Em 8 de dezembro de 1992, Lucian Freud completou 70 anos. Considerado então o maior pintor vivo da Grã-Bretanha, após a morte de seu amigo Francis Bacon, no início daquele ano, ele havia deixado James Kirkman, seu galerista de longa data, para trabalhar com o marchand nova-iorquino William Acquavella. Ao concordar com a representação, Acquavella também assumiu as dívidas consideráveis de Freud, concedendo a ele tempo e espaço para se concentrar em sua pintura. Freud usou esse tempo para trabalhar em um de seus projetos mais desafiadores até o momento: um autorretrato nu, completo. Nos sete meses seguintes, Freud trabalhou para concluir a tela a tempo da abertura de uma grande exposição na Whitechapel Art Gallery, em Londres.
Quando foi revelado, Painter Working, Reflection (1994) foi imediatamente reconhecido como um dos grandes autorretratos da arte do pós-guerra e uma das realizações mais profundamente comoventes de Freud. Este ensaio examinará a produção dessa pintura notável e seu lugar na obra de Freud.
Freud vinha pintando e desenhando sua própria imagem há mais de meio século, desde a adolescência. Pouquíssimos artistas na história da arte produziram autorretratos durante um período tão longo de tempo. Como Rembrandt, de quem Freud era um grande admirador, ele produziu pelo menos um autorretrato em cada período-chave de sua vida. Eles fornecem um registro fascinante de seu estado de espírito em certos momentos, das mudanças em sua técnica ao longo do tempo e dos riscos que ele estava disposto a assumir, tanto na vida quanto na arte, em prol dessa obra.
Talvez haja duas razões principais pelas quais Freud continuaria a perseguir essa narrativa em primeira pessoa ao longo de tantos anos. Por um lado, ele estava interessado em entender e experimentar o escrutínio, o tédio e o rigoroso processo físico ao qual seus modelos eram rotineiramente sujeitos. Por outro, ele estava curioso para examinar seu próprio corpo, expressão e condição psicológica. Freud admitiu ter lutado com o autorretrato ao longo de sua carreira. Perguntado uma vez se ele era um bom modelo para si, Freud respondeu: “Não aceito as informações que recebo quando me olho e é aí que o problema começa”.
Freud pintou seu primeiro autorretrato importante em 1943, quando tinha apenas 21 anos. O homem com uma pena é o maior e mais ambicioso trabalho que ele produziu durante os anos de guerra e representa um momento decisivo em sua maturidade artística inicial. Desde o início, Freud trabalhou o specchio, com a ajuda de um espelho, e não de fotografias. “A informação coletada do espelho é um tipo de informação muito diferente”, disse ao biógrafo e pintor Lawrence Gowing.
Mais tarde, ele atribuiu essa diferença à qualidade da luz. Em seu recente estudo da história do autorretrato, James Hall examinou o papel do espelho no desenvolvimento do gênero. Embora espelhos de algum tipo já existissem na antiguidade, eles se tornaram mais comuns durante o Renascimento. Hall vincula o verdadeiro florescimento do autorretrato, por volta de 1500, à invenção de espelhos de vidro planos, com espaldar laminado, produzidos e distribuídos em Veneza: “É como se, de repente, os artistas da Europa Ocidental pudessem se ver.” Os espelhos de vidro só foram produzidos na França por volta de 1700; dizem que custavam seu peso em ouro. Provavelmente, é esse tipo de espelho que Freud usaria para capturar sua figura de três quartos em Man with a Feather, e anos depois para Painter Working, Reflection. Ele costumava deixar espelhos espalhados pelo estúdio, na tentativa de encontrar ângulos e perspectivas inesperados. Um grupo de desenhos do final da década de 1940 – entre eles Man at Night (1947-1948), Self-portrait with Hyacinth in Pot (1947-1948), Startled Man: Self-portrait (1948) e Narcissus (1949) – mostram-no experimentando exatamente dessa maneira.
O espelho ajudou Freud a alcançar certa distância de sua própria aparência e a evitar pintar uma imagem mental de si mesmo, mesmo que isso tornasse a jornada para chegar lá mais cansativa. “Você precisa tentar se pintar como outra pessoa. Olhar no espelho é tenso de uma forma que olhar para as outras pessoas”, disse ele. O uso de um espelho também traz, inevitavelmente, uma sensação de confronto.
