O artista e ativista Keith Haring (1958-1990) surgiu como parte da vibrante cena artística do centro da Nova York dos anos 1980. Ele é reconhecido por seus, enganosamente simples, ícones inspirados em desenhos animados.
Comparadas a hieróglifos modernos, suas imagens eram sintomáticas da energia e do espírito da década. Haring combinou ideias e técnicas do grafite e da pop art, e democratizou a arte ao criar colaborativamente murais em espaços públicos. Isso lhe permitiu espalhar suas mensagens artísticas e políticas para vários públicos. Ao longo de sua curta, mas ainda assim, deslumbrante carreira, o trabalho de Haring refletiu um profundo compromisso com a justiça social e o ativismo, principalmente em relação à epidemia de HIV/aids. Para Haring, isso tinha motivações pessoais poderosas, com o vírus afetando muitos de seus amigos artistas e conhecidos, e o próprio artista morrendo de complicações relacionadas à aids em 1990.
Haring cresceu dentro de uma família unida em Kutztown, Pensilvânia, desenvolvendo um amor pelo desenho desde menino. Mudou-se para Nova York, em 1978, para começar a estudar na Escola de Artes Visuais (School of Visual Arts – SVA). Instalou-se no então enérgico bairro East Village, no centro da cidade, rapidamente se tornando um dos principais contribuintes para seu cenário cultural diversificado e liberal. Seu trabalho teve influências de várias fontes históricas e teóricas da arte. Isso o levou a conceber sua imagética como uma linguagem visual distinta, projetada para comunicar significados abertos. Inicialmente, ele ganhou notoriedade ao criar milhares de desenhos de giz no metrô de Nova York, recebendo posteriormente um reconhecimento mais amplo por meio de exposições internacionais e colaborações de alto nível. Sua imagética acabou se tornando uma abreviação visual dos Estados Unidos dos anos 1980 para o mundo. O trabalho de Haring forneceu comentários pungentes, explícitos e positivos sobre questões vitais de sua época – HIV/aids, dependência de drogas, racismo, liberdades sexuais e o poder do amor – que permanecem relevantes para o público até hoje.
PRIMEIRAS OBRAS
Incentivado pelo pai e influenciado por Walt Disney e Dr. Seuss, Haring desenvolveu na infância um amor por desenhar os desenhos animados a que assistia.
Sua educação formal começou em 1976, em uma escola de artes gráficas em Pittsburgh. No entanto, desistiu após dois semestres, percebendo que queria se expressar mais livremente do que a arte comercial permitiria. Haring continuou criando e se interessou pelo trabalho de pintores expressionistas de meados do século 20, como Pierre Alechinsky e Jean Dubuffet. No trabalho deles, Haring via como a energia e a espontaneidade da arte infantil poderiam ser aproveitadas nas mãos de um artista maduro. Nesse espírito, convenceu-se de que a arte deveria ser direta e sem preconceitos.
Essa atitude aberta pode ser vista nos primeiros trabalhos da SVA de Haring, onde estudou de 1978 a 1980. Ao estudar com artistas como Keith Sonnier e Simone Forti, ele foi exposto a ideias associadas à performance, arte conceitual e videoarte. Foi um período de rápida descoberta artística dentro de uma comunidade artística vibrante e interdisciplinar. Haring escreveu que seu trabalho se tornou mais experimental por meio de sua “associação constante com escritores, dançarinos, atores e músicos”.
Haring experimentou o vídeo pela primeira vez, desenvolvendo sua abordagem de “pintura performance”. Também se interessou pela semiótica – o estudo de sinais e símbolos – e criou colagens no estilo punk, justapondo palavras e imagens fotocopiadas com elementos autobiográficos. Esses foram motivados pelo interesse em fazer um trabalho socialmente ressonante e comunicativo.
