Neoclassicismo…se tu, que estás a ler este texto, já tiveste algum contato com este tema, seja por meio de estudos escolares e acadêmicos ou por meio de um livro, documentário, ou ainda por qualquer outro formato, provavelmente associaste este nome ao do pintor Jacques-Louis David. Lembrado como um nome máximo do movimento acadêmico neoclassicista, David é um caso de destaque na história da arte por ser sozinho, arrisco dizer, maior ou tão significante quanto o movimento em si. Não é questão de polemizar, colocando-o acima de Gainsborough ou de Ingres, por exemplo, mas ressaltar a dominância de David como um mestre da arte acadêmica, que, apesar de conhecida por seus padrões severamente rígidos, teve deste artista uma contribuição em relação à clareza, temas e técnica que o põem em posição privilegiada na história dos grandes pintores da história humana.
Em 1748 Jacques-Louis David nasceu em Paris, no seio de uma família pequeno-burguesa tradicionalmente dedicada ao comércio. Por volta de 1770, o jovem David começou a tomar aulas de pintura com o velho mestre Vien, que alguns anos mais tarde viria a ser nomeado diretor da Academia de França em Roma. O discípulo acompanhou o mestre à Itália. Na década seguinte, em 1780, o artista retornou a Paris, já totalmente fascinado por uma concepção ideal da Antiguidade romana, a característica mais marcante da arte que viria a ser chamada de Neoclássica.

Autorretrato, 1794. Cortesia © 2000–2022 The Metropolitan Museum of Art.

O Juramento dos Horácios, 1784. Cortesia © 2000–2022 The Metropolitan Museum of Art.
Cinco anos após retorno dele, David expôs ao público, em Paris (e mais tarde em Roma), aquela que é uma de suas grandes obras, figura marcada em livros de História da Arte e importantíssima por sua simbologia e composição impecavelmente academicista: O Juramento dos Horácios. Neste óleo sobre tela de notáveis dimensões (3,30 m x 4,25 m), o artista demonstrou domínio e segurança difíceis de serem comparados e, até mesmo, relatados por meio de palavras. É talvez a possível primeira obra-prima do Neoclassicismo, na qual os irmãos Horácios, que nomeiam a obra, juram, motivados por um espírito nacionalista, derrotar seus inimigos, a família Curácios. As poses rígidas dos guerreiros, inspiradas nas esculturas greco-romanas, a coloração amena, o cenário arquitetônico, o vermelho, azul e branco que predominam nas vestimentas e o contorno precisamente perfeito fazem dessa obra um signo, um marco, algo que demarcará a história da arte.
A partir dessa obra, o renome de Jacques-Louis David cresceu ininterruptamente. Mas esta é apenas uma de suas obras magistrais. Anos mais tarde, um de seus mecenas teria o privilégio de ter em sua posse a tela A Morte de Sócrates, que, tal qual O Juramento dos Horácios, ilustra a cultura clássica de um modo sem igual. A obra, que narra as últimas horas do pensador grego que defendia a imortalidade da alma, tornou-se, da mesma forma, imortal. Condenado, o filósofo, relutante e convicto de seus ideais, chama a atenção ao centro da tela, onde levanta uma das mãos e com a outra toma de um discípulo o cálice com o veneno que viria a beber. Os gestos são vigorosos, rígidos, severos como a atitude radical de Sócrates de preferir a morte a trair suas ideias. Ambientada em um cenário romano, David compôs a cena do seu jeito, com a força sincera e coesa de sua pincelada.

A Morte de Sócrates,1788. Cortesia © 2000–2022 The Metropolitan Museum of Art.

A Morte de Marat,1793. Cortesia © 2000–2022 The Metropolitan Museum of Art.
A atitude de Sócrates era, de certa forma, política. A política fez parte da vida de David e influenciou a arte dele. Ele viria a ser eleito deputado à Convenção revolucionária de 1792, e se tornou membro do Comitê de Arte e do Comitê de Instrução Pública da então recém-implantada República Francesa. Jacques-Louis David tinha uma alma revolucionária, apesar de fazer parte da Academia Real, pois apoiou veementemente a revolução, e se dedicou inclusive a criar obras de propaganda para o novo regime. Uma de suas obras mais conhecidas, e que acabou se tornando símbolo desse período, representa a morte do revolucionário Jean-Paul Marat (1743-1793), assassinado durante o banho por uma inimiga política, Charlotte Corday, que se fez passar por aliada. Apesar de morto, David apresentou Marat de forma heroica, como um mártir, que morreu por uma causa nobre. Nessa obra, em que David deixou de lado a mitologia e olhou para o seu tempo, é possível perceber toda a clareza e sobriedade do estilo Neoclássico, convertendo um momento trágico em heroísmo e mostrando de forma racional e ordenada um acontecimento contemporâneo. Não há em Marat qualquer elemento supérfluo na imagem e nada é meramente decorativo. Diante das rupturas políticas entre os membros da revolução, David chegou a ser preso, acusado de manter ligações com elementos do Ancien Régime e infidelidade à causa republicana, mas, em 1799, depois que Napoleão tomou o poder, ele se tornou seu pintor oficial. Daí vêm pinturas como Napoleão cruzando os Alpes, que exaltam a grandeza e heroísmo do governante. O maravilhoso trabalho no desenho e na cor da capa vermelha de Napoleão é um destaque voraz nessa obra.

Napoleão cruzando os Alpes, 1801. Cortesia © 2000–2022 The Metropolitan Museum of Art.

Eugène David e sua esposa, Anne-Thérèse, 1825. Cortesia © 2000–2022 The Metropolitan Museum of Art.
Mas há uma outra vertente artística de David que, apesar de menos conhecida, nem por isso é menos esplêndida: o seu lado desenhista. Jacques Louis David: Radical Draftsman do The Metropolitan Museum of Art, exposição iniciada em fevereiro e que se estenderá até o dia 15 de maio de 2022, é a primeira exposição dedicada às obras de desenho em papel desse célebre artista, que revelará um pouco mais de suas produções artísticas e ativismo político ao longo de sua vida – desde seu nascimento em Paris, até sua morte no exílio em Bruxelas, em 1825. O visitante poderá ver vários desenhos de David e assim, entender, dentre outras coisas, como ele conseguia obter na pintura um contorno, que era ao mesmo tempo muito delicado e bastante preciso.

O juramento da quadra de tênis, 1791. Cortesia © 2000–2022 The Metropolitan Museum of Art.
Segundo os organizadores da exposição, as mais de oitenta obras serão cronologicamente organizadas, contando com desenhos e esboços a óleo, inclusive alguns que foram raramente emprestados ou recém-descobertos, provenientes das coleções do The MET e de dezenas de credores institucionais e privados.
Edvaldo Carvalho é professor de arte na rede
estadual de ensino do Estado do Amapá e
MBA em História da Arte.
JACQUES LOUIS DAVID: RADICAL DRAFSTMAN •
THE MET • 17/2 A 15/5/2022