Jacob Lawrence, Massacre in Boston, Panel 2, 1954, from Struggle: From the History of the American People, 1954–56, Collection of Harvey and Harvey-Ann Ross. © 2019 The Jacob and Gwendolyn Knight Lawrence Foundation, Seattle / Artists Rights Society (ARS), New York

DASARTES 100 (Edição Especial 12 anos) /

JACOB LAWRENCE

MET MUSEUM APRESENTA UMA SÉRIE POUCO VISTA DE PINTURAS DO ICÔNICO MODERNISTA AMERICANO JACOB LAWRENCE. A SÉRIE ABRANGE TEMAS DA COLONIZAÇÃO EUROPEIA À PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL. A INTENÇÃO ERA RETRATAR, NAS PALAVRAS DO ARTISTA, “AS LUTAS DE UM POVO PARA CRIAR UMA NAÇÃO E SUA TENTATIVA DE CONSTRUIR UMA DEMOCRACIA”

Jacob Lawrence, Rally Mohawks! Bring out your axes, and tell King George we’ll pay no taxes on his foreign tea . . . —a song of 1773, Panel 3, 1954 from Struggle: From the History of the American People, 1954–56, Collection of Harvey and Harvey-Ann Ross. © 2019 The Jacob and Gwendolyn Knight Lawrence Foundation, Seattle / Artists Rights Society (ARS), New York

As pinturas que me proponho fazer vão retratar as lutas de um povo para criar uma nação e sua tentativa de construir uma democracia – Jacob Lawrence (1954).

Pela primeira vez, em mais de 60 anos, esta exposição reúne os painéis de Struggle: From the History of the American People (1954-1956), uma série importante, embora subestimada, do célebre artista moderno Jacob Lawrence. Originalmente concebida como 60 obras, abrangendo temas desde a colonização europeia até a Primeira Guerra Mundial, a série resultou em trinta pinturas em têmpera em pequena escala que representam momentos históricos familiares e desconhecidos da história dos Estados Unidos, de 1775 a 1817 – desde o famoso discurso de “liberdade”, de Patrick Henry, até a expansão para o Oeste.

Em seu retrato ambicioso desses episódios, Jacob põe em primeiro plano as experiências de mulheres e negros. O estilo angular e dinâmico de suas imagens – compactadas espacialmente para efeito máximo – enfatiza o conflito violento e o sacrifício.

Como um pintor negro socialmente engajado e abraçado por críticos de esquerda, Lawrence viveu e trabalhou sob a vigilância do FBI. Além disso, em maio de 1954, a decisão da Suprema Corte exigiu a dessegregação das escolas públicas, catalisando o movimento pelos direitos civis. Nesse contexto, o projeto de Lawrence liga as lutas americanas passadas e presentes que ainda ressoam poderosamente hoje.

Massacre em Boston (1954). Em uma noite de inverno, em 1770, um esquadrão de soldados britânicos abriu fogo contra um grupo agitado de colonos do lado de fora da Alfândega de Boston. Ressentidos com as restrições da Coroa aos seus direitos, eles zombaram e atiraram pedras nos casacas vermelhas. O tiroteio estourou e cinco americanos morreram na confusão. A eletrizante figuração de Lawrence colocou em primeiro plano Crispus Attucks, um marinheiro de ascendência africana e wampanoag, que escapou da escravidão para se juntar à causa dos patriotas. Ele se tornou o primeiro mártir da Revolução Americana. Lawrence imaginou o herói agachado no centro da composição, segurando o peito e vomitando sangue. O artista não citou Attucks pelo nome, mas a figura histórica foi bem documentada em um arquivo da Biblioteca Schomburg, no Harlem, onde Lawrence conduziu suas pesquisas.

Jacob Lawrence, Massacre in Boston, Panel 2, 1954, from Struggle: From the History of the American People, 1954–56, Collection of Harvey and Harvey-Ann Ross. © 2019 The Jacob and Gwendolyn Knight Lawrence Foundation, Seattle / Artists Rights Society (ARS), New York

Alarmei quase todas as casas até chegar a Lexington – Paul Revere (1954). Na noite de 18 de abril de 1775, Paul Revere, um ourives e revolucionário, escapou por pouco da captura enquanto cavalgava pelas linhas inimigas pelo leste de Massachusetts para avisar aos residentes que as tropas britânicas estavam chegando. Revere relembrou os eventos em uma carta de 1798 da qual Lawrence extraiu seu título. Nesse painel, o artista representou o momento em que o patriota fez uma pausa para sussurrar informações militares ao capitão dos milicianos. Uma capa negra com o cavalo galopando no centro da cena frenética camufla Revere e seus movimentos clandestinos, enquanto várias figuras empunham armas dramaticamente.