Enquanto muitos dos modelos de Freud desviam o olhar do espectador e parecem perdidos em seus próprios pensamentos, o modelo de seus autorretratos sempre olha diretamente para o espelho e, por extensão, diretamente para o espectador. Em Self-portrait (1952), pintado a bordo de um banana boat a caminho da Jamaica, Freud olha para o espelho no banheiro de sua cabine, mordendo um dedo. Dois anos depois, em 1954, ele pintou seu primeiro autorretrato de corpo inteiro. Hotel Bedroom é um retrato duplo do artista e sua segunda esposa, Lady Caroline Blackwood, no Hôtel La Louisianeem Saint-Germain, Paris. Freud fica de pé contra a luz da janela, olhando para o espectador, enquanto Caroline está deitada na cama embaixo dele. O casal se casara no ano anterior, mas a tensão que acompanhava o relacionamento era óbvia. A pintura, carregada de melancolia, foi considerada por muitos na época chocante e cruel.
Após uma pausa de vários anos, Freud produziu vários autorretratos em rápida sucessão em 1963 e posteriormente, em 1965, pintou Reflexo com duas crianças, criado a partir de um espelho no chão. Ao longo dos anos 1960, alguns de seus autorretratos mostram as molduras dos espelhos usados, deixando claro que o tema das pinturas é seu reflexo. Em Small Interior (1968-1972), Freud aparece segurando sua paleta e um pincel, em uma referência à longa história de autorretratos de ateliê, que se estendeu até As Meninas, de Velasquez, e A Arte da Pintura, de Vermeer. Entre as obras mais recentes, Freud tinha particular atração por O Ateliê do Pintor, de Gustave Courbet, tendo inclusive recriado seu cenário para uma fotografia em 1992.
O artista continuou executando autorretratos em papel nos anos 1970, e em pintura nos anos 1980. Para um deles, Reflection (Self-Portrait) (1981-1982), Freud usou três espelhos, criando um jogo de reflexos que dava a impressão de que o modelo parecia não saber estar sendo retratado. Ao longo dos próximos anos, abandonaria composições espaciais complicadas em favor de close-ups mais intensos de sua cabeça e ombros que trazem à tona, pela primeira vez, o tema da passagem do tempo.
Assim, chegou-se ao autorretrato mais importante de sua carreira, Painter Working, Reflection (1994), que reúne sua experiência anterior e o reconhecimento impiedoso de seu corpo e da passagem do tempo sobre ele. O que o torna radicalmente diferente é a nudez do corpo inteiro do pintor, que aparece pela primeira vez. Autorretratos nus são raríssimos antes de 1900 e, mesmo nos séculos seguintes, poucos pintores ousaram fazê-los. Freud sempre se interessou pelo autorretrato nu e esse foi o desafio proposto a seus alunos no Norwich College of Art, em 1964. Muitos acharam ofensivo, mas Freud se defendeu: “Quando alguém está nu, não há o que esconder. Nem todos querem ser tão honestos sobre si mesmos”.
Iniciada pouco antes de o pintor completar 70 anos, a pintura foi abandonada e retocada inúmeras vezes antes de ser considerada pronta. Freud a via como um ritual de passagem. O resultado é uma obra profundamente humana, ao mesmo tempo um desafio e uma admissão de fragilidade. Como os autorretratos tardios de Pierre Bonnard, ele faz perguntas sem fornecer muitas respostas.
A tinta permanece pesada neste corpo, respingando e parecendo rachar em alguns lugares. O artista olha com resignação o que vê no espelho: um homem de 71 anos, veias salientes, pele caída nos lugares que invariavelmente acontece em certa idade. É pura autoconsciência e uma imagem magnificamente confessional; um pintor despido de certas dignidades, mas, mesmo assim, continuando a fazer o que faz de melhor – observe com muito cuidado a condição humana, incluindo a condição do artista. A pintura é honesta e implacavelmente não sentimental e demonstra a disposição de Freud de assumir riscos e seu total compromisso com esses riscos.
A idade de Freud lança uma sombra cada vez maior sobre o trabalho: “É sempre um pensamento estimulante que essa possa ser a última imagem (…) Não quero me aposentar, quero me pintar até a morte”, disse o artista.