
Chorro Reticulárea, 1988. © Fundación Gego.
Foto: Walter Otto, courtesy Colección Mercantil, Caracas
Uma das artistas mais significativas a surgir na América Latina durante a segunda metade do século 20, Gego (n. 1912, Hamburgo; d. 1994, Caracas) permanece menos conhecida nos Estados Unidos. Nascida em uma família judia alemã, Gertrud Goldschmidt, ou Gego, formou-se inicialmente como arquiteta e engenheira na Universidade Técnica de Stuttgart (agora Universität Stuttgart). Fugitiva nazista da perseguição em 1939, emigrou para a Venezuela, onde se estabeleceu permanentemente, iniciando, na década de 1950, uma carreira artística de mais de quatro décadas.

Reticulárea, 1969.

Sin título, 1966. © Fundación Gego. Foto: Will Michels, courtesy The Museum of Fine Arts, Houston e Archivo Fundación Gego

Sin título, 1966. © Fundación Gego. Foto: Will Michels, courtesy The Museum of Fine Arts, Houston e Archivo Fundación Gego
Gego apresentou ideias radicais por meio de suas investigações de sistemas estruturais: transparência, tensão, fragilidade, relações espaciais e os efeitos ópticos do movimento são metodicamente abordados em seu corpo singular de trabalho. Traçando um percurso artístico marcadamente individual, Gego desafiou a categorização.
PRIMEIROS TRABALHOS (1953-1960)
A Venezuela experimentou dramáticas mudanças econômicas, políticas e sociais durante e após a Segunda Guerra Mundial. Durante essa época, a arte moderna venezuelana passou por uma mudança igualmente transformadora. O surgimento da abstração geométrica – um movimento transnacional caracterizado por esquemas puros de forma, linha, cor e ordenação geométrica – no país, por volta da década de 1950, marcou um período de grande inovação artística.
Foi nesse contexto que Gego iniciou sua nova vida em seu lar adotivo na Venezuela, onde chegou, em 1939, como deslocada, sem familiaridade com o idioma e a cultura. Ela começou a trabalhar como freelancer em escritórios de arquitetura e estúdios de planejamento urbano em Caracas no início dos anos 1940, utilizando o treinamento em arquitetura e engenharia que recebeu na Alemanha. No início dos anos 1950, recentemente divorciada de seu primeiro marido, Gego abandonou sua prática de arquitetura e abraçou totalmente a arte. Ela e o designer gráfico nascido na Lituânia, Gerd Leufert, que se tornaria seu parceiro vitalício, mudaram-se para a vila de Tarmas, perto da costa caribenha da Venezuela, de 1953 a 1956. Lá, Gego se concentrou em paisagens, representações de formas arquitetônicas e figuração. Ela experimentou diferentes meios, incluindo aquarela, grafite, monotipia e xilogravura.
A artista tomou seu entorno imediato como fonte de inspiração no início e meados da década de 1950, retratando a flora local em cores vivas e exuberantes e cenas de montanha e casas em uma paleta suave. Na última parte daquela década, influenciada pela presença da abstração geométrica na Venezuela, ela fez uma transição crítica para formas não representacionais.
LÍNEAS PARALELAS (1957-1968)

Gegofón, 1959. © Fundación Gego. Foto: Peter Lynde, courtesy Duker Collection, Pasadena.
Uma seleção de desenhos e esculturas, do final dos anos 1950 até o final dos anos 1960, considera as investigações de Gego sobre as possibilidades espaciais e estruturais do que ela chamou de “líneas paralelas”, um conceito extraído do vocabulário pictórico da abstração geométrica. Por volta de 1960, Gego também começou a experimentar os efeitos ópticos de movimento e vibração, sintetizando suas explorações de luz, movimento e espaço – todos temas predominantes na arte cinética. Algumas esculturas apresentam elementos tubulares paralelos que formam planos geométricos que se cruzam ou se superpõem. Ao se envolver com essas obras de diferentes perspectivas, a ilusão de ótica da vibração é produzida, mudando, assim, a percepção dos próprios objetos.
TIPOLOGIAS RETICULARES (1962-1976)

Reticulárea cuadrada 71/2, 1971/1989. © Fundación Gego. Foto: Carlos Germán Rojas, courtesy Archivo Fundación Gego.
No auge de uma nova década, em 1969, Gego fez uma mudança decisiva de “líneas paralelas” para “reticuláreas”, seu termo para as várias formas reticulares (redes ou estruturas semelhantes a redes), em seus dois trabalhos dimensionais. Ela então aplicou os mesmos preceitos à sua produção tridimensional. Gego começou a utilizar novos materiais mais fáceis de manipular, como aço inoxidável e arame de alumínio, resultando em esculturas suspensas mais arejadas e leves: constelações de linhas tecidas no espaço. Esses objetos suspensos diferem de suas esculturas anteriores, cuja fabricação exigia a ajuda de um soldador.
Conhecidas como Retículas Quadradas (1971-1977), algumas assumem a forma de estruturas semelhantes a grades ou colunas geométricas volumosas, enquanto em outras a grade é deformada ou alterada por distorções espaciais inesperadas.
RETICULÁREA (1969-1982)
Estruturalmente relacionada com outras esculturas e desenhos reticulares, Reticulárea também consiste em malhas triangulares e quadradas maleáveis, de tamanho variável, feitas de arame de aço inoxidável e outros materiais. Com pequenas variações no título, cada iteração dessa instalação foi cuidadosamente composta pelas mãos da artista para um espaço específico. A Reticulárea é igual em estatura a outras estruturas “penetráveis” inovadoras da década de 1960 de artistas da América Latina, como Lygia Clark, Carlos Cruz-Diez, Hélio Oiticica, Mira Schendel e Jesús Rafael Soto.
JATOS E TRONCOS (1970-1977)

