KRISHNA, 2019

DASARTES 86 /

Bruno Vilela

BRUNO VILELA tinha o objetivo de fotografar o mais importante festival religioso dos hindus: o Maha Shivaratri. O foco de sua pesquisa são os mitos, os rituais, a iconografia e tudo o que se relacione às religiões ancestrais. O artista nos conta sobre sua aventura na Índia e a produção de suas obras para nova exposição Shiva na Galeria Anita Schwartz.

Em fevereiro de 2019, embarquei em uma aventura para a Índia. Meu primeiro objetivo era fotografar o mais importante festival religioso dos hindus: o Maha Shivaratri. A festa popular acontece uma vez por ano, no dia em que se acredita que o próprio deus Shiva toca a terra. Foram 40 dias na Índia, mais de 11 cidades, 80 templos e incontáveis rituais pelas ruas e pequenos santuários e altares escondidos. Para acompanhar o festival, escolhi uma das três cidades sagradas da Índia, Haridwar. O foco de minha pesquisa são os mitos, os rituais, a iconografia e tudo o que se relacione às religiões ancestrais. Essa exposição é dedicada às três deidades do hinduísmo: Shiva, a base do conhecimento védico, a destruição e a renovação; Brahma, a criação, e Vishnu, a manutenção.

 

ALGUMAS OBRAS DESTACADAS – COMENTÁRIOS

KRISHNA, 2019

  • Krishna [pastel seco, 190 x 152 cm, sobre papel]

Krishna é um dos deuses mais cultuados na Índia, o avatar de Vishnu. Nasceu em Vrindavan há cinco mil anos. É o todo atrativo. A palavra em sânscrito kṛṣṇa é essencialmente um adjetivo que significa azul-escuro. Neste pastel, eu uso o azul ultramar profundo para dar vida ao deus. De um enorme bloco azul surgem os olhos do deus. Não se pode vê-lo, pois está em outra dimensão. Só vemos seus olhos e um colar/guirlanda de flores. É o desapego da imagem, da matéria, em nome da experiência da cor. Na Índia, eu vi em alguns templos os brâmanes fixando os olhos na estátua do deus apenas na hora da cerimônia. Plasticamente, é uma referência ao YKB (Yves Klein Blue), o azul-ultramar criado por Yves Klein.

O BUSCADOR, 2019.

  • O Buscador [acrílica, carvão e folha de ouro, 129 x 151 cm, sobre papel]

Fiz a fotografia que dá vida ao desenho no templo Neelkanth, incrustado na rocha, e criado no século 3º em honra a Shiva. Ele integra o Kalinjar Fort, uma fortaleza localizada a três horas de Khajuraho, dedicado à deusa Kali. A entrada escura do templo expressa esse mistério e o medo do que deve haver ali dentro, medo do desconhecido, medo de Shiva. Da Vinci disse um dia aos pés de uma gruta: “Esse lugar me desperta medo e desejo ao mesmo tempo. Medo de encontrar criaturas terríveis na escuridão e desejo de ver a mágica acontecendo na minha frente”. O Buscador é todo ser humano que persegue o divino. O monge transcendeu o laranja e se transformou em ouro. 

O TRANSFORMADOR, 2019.

  • O Transformador [fotografia aplicada em metacrilato, 150 x 108 cm]

Posso dizer que O Transformador é a grande fotografia da minha vida. Foi feita no dia do Maha Shivaratri, em Haridwar, junto às escadarias sagradas à beira do Ganges, chamadas de Hari Ki Pauri, em que Har significa Lord Shiva, Ki significa de e Pauri significa passos. Acredita-se que o Senhor Shiva e o Senhor Vishnu estiveram no Har Ki Pauri nos tempos védicos. Enquanto há um enorme banho coletivo com um clima de profundo respeito, do lado de fora acontece uma festa profana de enormes proporções. Carros de som, bandas de sopro, milhares de pessoas fantasiadas, animais pintados e muitas estátuas dos deuses sendo levadas pelos devotos. Uma espécie de mistura entre carnaval e procissão. No meio disso tudo, vejo um homem maquiado dos pés à cabeça de um negro profundo. Estava em cima de um búfalo, virado de costas, e carregava uma bacia de metal na mão de onde emanava fumaça branca, onde as pessoas depositavam dinheiro, flores e todo tipo de oferendas. O homem era um shivaísta – um devoto de Shiva. Ao mudar o ângulo de posição da lente da minha câmera, consegui enxergar a cena contra a luz, e nessa hora, por trás da fumaça, surgiu Shiva na minha frente! Realmente, no dia do Shivaratri, o Mahadev toca a terra, e está ali, no quadro da minha câmera. É a confirmação da presença do divino naquela terra sagrada. Esta é a obra central da exposição.

O FOGO SAGRADO, 2019

  • O Fogo Sagrado [óleo, folha de prata e ouro sobre tela, 150 x 200 cm]

Esta pira de fogo é um altar para a transmutação das oferendas, oblação. A foto que serviu de base para o trabalho foi feita também em Haridwar, dentro das escadarias sagradas que dão acesso ao na beira do Ganges, chamadas de Hari Ki Pauri, também no dia do Shivaratri. O fogo que nunca apaga. O fogo da vida. Esse altar de fogo construído em formato quadrado está presente em diversos templos e se chama Ygna. Ao redor do quadrado foi amarrada uma corda para sacralizar o lugar. Minha corda é de ouro. O prato com as oferendas é de prata.

 

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