Sala dos provedores, 2018
“Nesta obra, tomo como ponto de partida o interior da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro, instituição filantrópica católica voltada ao atendimento hospitalar, fundada em meados do século 16. Desde sua origem, a Santa Casa teve como propósito central oferecer amparo aos mais necessitados.
Desde o século 17, a administração é feita por uma irmandade que presta serviço voluntário e sem remuneração; esta elege um líder, denominado Provedor. O ingresso à irmandade significa o reconhecimento social e de posses e o cargo de Provedor é historicamente ocupado por políticos influentes ou membros da alta sociedade.
A referência desse trabalho é a Galeria dos Provedores da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro, local onde estão os retratos pictóricos dos Provedores da instituição do início do século 19 até os dias atuais. O espaço foi integralmente reproduzido na pintura e as informações adicionadas são relacionadas ao histórico dos Provedores retratados. Entre alguns benfeitores, figuram acusados de enriquecimento ilícito, escravagistas, latifundiários, favorecidos políticos e afastados por desvios de verbas da instituição.
Em síntese, trata-se de um grupo pequeno que constitui um sistema filantrópico com regras e políticas próprias e, em decorrência de sua longevidade, é capaz de fornecer parâmetros dos valores éticos e interesses de parte da alta sociedade brasileira.
Considero este um dos trabalhos mais importantes da exposição Alto Barroco, no Paço Imperial, pois foi o primeiro trabalho da minha trajetória em que desenvolvi uma pesquisa completa sobre um espaço, fazendo uma narrativa sobre as questões daquele local.”
Instrução para administração de fazendas 2, 2020
“Depois de ter feito a pesquisa na Santa Casa de Misericórdia para a obra Sala dos Provedores, aprofundei mais o tema com novas pesquisas em instituições. No Museu Afro-Brasileiro de São Paulo, encontrei uma carta com o título Instrução para administração de fazendas, que também dá nome à essa extensa série de trabalhos. O conteúdo da carta abordava formas de tratamento de pessoas escravizadas para gerar maiores lucros.
Nos interiores de edificações opulentas do período colonial, represento o funcionamento de uma fazenda de acordo com as normas descritas naquela carta. Ao expor tal conteúdo, questiono o quanto do nosso presente há naquela carta, que, a meu ver, se mostra como um Post scriptum de relações entre classes que encontramos hoje, em uma sociedade cuja escravidão foi determinante à formação de uma base viciosa de desigualdades.
Destaco um trecho escrito pela antropóloga e historiadora Lilia Moritz Schwarcz que, na minha primeira publicação monográfica, escreveu sobre este trabalho: ‘O arquivo da escravidão descansa por sobre uma base violenta que estrutura a própria sociedade brasileira. Já a obra de André Griffo, sem ser um manifesto, revela por indícios a agência dos objetos, reapresentados de forma a contar uma história divergente. Uma recombinação narrativa, um arranjo visual que remete ao tempo da escravidão, transformando-o no nosso próprio tempo. Ninguém sai ileso.’
Essa é uma arte, portanto, que se produz junto com o arquivo, mas também contra ele. Uma contra história que se opõe de maneira sensível e até delicada às opacidades e silêncios das fontes visuais eurocêntricas.
Eu reconto, assim, uma história do que ‘poderia ter sido’, rompendo com os limites da representação colonial. Afinal, nomear o passado de maneira crítica significa uma forma dileta de rever o presente e visionar o futuro.”
O poder e a glória do pecado, 2019
“Este é um trabalho de grandes proporções, mede 2.90X2.90, e é baseado na arquitetura ornamentada da obra L’incontro di Salomone con la regina di Saba (O Encontro de Salomão com a Rainha de Sabá, ca. 1470–1473), de Francesco del Cossa, no qual pintei o mesmo Jesus que Giotto pintou na capela Scrovegni. Neste trabalho, discuto, mais uma vez, a questão da religião retratando Jesus sendo influenciado por anjos em ações inesperadas e até violentas. Como muito bem descreveu a curadora Juliana Gontijo: “Segundo a tradição judaico-cristã, os anjos são seres celestiais perfeitos, criados bons por Deus para servi-lo segundo a sua vontade; aqui, porém, aparecem demasiadamente humanos, pondo em questão a perfeição da criação ou a onisciência divina”.
A supressão do santo pelo ornamento 6, 2025
“Objetos e imagens são fundamentais à concretização e à materialização das ideias que formam um sistema religioso; a eles são agregados significados e direcionados os sentimentos daquilo que representam. No caso do cristianismo, tais símbolos – santos, anjos, a Bíblia, a cruz, entre outros – são comumente apresentados com um amplo repertório de ornamentos. O propósito dessa junção é que o conjunto seja capaz de provocar sentimentos de celebração, adoração, sublime.
Embora a principal característica do ornamento seja estética, sua importância no contexto religioso vai além da função decorativa; ele é capaz de apresentar e definir o valor do símbolo que ornamenta e conduzir por si só a narrativa do contexto religioso.
A série A Supressão do Santo pelo Ornamento é composta por pinturas e desenhos onde as imagens dos santos de retábulos e oratórios são substituídas por outros ornamentos, de maneira que a composição seja tomada por um conjunto semântico cuja dimensão estética se relaciona diretamente com a memória e os valores da cultura cristã.”
O vendedor de miniaturas 9, 2025
“Neste trabalho, faço referência a estações de metrô presentes em grandes cidades do mundo, cenário onde um vendedor fictício informal expõe e vende seus produtos. Dispostas em lonas no chão, ou em ganchos pendurados nas estruturas dos espaços, estão figuras em miniatura que evocam tanto imagens religiosas como figuras de ação. Ao lado de imagens sagradas, como são Sebastião ou Nossa Senhora Aparecida, estão também figuras como políticos, policiais e pastores evangélicos, elementos que compõem muitos grupos paramilitares denominados “milícias” no Rio de Janeiro.
Por meio da representação de um espaço arquitetônico cotidiano em uma cena aparentemente banal, exponho, sob a forma de miniaturas, os agentes contemporâneos, que se estruturam por meio da política e da religião, para exercer o controle e promover a violência.”
ANDRÉ GRIFFO: ALTO BARROCO • PAÇO IMPERIAL •
RIO DE JANEIRO • 14/6 A 10/8/2025











