Desde o advento da arte moderna, a pintura de caráter representativo ora é combatida, ora é celebrada pela crítica. Clement Greenberg, crítico norte-americano e principal defensor do Modernismo, engajado sobretudo com o expressionismo abstrato, acusava os grandes mestres do passado de utilizar a “arte para ocultar a arte”, enquanto os modernos, segundo o crítico, afirmavam a planalidade do quadro. A planalidade, por ser a única característica que a pintura não compartilha com outras artes, deveria ser o atributo ao qual ela deveria se voltar para afirmar sua autonomia em relação ao mundo que lhe é exterior e, enfim, abolir a ideia de representação.

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Essa teoria formalista da autonomia dos meios artísticos, defendida por Greenberg, teve seu prazo de validade decretado pela arte contemporânea, que é multidisciplinar, multimidiática ou ainda transmidiática, além de retomar a figuração em muitas de suas manifestações, como a pop, a nova figuração, o neoexpressionismo e o hiper-realismo. A arte, contudo, continua atuando no território da liberdade na medida em que o artista se libera de quaisquer regras ou funções específicas que possam condicionar sua produção e, sobretudo, quando propõe ao espectador um exercício de sensibilidade e livre interpretação por meio do olhar. Dentro desse caminho, encontramos a obra hiper-realista de Luiz Escañuela, jovem artista paulista em exibição na Luis Maluf Art Gallery.

Rogo
O hiper-realismo costuma provocar imensa admiração e êxtase em grande parte do público, que glorifica a capacidade do artista em produzir com tinta e pincel imagens tão fiéis à realidade, capazes de serem confundidas com fotografias em alta resolução. Já outros questionam a validade de uma arte mimética na contemporaneidade e creem que não há muito a ver ou pensar sobre esse tipo de produção pictórica. Mas Luiz Escañuela nos prova o contrário. Suas pinturas não se restringem a um caráter meramente descritivo. Elas convidam o espectador a um complexo percurso pela tela por meio do olhar, conduzido por uma experiência subjetiva do tempo. Um olhar distraído, superficial, é incapaz de apreender o que as pinturas de Escañuela têm a oferecer. Elas demandam a participação do espectador, sua imersão em um exercício de liberdade do olhar modulado por uma temporalidade subjetiva.

O outro do outro.
Ver também é uma ação. Ter essa ideia em mente nos ajuda a desconstruir a ideia do espectador como um ser passivo e a dicotomia espectador-participante, colocada por uma arte participativa no senso estrito. Sendo assim, a experiência diante dos trabalhos de Escañuela não se encerra na identificação das imagens apresentadas ou na constatação de sua exímia qualidade técnica. As telas do artista propõem percursos labirínticos pela sua superfície que há tanto a mostrar e, nesse trajeto pela imagem, o espectador cria seu próprio mundo sensível, percorre o objeto artístico com o olhar, exercendo sua capacidade interpretativa, criando associações, dissociações, em uma experiência singular de empatia. Ademais, a pintura de Escañuela parece ativar outro sentido além da visão: o tato. A linha, em seus trabalhos, evoca a tradição da composição renascentista conferindo solidez e qualidade tátil às formas. Esse atributo tátil é levado ao extremo com a técnica hiper-realista que é capaz de confundir os sentidos, fazendo-nos sentir a textura, a temperatura e o toque, apenas com o olhar.
- VIAS (em processo)
- VIAS
O tato é não apenas o sentido evocado pelas pinturas de Escañuela, mas também, seu tema. Seu acervo imagético é composto por mãos que se encontram ou se atritam com o corpo, pés que se entrelaçam, corpos que parecem clamar pelo toque do outro. Algumas pinturas exaltam uma sensualidade melancólica. Outras enobrecem as imperfeições do corpo humano, que parecem ganhar valor estético pelo modo como são trabalhadas pelo artista. Escañuela se aparta dos ideais de beleza ao mesmo tempo em que se distancia de uma pura mimetização do real. O artista compõe suas pinturas a partir de fragmentos de diferentes referentes fotográficos, mas não para alcançar uma suposta perfeição, pois a essas imagens acrescenta rugas, manchas e traços que reforçam sua humanidade, mais do que a própria fotografia conseguiria.

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Por fim, não se pode deixar de salientar a qualidade expressiva das pinturas de Escañuela. A dramaticidade ocasionada pelo uso deliberado das linhas e das cores evoca uma poética barroca e lhes dá vida. Mesmo nas pinturas que se limitam a apresentar apenas rostos, a dramaticidade é proporcionada pela cuidadosa iluminação, pelo tratamento expressivo conferido a cada elemento da face e pelas pinceladas milimetricamente calculadas que se atentam a detalhes que são pequenos, mas agregam muito à composição.

Autorretrato