100 ANOS DE JOSEPH BEUYS

Como explicar quadros a uma lebre morta, 1965.
Artista, professor e defensor ferrenho das causas ambientais, essas são algumas definições que retratam com precisão as paixões e compromissos do artista alemão Joseph Beuys ao longo de sua vida. O artista que revolucionou conceito de arte a partir de meados do século 20 acreditava que todos poderiam crias obras de arte, defendendo que todas as pessoas poderiam ser artistas.
Beuys tratou de aplicar todas as temáticas que entendia como propulsoras para as ideias que defendia em suas performances; são exemplos a defesa do meio ambiente em 7 mil carvalhos (1982), ou as indagações constantes em sua carreira como a pergunta o que é arte? ou quem faz arte? Em Eu gosto da América e a América gosta de mim (1974), vemos isso na própria linguagem artística escolhida pelo artista, a performance.
UM EPISÓDIO CATÁRTICO?

Cadeira com gordura, 1963.
Piloto da força aérea alemã durante a Segunda Guerra Mundial, foi durante uma de suas missões que Joseph Beuys viveu um acontecimento que mudou a própria vida. Atualmente, há questionamentos quanto à veracidade dos fatos descritos pelo artista durante esse episódio, porém, Beuys morreu alegando que a história realmente aconteceu.
Em 1943, o então jovem piloto Joseph Beuys travava uma batalha aérea contra pilotos russos na região da Crimeia, após seu avião ser abatido, o artista teria sobrevivido à queda e aos ferimentos graças à ajuda de nômades mongóis que estariam na região e o resgataram, tratando seus ferimentos com gordura e feltro. Para justificar a presença de gordura e feltro em suas obras de arte, o artista alemão associava suas escolhas a essa história de seu passado, apontando estes dois elementos como responsáveis pela sua cura. Quando um elemento é constantemente usado na obra de um artista, dificilmente o questionamento sobre a escolha será evitado, Joseph explica a presença da gordura em suas obras afirmando que o elemento seria fonte de energia, e poderia ser explorado em diferentes estados físicos.
JOSEPH EM OBRAS

7 mil carvalhos, 1982.
Em 1982, Joseph participou de uma das exposições de arte mais importantes em contexto global, a Documenta de Kassel. A obra levou quase cinco longos anos para ser finalizada, não era de forma alguma uma tarefa fácil, a proposta do artista foi a plantação de 7 mil árvores ao longo da cidade, e todos os indivíduos que desejassem fazer parte dessa obra poderiam contribuir. Forte defensor das causas ambientais, Beuys foi um dos fundadores do Partido Verde na Alemanha, a relação do artista com as questões ambientais não se limitava apenas ao discurso. Os elementos da natureza estavam presentes quase na totalidade de suas obras, seu ativismo não ficava restrito ao campo político, e 7 mil carvalhos é um exemplo disso.
Sete mil pedras de basalto fora empilhas no gramado em frente ao Museum Fridericianum, e, para cada carvalho que fosse plantado na cidade de Kassel, a partir de 1982, uma pedra deveria ser removida da pilha, dois elementos materiais opostos se confrontando. Tudo foi possível com a participação de milhares de outras pessoas, o que posteriormente se revelou uma renovação urbana para a cidade. Aqui o artista se desloca da exposição e dos limites da instituição cultural para fazer parte do cotidiano de toda uma cidade.

7 mil carvalhos, 1982.
Infelizmente, o artista não viveu para presenciar o final de sua obra, iniciada na Documenta VII e Finalizada na Documenta VIII. O último carvalho foi plantado em 1987, em Kassel, na presença de Eva e Wenzel Beuys, a esposa e o filho do artista. O uso do carvalho para o nome da obra não foi à toa, afinal todas as 7 mil árvores plantadas não foram carvalhos em sua totalidade. Joseph desejava confrontar o passado recente da Alemanha, pois o carvalho havia se convertido em um símbolo nazista, para o artista, o carvalho como símbolo alemão deveria ser ressignificado.
Eu gosto da América e a América gosta de mim aconteceu na cidade de Nova York em maio de 1974. Aqui novamente temos a conciliação entre elementos materiais da natureza e uma espécie de revisão da história dos Estados Unidos. A performance do Coiote, como também é conhecida, buscou referências em elementos culturais dos povos indígenas norte-americanos. Um símbolo conhecido e famoso na cosmologia dos povos originários da América do Norte é o Coiote, está relacionado ao conceito de transformação e elo entre o material e o espiritual.
Segundo Joseph, respeitado pelos indígenas e perseguido pelo homem branco, o animal representaria um elo entre um passado ainda presente na forma de um trauma não trabalhado pela sociedade norte-americana. A performance teve início ainda na Alemanha, onde o artista saiu de sua residência enrolado em um manto de feltro direto para o aeroporto que o levaria aos Estados Unidos usando uma ambulância. Ao sair do avião, Joseph aparece novamente sendo transportado por uma maca, enrolado pelo feltro e levado pela ambulância, direto para a cela que o esperava em uma galeria de Nova York. Lá um coiote capturado para a performance esperava o artista, que se liberta do feltro e passa a conviver por dias junto ao animal em uma cela repleta de feno e exemplares diários do jornal Wall Street.

Eu gosto da América e a América gosta de mim, 1974.

Eu gosto da América e a América gosta de mim, 1974
Uma performance que começa expondo a ambulância como símbolo do estado de doença do indivíduo, ao mesmo tempo que atenta para emergência do tema. Dentro do local, as ações constituíam em caminhadas pela cela, registros fotográficos feitos durante a performance e a comunicação entre o artista e o coiote que aconteceu de diferentes maneiras, ao jogar suas luvas pela cela, ou se enrolar no feltro, curvando-se em direção à bengala. O coite respondia as suas ações, com agressividade ou submissão. Em Eu gosto da América e a América gosta de mim (1947), o artista tentou reviver esse passado histórico, um passado de conciliação. A linguagem sempre reforçando as possibilidades do fazer artístico para todos e sua potencialidade terapêutica.
“QUALQUER PESSOA É ARTISTA”

A Matilha, 1969.
Em 1972, Joseph foi demitido da Academia de Belas Artes de Dusseldorf por insubordinação, um episódio que reflete o lado político de Beuys, o professor. Um dos fundadores do Partido Universitário Alemão, o artista não hesitava em apoiar os estudantes em diferentes situações. Joseph passou a aceitar em suas aulas alunos que não haviam passado nos exames de admissão da Universidade, o artista era contra o processo do exame, pois acreditava que todos os que desejassem criar arte tinham esse direito independentemente de uma suposta aptidão constatada em um exame.
O artista legou sua obra ao campo público, pois acreditava no poder de união entre as artes, política e ações educativas como elemento propulsor de mudanças sociais necessárias à sociedade. Radical, influenciador, carismático e revolucionário são adjetivos que aparecem constantemente quando o artista é mencionado. Para Joseph Beuys, a arte poderia mudar o mundo. Um artista que apresentou o fazer artístico como um processo libertário que não estava ligado a indivíduos especiais, mostrando, através de suas obras, que arte também poder ser política e, principalmente, instrumento de transformação social.
Juliana Meningue é historiadora da
arte, professora, arte educadora e
graduanda em história.
JOSEPH BEUYS: EVERYONE IS A ARTIST
• KUNSTSAMMLUNG • ALEMANHA
• 27/3 A 15/8/2021