ARTE PARA AS RUAS
Ao chegar a Nova York, Haring imediatamente reconheceu que as ruas da cidade eram espaços legítimos para mostrar arte. O grafite estava por toda parte, e ele admirava as formas estilizadas das letras e as linhas imprecisas pintadas com spray, comparando-as às feitas por pintores abstratos ou calígrafos tradicionais chineses e japoneses. Ele admirava especialmente o “grafite literário” feito por Jean-Michel Basquiat, com quem Haring fez amizade em 1980.
Em 1978, ele criou seus primeiros trabalhos de rua, apresentando pequenos fragmentos de suas pinturas abstratas e colagens feitas usando manchetes de jornais em locais públicos. No entanto, naquele verão, após seus trabalhos experimentais na SVA, Haring voltou a fazer seus desenhos à tinta no estilo cartoon. Assim como um grafiteiro, ele os executava rapidamente com linhas instintivas e de fluxo livre. Seu vocabulário visual – um dicionário de imagens – aparentemente chegou totalmente formado.
Neste momento, Haring começou seus desenhos no metrô de Nova York, executados aos milhares, com giz sobre os papéis pretos vazios utilizados para cobrir anúncios velhos. Isso deu a Haring uma maneira de trabalhar com os grafiteiros que ele admirava sem copiá-los diretamente. Documentadas pelo artista Tseng Kwong Chi, essas obras não assinadas e a performance pública de produzi-las fizeram de Haring um fenômeno da mídia. Haring fazia seus desenhos no metrô em um ritmo incrível, às vezes criando até quarenta por dia, de 1980 a 1985. À medida que a fama de Haring cresceu, também aumentou o desejo por seu trabalho; ele parou de produzir desenhos no metrô quando eles começaram a ser roubados quase tão rapidamente quanto ele podia fazê-los.
ATIVISMO
As décadas de 1960 e 1970 deram à infância de Haring um histórico de ativismo e mudança sociopolítica. Eventos importantes como o pouso na lua, em 1969, foram televisionados, tornando sua geração conectada aos assuntos globais de uma forma nunca antes vista. Haring também tinha consciência dos movimentos políticos da época: os protestos e manifestações por direitos civis em cidades como Washington e Chicago, bem como os assassinatos de figuras políticas como Martin Luther King Jr. e Robert Kennedy, em 1968.
Haring sentia que o artista era “um porta-voz de uma sociedade em qualquer ponto da história”, cujo vocabulário visual é determinado por sua percepção do mundo. Essa atitude socialmente consciente pode ser vista em suas obras. Suas pinturas e desenhos apresentam uma iconografia acessível para abordar temas como racismo, guerra nuclear, os excessos do capitalismo e o que ele considerava o uso indevido da religião para fins opressivos. Fazer cartazes permitiu que Haring adotasse uma postura mais ativista, não apenas projetando-os, mas os imprimindo a seu próprio custo e os distribuindo em manifestações.
Ele também se envolveu com a política em nível global. Em 1986, ele foi convidado a pintar o lado oeste do Muro de Berlim. O mural de Haring retratava uma cadeia interconectada das figuras que são “sua marca registrada”, pintadas nas cores combinadas das bandeiras da Alemanha Oriental e Ocidental, representando a unidade das pessoas. Para Haring, o mural era uma tentativa de destruir psicologicamente o muro.
DESENHOS
O amor de Haring pelo desenho foi uma presença constante desde sua juventude até o fim de sua vida. Em 1978-1979, ele experimentou desenhos completamente abstratos, para os quais ele cobria o chão, as paredes e o teto. Em trabalhos posteriores, ele voltou a um estilo figurativo, incorporando sua iconografia visual em estilo cartoon de bebês radiantes, discos voadores e figuras sem gênero. Haring normalmente fazia desenhos usando um pincel e tinta sumi, tradicionalmente associados à caligrafia do Leste Asiático.
