
Sem título, 1983. Foto: © Chico da Silva
Exibida em dois dos espaços expositivos especiais do museu, a exposição é focada em imagens das criaturas características do artista, descritas como “visões vívidas e alucinatórias, enraizadas nas cosmologias amazônicas e variando de figuras folclóricas e espirituais a plantas e animais antropomórficos.” A galeria de entrada do museu apresenta uma instalação estilo salão de “piscina de imersão” com as pinturas de peixes do artista, sugerindo que os visitantes podem estar maravilhosamente imersos em algum tipo de aquário. A seguir, uma longa galeria com mais de sessenta pinturas em duas seções: uma de criaturas míticas, pássaros, e outra com criaturas aladas. Segue outra seção com pinturas exibidas publicamente pela primeira vez desde 1990, quando integraram a exposição Do delírio ao dilúvio, com curadoria de Roberto Galvão.
Em maio passado, enquanto fazia uma visita a galerias e museus, fui à MaPa Galeria, onde, nos fundos, avistei uma soberba pintura de Chico que passei a chamar de O dragão dourado. Fiquei impressionado com a vibração da pintura. Embora feito décadas atrás, parece falar com força nestes tempos difíceis. Poucas horas depois do primeiro contato com aquela pintura, decidi criar uma exposição do trabalho do artista. Desde então, tenho me concentrado em posicionar a arte de Chico da Silva no contexto do sagrado, devido à interpretação envolvente e elevada do artista sobre as maravilhas naturais do nosso planeta. Além disso, queria que a exposição estreasse no Museu de Arte Sacra, que há muito é reconhecido pela dedicação e apresentação de obras sacras históricas, e tem uma coleção de arte e objetos de quatro séculos. Observar as pinturas radiantes de Chico da Silva através das lentes exclusivas do museu oferece ao público uma oportunidade especial de entender e apreciar as obras desse artista, que falam alegremente do espírito milagroso do mundo natural.

Sem título, 1970. Foto: © Chico da Silva.

Sem título, s/d. Foto: © Chico da Silva.
UMA VISÃO GLOBAL
Francisco da Silva (1910-1985), conhecido como Chico da Silva, foi um artista brasileiro de ascendência indígena. No final da adolescência, deixou a casa onde vivia no Acre, floresta amazônica e se mudou para Fortaleza, onde viveu o resto da vida. Desde pequeno, Chico pintava criaturas fantásticas nas paredes das casas dos pescadores. Foi na década de 1940 que o crítico de arte suíço Jean-Pierre Chabloz conheceu a obra visionária de Chico no Brasil; e foi Chabloz, um emigrado da Europa devastada pela guerra, quem primeiro apresentou Chico à pintura e ao papel. O crítico saudou as pinturas de Chico como pura manifestação da arte visual brasileira e, posteriormente, tornou-se um defensor das obras do artista.

Sem título, 1983. Foto: © Chico da Silva.
A vida de Chico foi uma complexa gangorra entre a fama internacional – ele foi celebrado na Bienal de Veneza de 1966 e desfrutou de inúmeras exposições no Brasil e na Europa – e a luta contra o alcoolismo e a instabilidade mental, que, a certa altura, exigiram uma longa hospitalização. Em seus últimos anos, Chico viveu à beira dos sem-teto. Faleceu em 1985, aos 75 anos, e nos anos que seguiram sua morte, o reconhecimento da sua importante produção artística caiu no esquecimento. Por muito tempo, suas pinturas, quando pensadas, foram denegridas como arte popular ingênua. No entanto, os tempos mudaram acentuadamente e, nos últimos anos, após uma pandemia global e o aumento da conscientização sobre as terríveis depredações do meio ambiente de nosso planeta, as criaturas visionárias do universo fantástico de Chico nos revelam o poder absoluto e a maravilha de nosso planeta — tanto a sua fauna como a sua flora.

Sem título, 1970. Foto: © Chico da Silva

Sem título, 1983. Foto: © Chico da Silva.
UMA CONEXÃO SAGRADA
A mostra Conexão Sagrada, Visão Global nos dá o imaginário de pássaros, peixes e dragões de Chico da Silva – criaturas quiméricas muitas vezes se devorando ou em posição de combate. Este é um universo composto por cenas que mesclam fábulas populares amazônicas e cosmologias do Norte e Nordeste do Brasil, representando um pleno florescimento do traço sofisticado e colorido vibrante do artista, que aludem ao espírito interior tanto das criaturas retratadas quanto de nós, espectadores humanos. Neste momento sombrio da história do nosso planeta, a arte visionária e humanista de Chico nos fala de forma pungente, direta e clara. Para o público do século 21 – especialmente para os jovens, cujo desafio ao longo da vida será curar um planeta ferido por seus antepassados –, a visão brilhante de Chico do mundo natural resplandece intensamente.

Sem título, 1983. Foto: © Chico da Silva.
As pinturas de Chico da Silva contam histórias mágicas com ressonância global – obras de arte poderosas que precisam ser vistas além das fronteiras do Brasil. No contexto de crises globais acumuladas sobre a devastação do planeta e o distanciamento emocional das almas humanas amortecidas por diversões digitais, o público de hoje anseia por arte visionária que ajude a lembrar a vitalidade sustentadora do mundo natural.
Simon Watson é um curador
independente e educador
artístico que atualmente divide
seu tempo entre Nova York e
São Paulo.
CHICO DA SILVA: CONEXÃO
SAGRADA, VISÃO GLOBAL • MUSEU
DE ARTE SACRA • SÃO PAULO •
12/11/2022 A 8/1/2023