Derrota (1954). Quando o general George Washington não conseguiu reconquistar a Filadélfia dos britânicos, em setembro de 1777, ele liderou o exército continental em retirada para um acampamento em Valley Forge, a noroeste da cidade. Neste painel, Lawrence explora o preço que esses contratempos militares e o clima brutal de inverno cobraram das tropas americanas durante sua estada de seis meses. As figuras enfaixadas e ensanguentadas no fundo – emolduradas por baionetas descartadas – se afastam do símbolo de sua derrota violenta, um valioso cavalo de guerra, respeitosamente coberto enquanto seu sangue se esvai. Em sua finalidade enfática, o título de uma palavra de Lawrence reforça esse ponto baixo na guerra.

Defeat, Panel 9, 1954 e I alarmed almost every house till I got to Lexington.—Paul Revere , Panel 4, 1954. © The Jacob and Gwendolyn Knight Lawrence Foundation, Seattle/ARS, New York.

Cruzamos o rio na balsa de McKonkey, 9 milhas acima de Trenton… a noite estava excessivamente severa… que os homens suportaram sem o menor murmúrio (1954). Lawrence contou com as observações em primeira mão do assessor militar do general George Washington, Tench Tilghman, para descrever a experiência precária dos homens que cruzaram o rio Delaware na noite de 25 de dezembro de 1776. Seu ataque surpresa às forças de Hessian em Trenton, Nova Jersey, levou a um ponto de inflexão na luta revolucionária. Lawrence reinventou a cena canônica como três pequenos barcos densamente lotados, lançados por águas agitadas de inverno. Fundidos em planos interligados, as figuras fortemente camufladas parecem congeladas em um estado agitado. Ao privilegiar homens desconhecidos, Lawrence cria um forte contraste com a narrativa popular que celebra Washington à frente da façanha.

We crossed the River at McKonkey’s Ferry 9 miles above Trenton . . . Panel 10, 1954 © The Jacob and Gwendolyn Knight Lawrence Foundation, Seattle/ARS, New York.

E uma mulher controla um canhão (1955), Cochran Corbin lutou com o marido canhoneiro na Batalha de Fort Washington, no que hoje é Upper Manhattan. Tomando o lugar do marido no canhão, ela atirou bravamente até ser ferida e capturada. Corbin depois se juntou ao “Regimento Inválido”, em West Point. Lutou como uma veterana deficiente, vivendo a maior parte de sua vida na pobreza. Em 1926, tornou-se a primeira mulher enterrada com todas as honras militares em West Point. Mais de 50 anos depois, o Conselho da Cidade de Nova York nomeou em sua homenagem uma praça e dirigiu de lá até o local da batalha – ainda chamado de Fort Tryon Park, em homenagem ao último governador colonial britânico. Destacando seu interesse pelo papel das mulheres na história americana, Lawrence apresenta Corbin como uma heroína comandante, ancorando o flanco esquerdo dos soldados em disparo, enquanto o marido morto está a seus pés.

And a Woman Mans a Cannon , Panel 12, 1955.

Vitória e derrota (1955). Neste painel impressionante, Lawrence retrata uma parede impenetrável de 22 balas de canhão pretas para simbolizar o cerco de 22 dias em Yorktown, Virgínia, no qual as tropas americanas forçaram os britânicos que ocupavam a cidade a se render. Essa batalha, celebrada pela liderança heroica de Alexander Hamilton e do Marquês de Lafayette, efetivamente encerrou a Revolução Americana. A parede de Lawrence também serve como pano de fundo para a troca de espadas entre dois delegados em nome de George Washington e do general britânico Charles Cornwallis. O artista se concentrou nessa transferência iminente de poder e resolução pacífica criando um espaço entre o casaca vermelha segurando a espada e a mão aberta de um patriota invisível, emoldurados contra um céu cheio de nuvens que simboliza um futuro promissor.

