Até 23 de outubro, os brasileiros têm a chance rara de ver uma reunião de 32 obras do norte-americano Alexander Calder na mostra “Calder e a Arte Brasileira”, no Itaú Cultural. Com curadoria de Luiz Camillo Osorio, a exposição busca apresentar a criação de Calder e obras de artistas brasileiros que teriam sido influenciados por ela, em especial os concretos e atuantes na arte cinética.

Carlos Bevilacqua, EK colours, 2010. Foto: Carlos Bevilacqua.
Apesar de sua presença forte no Brasil desde os anos 1940, a influência de Calder sobre nossa arte é pouco afirmada. “A obra dele se inscreveu na formação construtiva brasileira, misturando o lúdico e o geométrico e isso merece melhor avaliação histórica”, observa o curador. “É essa relação que pretendemos trabalhar nesta exposição”.
TUDO PASSA POR PARIS
Alexander Calder nasceu nos Estados Unidos, em 1898, em uma família de artistas. Depois de estudos em engenharia e uma série de empregos aleatórios, decidiu seguir a vocação da família e começou a estudar arte aos 25 anos. Um dos empregos que sustentava seus estudos era como ilustrador para um jornal local, do qual recebeu a missão de desenhar um circo que visitava a cidade. Mal sabia ele que essa missão mudaria sua vida. “Fiquei duas semanas no picadeiro, praticamente dia e noite, estudando o melhor ponto de vista para cada ato”, conta Calder em entrevista a “ArtNews”, em 1973. Três anos mais tarde, Calder se mudaria para Paris em busca do agito do circuito artístico e lá desenvolveu suas primeiras figuras com arame, madeira e outros materiais: animais e artistas de circo que se apresentavam movidos por manivelas, fios e molas em um pequeno picadeiro, o “Circo de Calder”, obra que fez sua fama e o aproximou das principais figuras da efervescente vanguarda da época: Marcel Duchamp, Jean Arp, Joan Miró, Piet Mondrian, entre muitos outros.

Hélio Oiticica, Metaesquema, 1957. Foto: Sérgio Guerini.
Mondrian, em especial, foi uma grande influência. Em 1930, Calder visitou seu apartamento em Paris e ficou maravilhado. “… grande, lindo e irregular em forma, com as paredes pintadas de branco e divididas por linhas negras e retângulos de cores vivas, como suas pinturas. Pensei naquele momento que bom seria se tudo lá se movesse, apesar de Mondrian não ter aprovado essa ideia de forma alguma” , conta em seu livro “The Painter’s Object”. Um ano mais tarde, Calder criava seu primeiro “móbile”, nome dado por Duchamp a suas esculturas cinéticas, que se moviam pela ação de manivelas. Os móbiles movidos pelo vento surgiriam um ano mais tarde. Como contraponto ao apelido dado a eles, Jean Arp batizou suas esculturas estáticas de “estábiles”.
Joan Miró foi outra influência notável e um grande amigo por toda a vida. Conheceram-se no final dos anos 1920 e suas afinidades, pessoais e na criação, foram tema de muitas exposições. Em especial, recorrem no trabalho de Calder temas também caros a Miró, notadamente as constelações e as formas orgânicas, vistas em algumas das obras presentes na exposição do Itaú.
CALDER E O BRASIL
Foi por outro relacionamento que a presença de Calder no Brasil foi tão intensa: a com o crítico de arte Mario Pedrosa. Em 1945, Pedrosa retornou do exílio em Nova Iorque, onde Calder teve uma grande individual no MoMA dois anos antes, e passou a ser um defensor do artista no país. O respeito que Pedrosa gozava no circuito de arte potencializou a influência de Calder sobre nossa produção e abriu caminho para várias exposições do artista no país nos anos seguintes e suas vindas ao Brasil resultaram em obras como “Brasília” e “Santos”, parte da exposição no Itaú Cultural.

Pináculos em ascensão, 1956.
Mario Pedrosa também é o elo com o Grupo Frente, de Lygia Clark, Helio Oiticica, Abraham Palatnik e outros, com o qual tinha uma forte ligação. Como notado por Letícia Ramos em texto para o catálogo, o uso de formas puras e geométricas e a negação da representação em nome da criação de um universo artístico autônomo em Calder ecoaram no neoconcretismo, do qual o grupo foi percursor. A partir daí, estes reverberaram também na arte contemporânea, em obras de artistas como Ernesto Neto e Carlos Bevilaqua.
Assim como o artista em si, os trabalhos de Alexander Calder são indivíduos com força própria, mas, versáteis e amigáveis, revelam qualidades ainda maiores quando em boa companhia.

Alexander
Calder, Vermelho, Branco, Preto e Bronze, 1934. Foto: ® 2016 Calder Foundation, New YorkAUTVIS,
Brasil, 2016.
UMA PERGUNTA PARA SOFIA FUN
Coordenadora de Artes Visuais do Itaú Cultural
Como surgiu a ideia para esta exposição?
Era um projeto do Camillo, curador, e encaixou muito bem na linha de trabalho do Itaú Cultural, que é valorizar os processos criativos e incitar a reflexão em grandes exposições panorâmicas, com foco na arte brasileira. Gostamos de trabalhar com artistas importantes cujas obras tenham algo a ser revelado ou conhecido e sentimos que a ligação de Calder com a arte brasileira podia ser melhor refletida. Havia uma relação quase afetiva entre Calder e nossa arte, nossos artistas. O uso das formas e do movimento ressonava com aquilo que concretos e neoconcretos buscavam naquele momento, cada artista à sua maneira.

Quatro pétalas negras no ar, 1960