Haring desenhava em qualquer superfície disponível, indo de capotas de táxi, móveis, painéis de construção e até roupas. Todas as suas obras, incluindo suas pinturas, são tidas como desenho. Em seus diários, ele afirmou que “a habilidade de desenhar e equilibrar é a chave, não a técnica. As pinturas não apenas têm uma semelhança com Léger, é claro, mas também evocam comparações com as formas africana, indiana americana, asteca e outras formas tradicionais, não por imitação, mas pela qualidade do desenho.”
Nas primeiras exposições, Haring costumava exibir uma grande variedade de desenhos ao lado de pinturas em lona, pendurando-os de uma maneira que cobria completamente as paredes. Seus desenhos são tipicamente emoldurados por uma borda preta desenhada, remanescente dos desenhos animados que Haring admirava quando criança.
Embora resistente à ideia de ocupar um espaço de arte tradicional, Haring adotou uma abordagem diferente em sua segunda exposição na Galeria Tony Shafrazi. O artista transformou o porão da galeria em um ambiente de clube, introduzindo a influência do cenário dos clubes de Nova York. Ele apresentou suas pinturas e objetos fluorescentes Day-Glo sob luz UV.
POP ART
Depois de 1982, Haring ganhou maior atenção por meio de exposições internacionais. No final da década, sua imagética era reconhecida globalmente.
Essa mudança da figura da contracultura para a estrela pop reflete em parte a influência de Andy Warhol, que Haring conheceu em 1983. Warhol estabeleceu um precedente sobre como um artista poderia se envolver com a cultura popular e a atividade comercial, mantendo a integridade de seu trabalho. As imagens de Haring ganharam uma segunda vida através de roupas, capas de discos e mercadorias vendidas a partir de suas célebres boutiques Pop Shop. Ele ampliaria ainda mais seu alcance por meio de colaborações com artistas como Madonna e Grace Jones e o coreógrafo Bill T Jones.
Logo após chegar a Nova York, Haring escreveu sobre o desejo de desenvolver uma interação mais ampla entre artista e público. Ele imaginava fazer obras que abarcassem “música, performance, movimento, conceito e artesanato”, ao passo em que seriam um registro da produção da pintura. O desenho em larga escala, The Matrix (1983), exemplifica esse ideal, criado ao vivo dentro da galeria e de forma a se destacar como um traço dinâmico e performativo de sua exposição no Wadsworth Atheneum, em Connecticut.
ÚLTIMOS TRABALHOS
Em 1981, foram relatados os primeiros casos de HIV/aids. Esse foi o começo do que viria a ser uma epidemia catastrófica, cujos efeitos continuam sendo sentidos hoje. Nova York foi um dos epicentros da crise e Haring logo sentiu o impacto em seu círculo social, já que homens gays e bissexuais, ao lado das comunidades negra e latina, foram e continuam sendo afetados desproporcionalmente. Ao longo da década de 1980, em uma época em que a homofobia era abundante nos Estados Unidos, o trabalho de Haring refletia seu compromisso com a igualdade de direitos, incluindo pinturas e murais que expressavam orgulho na homossexualidade. À medida que a crise do HIV/aids se tornou mais proeminente, ele passou a promover o sexo seguro e fez campanha contra o governo dos Estados Unidos por sua falta de ação.
No verão de 1988, Haring começou a ter problemas com a respiração. Ele foi diagnosticado como HIV positivo logo depois.
No mesmo ano, ele fez uma pintura vermelha, mostrando um turbilhão visual de imagens saindo de um corpo ferido. O medo e a raiva de Haring por sua situação o levaram a usar imagens cada vez mais horríveis em pinturas em larga escala. Em Set of Ten Drawings (1988), ele personificou o próprio vírus, retratando-o como um macabro “esperma do diabo”.
Percebendo que seu tempo poderia ser curto, Haring quis garantir uma contribuição contínua. Em 1989, ele fundou a Keith Haring Foundation, que continua a apoiar organizações e instituições de caridade de HIV/aids, além de jovens marginalizados. Em 16 de fevereiro de 1990, após um breve período durante o qual sua saúde declinou rapidamente, Haring morreu de complicações relacionadas à AIDS aos 31 anos.