Tronco nº 5, 1976. © Fundación Gego. Foto: © Fundación Gego. Foto: Thomas R. DuBrock, courtesy the Museum of Fine Arts, Houston.
As esculturas suspensas que Gego desenvolveu na década de 1970 são compostas por malhas interligadas, algumas baseadas no quadrado ou no triângulo. São exemplos três séries relevantes: Jatos (1970-1974), Troncos (1974-1981) e Esferas (1976-1977). Suspensas verticalmente no espaço, essas obras minimalistas enfatizam os temas de fragilidade, gravidade e transparência.
Os Jatos, cujo título pode ser traduzido como “córregos” ou “cachoeiras”, são aglomerados de hastes interrelacionadas feitas de alumínio e outros materiais que pendem em configurações verticais em cascata.
Os Troncos são estruturas cilíndricas verticais compostas por arame de aço e outros elementos que produzem um vazio central. Eles imitam a forma colunar dos troncos das árvores; as referências de Gego a fenômenos naturais em seus títulos se tornaram outra forma de vincular a forma aos objetos funcionais. Elaborando sua escolha de material, a artista explicou: “Só com o metal posso transformar algo que é transparente, e inclui o espaço que envolve a escultura, de forma a incorporá-lo na própria obra.”
DESENHOS SEM PAPEL

Dibujo sin papel, 86/13, 1986. © Fundación Gego. Foto: Courtesy Colección Patricia Phelps de Cisneros.

Chorro, 1970. © Fundación Gego. Foto: Courtesy Colección Patricia Phelps de Cisneros.
Desenhos sem papel (1976-1988) são esculturas orgânicas cujas linhas e vários elementos formais mínimos são realizados com arame, sucatas de metal reciclado e outros materiais. A série desafia a autonomia da escultura ao subordiná-la à parede, atribuindo a esses objetos as qualidades bidimensionais do desenho. Entre os corpos de trabalho conceitualmente mais complexos de Gego, os Desenhos sem papel ofereceram à artista infinitas possibilidades de modular o espaço.
Alguns exemplos iniciais apresentam arranjos de planos que se projetam para fora, como um livro aberto, enquanto outros são estruturados em torno de linhas verticais ou horizontais simples ou padrões cruzados. Em 1979, essas obras começaram a assumir a forma de molduras quadradas ou retangulares vazias. Incorporando fios ou hastes de aço ou ferro, suas configurações geométricas lineares são frequentemente duplicadas ou triplicadas para enfatizar sua construção formal. No início da década de 1980, Gego começou a incluir estruturas circulares feitas com malhas lineares, fios e arames. A partir de 1984, seu foco mudou para representações de grades deformadas ou quebradas – composições geométricas de padrões lineares interrompidos ou inacabados.
ÚLTIMAS OBRAS: BICHOS E BICHITOS (1987-1991)

Bicho 87/9, 1987. © Fundación Gego. Foto: FotoGasull, courtesy Museu d’Art Contemporani de Barcelona, MACBA
No final dos anos 1980, Gego desenvolveu os Bichos (1987-1991) e Bichitos (1987-1989), suas duas séries escultóricas finais, reaproveitando materiais e elementos descartados de obras anteriores. Na Venezuela, Bicho significa animal, ou, mais comumente, inseto. Também pode significar qualquer coisa que não tenha um nome específico. Com seus precários sistemas de construção, os Bichos e Bichitos representam um colapso total de estrutura, geometria e grade na obra da artista. Autoliberando-se de formas fixas, Gego concebeu assemblagens cuja imprevisibilidade e caóticas configurações são caracterizadas por diversas formas e texturas. Preferindo o irregular e o orgânico, rendeu-se a uma nova forma de fazer arte, em um contraste direto com as geometrias definidas de seu trabalho anterior.
“Não sei de onde vem o resultado meu trabalho”, ela disse uma vez. “Eu sei que começa com as minhas mãos, meus olhos e minhas emoções. Interessei-me pela transparência do volume, para que uma forma possa ser apreciada plenamente de todos os ângulos da observação.” O propósito de Gego, em suas próprias palavras, era estudar “o infinito da geometria tridimensional”. Embora ela não tenha entrado no campo artístico até seus quarenta e poucos anos, Gego então produziu rigorosa e continuamente até sua morte. Abraçando muitas disciplinas, ela se baseou em sua experiência fundamental com arquitetura e engenharia para desenvolver uma prática artística singular e radical – marcando seu lugar na arte do século 20.
Após a morte de Gego, em 1994, a família da artista e seus herdeiros fundaram a Gego Foundation para preservar seu trabalho e seu legado único.
Pablo León de la Barra é curador
geral de Arte da América Latina no
Museum Solomon R. Guggenheim
Foundation, Nova York.
Geaninne Gutiérrez-Guimarães é
curadora associada no Guggenheim
Museu Bilbao Nova York
GEGO: MEASURING INFINITY •
SOLOMON GUGGENHEIM MUSEUM •
NOVA YORK • 31/3 A 10/9/2023