Bambu, sem data.

DASARTES 114 /

IONE SALDANHA

MASP ABRE A MAIOR RETROSPECTIVA DA ARTISTA IONE SALDANHA, UMA FIGURA PIONEIRA NA HISTÓRIA DA ARTE BRASILEIRA DO SÉCULO 20, EMBORA AINDA SEM O DEVIDO RECONHECIMENTO Nascida em Alegrete, Rio Grande do Sul, Ione Saldanha (1919-2001) se mudou com a família aos 11 anos para o Rio de Janeiro, onde trabalhou como artista pelo resto […]

MASP ABRE A MAIOR RETROSPECTIVA DA ARTISTA IONE SALDANHA, UMA FIGURA PIONEIRA NA HISTÓRIA DA ARTE BRASILEIRA DO SÉCULO 20, EMBORA AINDA SEM O DEVIDO RECONHECIMENTO

Sem título, 1966. Foto: Eduardo Ortega

Nascida em Alegrete, Rio Grande do Sul, Ione Saldanha (1919-2001) se mudou com a família aos 11 anos para o Rio de Janeiro, onde trabalhou como artista pelo resto de sua vida. Com mais de 200 obras, A Cidade Inventada é a primeira exposição individual da artista em São Paulo desde 1985.
A arquitetura da exposição foi concebida de modo a evocar a ideia de cidade, referenciada no título da mostra (A Cidade Inventada), bem como o sutil uso de cores e a maneira singular de explorar a geometria, tão característicos da artista.

Sem título, sem data. Foto: Eduardo Ortega

Há diversos enquadramentos notáveis por meio dos quais se pode olhar para a obra de Saldanha. Pode-se pensar na “pintura no campo ampliado”, ou nos limites entre pintura e escultura: ela pintou sobre tela, papel, longas tiras de madeira, bambus, bobinas e, por fim, sobre objetos empilhados, sempre com um extraordinário empenho pictórico e cromático – em termos de pincelada, cor, materialidade e espessura da tinta. Também se pode pensar sobre cor e abstração geométrica: por um lado, as muitas e variadas paletas de cores usadas por Saldanha ao longo dos anos são arrebatadoras; por outro, geometria e verticalidade são preocupações constantes de seu trabalho. No entanto, há também seu interesse por certa representação da cidade, real ou imaginada, que é percebido ao longo dos anos: de suas primeiras paisagens urbanas figurativas, passando pelas construções arquitetônicas progressivamente abstratas, representadas de maneira fluida, sutil e orgânica, e culminando nas obras mais radicais da artista, as Ripas e os Bambus, que se desdobram nas Bobinas e, por fim, nos Empilhados.

DAS TELAS ÀS RIPAS

Ripa [Slat], 1986. Foto: Eduardo Ortega

Ione Saldanha fez seus primeiros estudos no Rio de Janeiro, em 1948, no ateliê do pintor Pedro Luiz Correia Araújo. Em 1951, foi para a Europa, onde estudou a técnica de afresco na Académie Julian, em Paris, e em Florença, na Itália. Inicialmente, produziu telas com cenas do cotidiano e casarios. Posteriormente, a produção dela passou a ter um caráter abstrato até que, no fim da década de 1960, abandonou as telas e adotou superfícies tridimensionais que se tornaram sua marca registrada: ripas, bambus e bobinas de madeira para cabos elétricos. Ao sair das molduras e passar a utilizar a superfície desses objetos, ela firmou o pioneirismo de sua maneira muito particular de pensar a pintura. O reconhecimento por seu trabalho lhe rendeu como prêmio, em 1969, uma viagem ao exterior no 7º Resumo de Arte do Jornal do Brasil, e a indicação para a Bienal de São Paulo desse mesmo ano, na qual também foi premiada.

Aparelhos, 1956. Foto: Jaime Acioly

 

Ripas e Bambus na 2ª Bienal de Arte Coltejer, Medellín, 1970

Embora reconhecidamente trabalhando de forma intuitiva, o desenvolvimento da obra rigorosa e poética de Saldanha ao longo de quase seis décadas pode ser visto, com o benefício da retrospectiva, como notavelmente coerente, até mesmo programático. Uma série ou grupo de obras se desdobra e progride para a próxima – desde as primeiras pinturas figurativas até as abstratas tridimensionais. Pode-se pensar na pintura no campo expandido como um leitmotif para a obra de Saldanha: ela pintou sobre tela, papel, em ripas de madeira, em bambu, em bobinas, e finalmente em objetos empilhados. No entanto, cor e construtivismo também faziam parte de seu idioma – por um lado, suas muitas paletas diferentes ao longo dos anos são tão únicas quanto impressionantes; por outro, geometria e verticalidade sempre foram referências subjacentes na construção de suas obras.

Casario, década de 1950

No centro da obra de Ione Saldanha estava uma preocupação com uma representação da cidade e da arquitetura, real ou imaginária. Ela passou de suas primeiras paisagens urbanas para construções arquitetônicas progressivamente abstratas representadas de forma fluida e orgânica, sempre carregando a marca da mão e gesto do artista tornado visível no campo pictórico. Suas obras mais icônicas, complexas, em camadas e inovadoras, os Bambus — apropriação do material natural vividamente pintado que evocam o popular brasileiro e cultura vernáculo — são antropomórficos mesmo quando fazem referência à cidade e à floresta, particularmente quando instaladas em grupos, criando uma qualidade imersiva.

Sem título, sem data. Foto: Sergio Guerini

UMA RELAÇÃO INTENSA COM A COR

O uso das cores também foi uma das características recorrentes nas obras da artista. Ela deixa claro essa predileção em diversos comentários. “A cor é o que me faz pintar”, resumiu Ione Saldanha em uma de suas anotações.

Sem título, 1968. Foto: Rômulo Fialdini

Sua atração pelas cores é confirmada em entrevista que concedeu a Fuad Atala para o jornal O Globo, em 1977. “Tenho paixão pela cor. Eu vibro vendo uma cor. A cor para mim tem uma vibração muito maior que o som, muito maior que a palavra. A cor para mim tem uma força total. Um vermelho para mim é sangue. Um amarelo é luz, é sol. Mas não apenas na figuração, no pensamento”, afirmou a artista.

Sem título, 1965. Foto: Sergio Guerini

Adriano Pedrosa é curador da mostra e diretor artístico do Museu de Arte de São Paulo (MASP).

IONE SALDANHA: A CIDADE INVENTADA •
MASP • SÃO PAULO • 10/12/2021 A 6/3/2022

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