Victory and Defeat , Panel 13, 1955. Foto: Bob Packert/PEM

Em toda a lida com os nativos, trate-os da maneira mais amigável e conciliatória que a conduta deles permitir  (1956). O título deste painel vem de uma carta que o presidente Thomas Jefferson escreveu ao capitão Meriwether Lewis e ao segundo-tenente William Clark, que lideravam uma expedição pelo Oeste americano. Apesar do desprezo geral de Jefferson pelos direitos indígenas, ele pediu que os exploradores abordassem os povos indígenas com respeito cauteloso – para fazer amizade com eles, tentar desenvolver relações comerciais e coletar artefatos. A pintura apresenta a tradutora e guia da expedição, uma mulher, Lemhi Shoshone, chamada Sacagawea, em um momento de reconhecimento que Clark registrou em um diário em 13 de agosto de 1805. Depois que o grupo encontrou os Shoshone (na atual Idaho), Sacagawea reconheceu seu irmão, o chefe Cameahwait, de quem ela estava separada desde a infância. Lawrence retratou os irmãos vestidos de vermelho e azul vibrantes, imaginando uma reunião terna ao unir suas formas colunares fortes.

Jacob Lawrence, In all your intercourse with the natives, treat them in the most friendly and conciliatory manner which their own conduct will admit . . . —Jefferson to Lewis & Clark, 1803, Panel 18, 1956, from Struggle: From the History of the American People, 1954–56, Collection of Harvey and Harvey-Ann Ross. © 2019 The Jacob and Gwendolyn Knight Lawrence Foundation, Seattle / Artists Rights Society (ARS), New York

Elisabeth Turner é historiadora
de arte, curadora e autora do
livro Jacob Lawrence: the
migration series.

JACOB LAWRENCE: THE AMERICAN
STRUGGLE • MET • NOVA YORK •
29/8 A 01/11/2020

Compartilhar:

Confira outras matérias

Reflexo

ANNIE LEIBOVITZ

O olhar de Annie Leibovitz, seus instintos teatrais e sua genialidade são lendários, mas ela não é conhecida por um …

Do mundo

MARCEL DUCHAMP

É difícil explicar a Arte Moderna e Contemporânea sem passar pelas estripulias de Duchamp. E, a hora é agora de …

Flashback

JOHN SINGER SARGENT

John Singer Sargent foi, segundo o escultor francês Auguste Rodin, “o van Dyck de nosso tempo”, creditando-lhe a habilidade e …

Garimpo

ANNA MENEZES

Um fotógrafo do cotidiano é, antes de tudo, um observador, que deve estar atento ao mundo que o cerca e …

Flashback

FRANS HALS

Frans Hals pintava retratos; nada, nada, nada além disso. Mas isso vale tanto quanto o Paraíso de Dante, os Michelangelos, …

Do mundo

AMEDEO MODIGLIANI

Quase cem anos depois do encontro desses dois homens, em 1914, é interessante olhar de novo para um momento de …

Destaque

CAMILLE CLAUDEL

NÃO VIVAS DE FOTOGRAFIAS AMARELADAS

Camille Claudel

 

É possível enlouquecer por amor? Toda vez que se conta a história de Camille Claudel …

Alto relevo

ERWIN WURM

A certa altura, percebi que tudo o que me rodeia pode ser material para um trabalho artístico, absolutamente tudo. Para …

Alto relevo

ANA MENDIETA

ALMA EM CHAMAS: ANA MENDIETA “ARDE” NO SESC POMPEIA

Silhuetas em fogo é a sensacional exposição dedicada à Ana Mendieta, em …

Do mundo

HIROSHI SUGIMOTO

Em sua maioria produzidas com sua antiquada câmera de visão de madeira, as imagens de Hiroshi Sugimoto (Tóquio, 1948) destacam …

Flashback

CHAÏM SOUTINE

Chaïm Soutine (1893-1943) foi um artista com uma vida extraordinária. Criado em uma cidadezinha perto de Minsk, mudou-se para Paris …

Destaque

JARBAS LOPES

A natureza expande suas formas nas percepções dos que se aproximam dela. O artista Jarbas Lopes, com seu semblante de …

Capa

ED RUSCHA

Ed Ruscha deixou Oklahoma City em 1956 para estudar arte comercial no Chouinard Art Institute (hoje CalArts), em Los Angeles. …

Do mundo

KEITH HARING

ARTE É PARA TODOS

Nascido em 1958, Haring cresceu em Kutztown, Pensilvânia, onde o pai, Allen, o ensinou a fazer desenhos …

Alto relevo

ALEX ČERVENÝ

MIRABILIA

Capere mundum. Ao observar tudo o que nos envolve, Alex Červený, artista e ilustrador nascido em São Paulo, com uma …