formas negras, do outro, a ruidosa paisagem com sua relativa claridade, cisão que revela ecos de uma sociedade dividida em muros. Se o contexto geográfico é um mistério, pois isso pouco importa, o que se evidencia é sua contemporaneidade.
Os seres fantásticos concebidos por Manassés Muniz, embora façam parte de outra série de trabalhos, poderiam compor adequadamente as paisagens mencionadas anteriormente. Eles são igualmente tenebrosos, misteriosos e angustiantes, o que revela a consistência do universo imagético produzido pelo artista em distintos trabalhos. A horizontalidade é uma característica comum na série de bestiários. Esses seres estão sempre rastejando ou próximos ao chão, corroborando sua condição decadente. O desespero, a dramaticidade e a violência também são atributos expressos nessas imagens, cujo caráter alegórico deve aqui ser pontuado. De natureza tão hostil quanto as paisagens de Muniz, esses seres exprimem as condições do mundo atual.
A produção brutal e visceral de Manassés Muniz encontra na gravura sua expressão visual ideal: a violência sobre a matéria, resultado de uma operação manual cujos traços são conservados na imagem, vão ao encontro de seu anseio estético. Se há atualmente uma corrente de influência pop, que lida com os males da contemporaneidade de maneira irônica e contaminada pelo universo das imagens banais, Muniz segue o caminho contrário, de cunho existencial e retorcido, revelando outra expressividade para os traumas contemporâneos.
Thiago Fernandes é crítico,
historiador da arte e doutorando
em Artes Visuais pela UFRJ.